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Em 2007, mas não todos os anos, todos os cristãos celebrarão a Páscoa na mesma data. Mas nem sempre é assim. A Comissão Fé e Ordem, do Conselho Mundial de Igrejas, dedicou-se a responder perguntas freqüentes sobre o tema, com o intuito de esclarecer e informas as igrejas-membro acerca das diferentes tradições que cercam esta data.

Questões freqüentes sobre a Páscoa:

Pergunta: Por que a Páscoa não é todos os anos no mesmo dia, como o Natal, por exemplo?

Resposta: Uma resposta breve é que no século IV foi decidido que a Páscoa cairia após a primeira lua cheia vinda depois do equinócio vernal, ou de primavera no Hemisfério Norte (equinócio é o dia no ando em que a duração do dia e da noite são equivalentes. Isto acontece duas vezes ao ano, uma na primavera e outra no outono).

Uma resposta mais detalhada seria:

Sabemos, a partir do Novo Testamento, que a morte e a ressurreição de Jesus aconteceu durante o tempo da festa da Pessach judaica. De acordo com os Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, a última ceia que Jesus partilhou com os discípulos foi uma ceia de Pessach, enquanto o texto do Evangelho de João diz que Jesus morreu na data da Pessach. Naqueles dias, os judeus celeravam a Pessach no 14o. dia do primeiro mês, de acordo com os mandamentos bíblicos (veja Lv 23.5; Nm 28.16; Js 5.10b). Cada mês do calendário judeu inicia-se numa lua nova, sendo que o 14o. dia seria de lua cheia.O primeiro mês, chamado de Nisan, era o mês que começava na lua nova da primavera. Em outras palavras, a Pessach era celebrada na primeira lua cheia após o equinócio de primavera e, por isso, esta era uma festa móvel no calendário. Fontes mais antigas nos contam que isto logo levou os cristãos em diversas partes do mundo a celebrarem a Páscoa em dias diferentes. Já no século II, algumas igrejas celebravam a Páscoa no dia do Pessach, sendo ele domingo ou não, enquanto outros poderiam celebrá-la no domingo seguinte. No final do século IV, havia quatro diferentes maneiras de se calcular a data da Páscoa. No ano 325 d.C., o Concílio de Nicéia tentou trazer uma solução unificada que pudesse reter o vúnculo com a data do Pessach, assim como celebrada nos tempos de Jesus. Por isso, a data da Páscoa foi estabelecida como móvel.

P: Então como é calculada a data da Páscoa?

R. O Concílio de Nicéia estabeleceu que a data da Páscoa seria no primeiro domingo após a lua cheia depois do equinócio vernal.

P: Por que, então, apesar de haver uma regra universal estabelecida em Nicéia, diferentes partes da Igreja celebram a ressurreição de Cristo em diferentes datas?

R: A primeira coisa a ter em mente é que, mesmo após o Concílio de Nicéia, permenaceram algumas diferenças acerca da data da Páscoa, visto que o Concílio não disse nada sobre os métodos a serem usados para calcular o tempo da lua cheia ou o equinócio vernal.

Mas o problema real por trás desta situação que temos hoje surgiu no século XVI, quando o calendário Juliano, que foi estabelecido em 46.a.C., foi substituído pelo calendário Gregoriano. Levou algum tempo para que o calendário passasse a ser adotado por todos os países (os gregos não o adotaram até o início do século XX!). Entratanto, as igrejas ortodoxas ainda usam o calendário Juliano para calcular o equinócio vernal e a lua cheia que segue. É por isto que elas calculam uma data diferente.

P: Por que a reforma no calendário Gregoriano aconteceu? Isto era necessário?

R: A reforma do calendário, decretada pelo papa Gregório XII, era necessária porque o calendário Juliano usado naquela época estava começando a sofrer uma defasagem diante da realidade astronômica – o que significa dizer que, quando chegava o dia 21 de março no calendário, o verdadeiro equinócio já tinha acontecido. O problema fundamental por trás disto é que o ano astronômico – o tempo que a Terra leva para fazer seu percurso ao redor da lua – não é exatamente 365 dias, mas, na verdade, 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 46 segundos. Entretanto, como o ano tinha que ser dividido em partes iguais, por motivos práticos, anos de transição tiveram que ser incluídos para resolver o problema.

P: Qual a diferença entre o calendário Juliano e Gregoriano?

