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Numa sociedade injusta e hierarquizada como a nossa, onde uns valem mais do que os outros, seja pelo dinheiro, pelo poder, pela força, pela cor ou pela violência, é importante deixar-nos tocar pela palavra de Jesus:

“Entre vocês, o mais importante é aquele que serve os outros” (Mt 23.11).

Conforme o Evangelho de Mateus, ela foi dirigida à multidão e aos discípulos. Pelo poder do Espírito e pela fé esta palavra é uma pérola de grande valor nos dias de hoje. Ela denuncia a nossa nefasta escala de valores e propõe uma transformação de comportamento.

Convido você para refletir sobre o brilho desta palavra, especialmente para o contexto e ambiente das Igrejas cristãs. Também nas Igrejas, nas relações eclesiásticas e na vida comunitária de fé, esta Palavra de Jesus tem autoridade. Há igrejas cristãs que adotam modelos eclesiológicos verticais, fundamentados na hierarquia e em estratificação estrutural, despidos dos valores do evangelho de Jesus. Há outras Igrejas, no entanto, estruturadas em modelos horizontais, participativos e comunitários. Apesar das diferenças e do avanço de umas em relações a outras, todas necessitam de ouvir e de colocar em prática a orientação de Jesus:

“Entre vocês, o mais importante é aquele que serve os outros”.

Esta orientação dirige-se a todos os níveis de relacionamento e convivência nas diferentes instâncias da Igreja. Destaco somente uma delas nesta reflexão. Qual seja, o relacionamento das lideranças entre si e com os pastores e pastoras. Esta Palavra de Jesus é de grande importância para as lideranças da Igreja.

Crises de relacionamentos são comuns entre lideranças, membros de comunidade e aqueles que exercem o Ministério Pastoral. Além da condição humana e do contexto social e histórico dos envolvidos é inegável a influência dos valores negativos da sociedade injusta na formação dos vícios de comportamento e relacionamento.

Ouvimos com freqüência comentários sobre os pastores e presbíteros que querem ser “donos” da Comunidade, donos da paróquia; fala-se sobre brigas de poder entre lideranças, também entre os pastores e pastoras, sobre ciúmes e descontentamentos. Há críticas e resistências quando lideranças querem adotar no gerenciamento eclesiástico sistemas e valores comuns em empresas e instituições comerciais ou financeiras. A Palavra de Jesus, nesse contexto, é uma voz que comunica novidade e convida para uma mudança.

“Entre vocês, o mais importante é aquele que serve os outros”.

COMO É UMA LIDERANÇA QUE SERVE? COMO É SER UM PRESBÍTERO/A QUE SERVE, OU UM/UMA PASTOR/A QUE SERVE?

Conforme a experiência de muitos a liderança e os pastores/as que servem, sabem onde estão e para onde vão. É como dirigir um carro à noite numa estrada escura. Os faróis focam com a luz somente uns 50 metros à frente. Mas o motorista mesmo não vendo todo o caminho sabe para onde está viajando. As lideranças e os Obreiros pastores que servem, conhecem as metas, as etapas e todo o projeto. Outro exemplo: no início da construção de uma casa, ainda nos alicerces e no levantamento das paredes os construtores já conseguem visualizar a casa pronta. As lideranças da Igreja que servem sabem o caminho a seguir, conhecem a missão de Deus e como a Comunidade participa dela.

As lideranças e pastores/as que servem não exercem gerência ou chefia. Elas convivem, dão o exemplo, influenciam e convencem a todos e todas e os incluem em sua tarefa ou missão, fazendo desta uma proposta de todos e todas. Por isso, as lideranças e obreiros/as que servem não têm poder, têm autoridade. Essa diferença entre liderar com poder ou liderar com autoridade faz uma grande diferença. Conhecer essa diferença facilita a compreensão da palavra de Jesus:

“Entre vocês o mais importante é aquele que serve os outros”.

Autoridade é a arte, o serviço de convencer, de levar os outros a aderirem ativamente ao projeto ou a missão maior. A autoridade das lideranças da comunidade, do pastor ou da pastora procede da própria comunidade e da missão maior da Igreja; é um serviço que promove a comunidade através da participação, da vivência, do diálogo, da comunhão, da partilha, da solidariedade, sem hierarquia, permitindo que a palavra de Deus, os sacramentos e a presença viva de Cristo e do Espírito Santo sejam o centro de tudo e de todos. O exercício da liderança com essa forma de autoridade, não contradiz os valores e princípios da notícia do amor incondicional de Deus.

Esta não é a forma de liderança mais fácil. Aparecem muitos palpites, críticas e sugestões para o uso de poder e de métodos que comprometem a orientação do Senhor da Igreja, Jesus Cristo.

O exercício da liderança que serve baseia-se em princípios e valores específicos, que sustentam a fidelidade com o compromisso da função. Por exemplo, nem sempre é possível fazer uma consulta ampla entre os membros para definir as melhores decisões, ou o caminho a seguir. Vejamos, se o grande líder do povo escravo do Egito, Moisés, tivesse feito no deserto uma ampla votação entre o povo para definir se deveria continuar ou voltar para o Egito, certamente não teria cumprido a sua tarefa de guiar o povo para a terra prometida.

Jesus falou e instalou o seu reino entre nós, com autoridade e não com poder. Ele, pela avaliação humana foi um ninguém, um pobre homem da vila de Nazaré. Porém transformou a história, reconciliou o mundo com Deus, venceu a morte e anunciou a eternidade. Exerceu liderança com a autoridade que o Deus misericordioso o concedeu. Não se tornou conivente com os poderes e reinos já instalados no mundo e, mesmo sem poder, cumpriu a sua missão.

As lideranças e os pastores/as que servem necessitam da ajuda de Deus, de paciência e de habilidade. O caminho para resistir à sedução do poder e assimilar o método da autoridade passa por um constante treinamento, de práticas a serem incorporadas no do dia-a-dia. Inclui uma constante negação aos vícios de comportamento e influências de valores de consenso que dizem amém para o exercício de uma liderança instrumentalista, que usa os instrumentos e métodos de poder, que promove hierarquias, dominação e exclusão.

Uma outra dimensão importante do exercício da liderança que serve é o caráter. Por exemplo: ser paciente ou impaciente, respeitoso ou desrespeitoso, arrogante ou humilde, mostrar que sabe tudo ou ajudar na medida do necessário, mandar ou assessorar, gritar ou falar, ouvir ou fazer pouco caso, ser gentil ou indelicado? Estas escolhas dependem do caráter da liderança e dos obreiros pastores/as. O caráter pode comprometer ou não o serviço, o compromisso e a função daqueles e daquelas que exercem liderança. A experiência indica que para servir os outros, para acolher e incluir, para ser humilde e, ao mesmo tempo, fiel aos objetivos e propósitos da função de liderança, é preciso ter caráter, ser persistente, paciente, saber lidar com conflitos, viver em comunidade, em comunhão com Deus.

A Palavra orientadora de Jesus Cristo convida todos, especialmente as lideranças e os obreiros pastores/as da Igreja, para servirem uns aos outros.

“Entre vocês o mais importante é aquele que serve os outros”.

(P. Guilherme Lieven)