R: A diferença entre os dois calendários está, precisamente, em como eles resolvem este problema. A solução do calendário Juliano foi adicionar anos de transição (bissextos) a cada quatro anos, com o resulado final de que o calendário Juliano seria 11 minutos e 14 segundos mais longo que o percurso real da lua ao redor do sol. Isto significou que os fatos astronômicos e os cálculos do calendário estariam com uma diferença de um dia a cada 128 anos. O equinócio real, por exemplo, iria, então, acontecer um dia antes da data prevista no calendário. O calendário Gregoriano tentou corrigir isto ao encurtar o calendário médio anual, introduzindo a regra adicional de que, em comparação com a regra do ano de transição do calendário Juliano, não haveria ano bissexto algum anos que podem ser divididos por 100, mas não por 400. Graças a este reduzido número de anos bissextos, o calendário Gregoriano está mais perto da realidade astronômica – ainda que não seja exato – mas a diferença enre os fatos da astronomia e a data do calendário hoje é somente de 26 segundos por ano. Isto significa que em 3.600 anos teríamos uma diferença de um dia. Atualmente, o calendário Juliano está 13 dias atrasado em relação ao Gregoriano, e em 2100 esta diferença será de 14 dias. Isto significa que o equinócio vernal, que está estabelecido como o dia 21 de março, e sobre o qual apóia-se a data da Páscoa, cai no caledário Juliano num dia em que, sob o calendário Gregoriano, equivale ao dia 3 de abril.

P: Então, as duas datas estão separadas por duas semanas?

R: Não. A diferença entre as duas Páscoas é diferente a cada ano. Pode chegar até a 5 semanas. Além do fato de que as datas do equinócio vernal caem em datas com 13 dias de diferença, também temos que considerar quando a lua cheia acontece. Então, se a lua cheia cai no meio dos 13 dias de diferença entre os dois calendários, a Páscoa ortodoxa será mais tarde.

Há um outro fator complicador aqui, que é que, junto com o equinócio, o sol e a lua tem um papel a desempenhar também. No calendário Juliano, a lua cheia é calculada usando o assim chamado ciclo Metônico (um ciclo de 19 anos sob o qual as fases da lua caem na mesma data a cada 19 anos). Todavia, este cálculo também não é preciso, do ponto de vista astronômico, o que leva, também, a troca de datas. Quando unimos este fato à discrepância existente entre os equinócios Juliano e Gregoriano, isto pode nos levar a uma diferença de até 5 semanas entre as festividades de Páscoa de ortodoxos e ocidentais.

O acordo de Nicéia traz uma outra informação que é extremamente importante para as igrejas ortodoxas. Ele declara que a Pácoa não deve ser celebrada com (‘meta’, em grego) os judeus. Os teólogos atuais não têm mais tanta certeza sobre o que isto realmente quer dizer, mas a Páscoa ortodoxa ainda não pode cair no mesmo dia de Pessach – é adiada em uma semana.

P: Neste ano, as duas festividades acontecem na mesma data. Quando isto acontece?

R: As duas datas coincidem quando a lua cheia que segue o equinócio acontece tão tarde que passa a ser contada como a primeira lua após 21 de março tanto no calendário Juliano como no Gregoriano. Isto não ocorre regularmente, mas aconteceu com certa freqüência nos últimos anos – 2001, 2004 e 2007. Também acontecerá em 2010, 2011, 2014 e 2017, mas, depois destas datas, somente em 2034.

P: Neste caso, por que as igrejas ortodoxas celebram o Natal ocidental?

R: Todas as igrejas celebram o Natal como uma festa fixa e todas (com exceção da igreja da Armênia) o fazem no dia 25 de dezembro. Entretanto, visto que a Igreja Ortodoxa Russa, a Igreja Ortodoxa Sérbia, o Patriarcado Grego de Jerusalém e a Igreja Ortodoxa da Geórgia seguem o calendário Juliano, elas celebram o Natal na data equivalente ao 7 de janeiro do calendário Gregoriano. A Igreja Ortodoxa Grega, a Igreja da Bulgária, os Patricarcados de Antioquia e Alexandria e a Igreja Ortodoxa da Romênia seguem o calendário Gregoriano (exceto no que que se refere ao cáculo da data da Páscoa), e celebram o Natal no mesmo dia das igrejas do Ocidente. Somente a Igreja Apostólica da Armênia celebra o Natal em sua data original (6 de janeiro) e a Festa do Batismo do Senhor no mesmo dia.

P: Existe algum empenho em reunir as festividades de Páscoa?

R: Esforços foram feitos e ainda são feitos para que se alcance este objetivo. Por muitas razões, houve muitos esforços para se lidar com esta questão no início do século XX. Em 1902, o Patriarca Joachim III de Constantinopla deu início a um debate que pretendia alcançar uma maior unidade entre os cristãos. A decisão do parlamento grego de introduzir o calendário Gregoriano em 1923 deslanchou um conflito entre a Igreja e o Estado. Não por último, foi esta a razão pela qual foi convocado um congresso pan-ortodoxo em maio de 1923, que revisou o calendário Juliano para aproximá-lo da precisão astronômica. Este calendário, conhecido como o Calendário Meletian, é somente 2 segundos mais longo do que o calendário ano, o que significa que leva 45.000 anos para desenvolver uma diferença de 1 dia. Os cálculos são baseados mais em observações de Jerusalém do que de Greenwich. Este é, portanto, o mais preciso calendário até agora. Contudo, sua introdução levou a divisões dentro das igrejas ortodoxas – particularmente as Igrejas Ortodoxas Grega e Romena. Desde então, a questão tem estado freqüentemente na agenda das conferências pan-ortodoxas. Ao mesmo tempo, a discussão ia desaparecendo na vida secular. O mundos dos negócios estava à procura de um método mais simples e sensível para calcular a data da Páscoa. Em 1928, o parlamento britânico emitiu o Ato da Páscoa, estipulando que a Páscoa seria celebrada num domingo fixo – o domingo após o segundo sábado de abril. Porém, a Ato estipulou que isto só seria implementado com a concordância de todas as igrejas cristãs.

Em 1923, a Liga das Nações levantou a questão e a repassou ao Comitê Consultor e Técnico de Comunicações e Trânsito, que, por sua vez, queria introduzir um novíssimo calendário ao redor do mundo, dividindo o ano em meses de tamanhso iguais. Isto teria o efeito de requerer um ou dois dias a serem incluídos fora do ritmo normal de 7 dias da semana, para compensar as brechas de tempo. No que se refere à data da Páscoa, a solução britânica foi proposta. O Comitê pediu às igrejas que expressassem sua opinião e descobriu que a maioria das igrejas protestantes, representadas pelo Concílio Ecumênico de Cristandade Prática, preferia uma data fixa para a Páscoa. O Patriarcado Ecumênico de Constantinopla referendou esta proposta, ainda que a Igreja Ortodoxa fosse a favor de um calendário que garantisse a continuidade da semana, estaria aberta a uma data fixa para a Páscoa, contanto que esta continuasse sendo celebrada num domingo e todas as igrejas cristãs estivessem de acordo. A pimeira reação da Igreja Católica Romana foi de que a questão não podia ser resolvida por um concílio ecumênico.Alguns anos mais tarde, entretanto, ela mudou a sua resposta para um não definitivo.

Os esforços continuaram na organização que sucedeu a Liga das Nações, ou seja, a Organização das Nações Unidas (ONU), mas, finalmente, sucumbiu em 1955, quando os EUA rejeitaram a idéia de um new calendário, temendo uma oposição pública de cunho religioso.

Nada mudou até o Concílio Vaticano II, cuja Constituição acerca da Sagrada Liturgia declarou que a Igreja Católica Romana iria conscentir com uma data comum para a Páscoa – móvel ou fixa – se todas as igrejas pudessem concordar com uma solução. O Conselho Mundial de Igrejas (CMI), então, levantou a questão novamente, consultando suas igrejas-membro em 1965 e 1967. Descobriu-se que todas as igrejas estariam dispostas a celebrar a Páscoa no mesmo dia. Entretanto, enquanto a maioria das igrejas ocidentais preferiam uma data fixa, as igrejas ortodoxas queriam uma data comum móvel baseada na determinação de Nicéia. Em 1975, o problema chegou à agenda da Assembléia do CMI, em Nairobi, atendendo um pedido feito ao Conselho pela Igreja Católica Romana para que as igrejas empreendessem algo conjunto acerca desta questão na Assembléia Geral. Outra consulta doi feita pelo Conselho junto às igrejas-membro, que ecoaram os resultados da primeira consulta. Tornou-se, assim, extremamente claro naquela Assembléia que uma decisão só poderia ser alcançada pelas próprias igrejas, não pelo CMI. Foi decidido que, naquele estágio, propostas específicas não seriam úteis, mas que o trabalho na questão deveria continuar.

Emtão, em sua primeira conferência pré-conciliar, em 1976, as igrejas ortodoxas decidiram reunir-se em congresso o mais rápido possível. Isto aconteceu no ano seguinte, em Chambésy. O congresso lidou, basicamente, com o problema pastoral de que o abandono da resolução de Nicéia causaria divisões. Esta conclusãofoi repetida na segunda conferência pré-conciliar ortodoxa em 1982, e a revisão do calendário adiada até quando, se Deus quiser, for mais adequada.

A questão não foi trazida novamente ao CMI até 1997. Dois de seus departamentos – Culto e Espiritualidade e Fé e Ordem – organizaram uma consulta em nome do comitê executivo em Aleppo, Síria. Este encontro resultou numa proposta concreta que mantinha a resolução de Nicéia, mas calculava o equinócio e a lua cheia usando dados astronômicos precisos disponíveis na atualidade, em vez daqueles usados há muitos anos.

P: Por que esta solução ainda não foi colocada em prática?

R: A igreja ortodoxa ainda está agarrada aos argumentos trazidos pelas conferências pré-conciliares de 1977 e 1982. O problema é que, enquanto o uso de cálculos astronômicos irão significar quase nenhuma mudança para aquelas igrejas que usam o calendário Gregoriano, as igrejas ortodoxas tiveram experiências dolorosas no passado com cismas surgidos com reformas no calendário e, por isso, são muito cautelosas acerca deste assunto. Contudo, uma proposta das igrejas ocidentais no sentido de mover a sua Páscoa para coincidir com a dos ortodoxos também não teve tanto apoio.

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– Deveria haver somente uma data unificada para a Páscoa ou as duas datas devem ser mantidas?

– Na sua opinião, qual seria a solução?

fonte: www.wcc-coe.org
tradução: Dr Marcelo Schneider – assessor para o moderador do CMI
foto: Peter Williams/WCC