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Recentemente, o Papa Bento XVI promulgou decreto exortando os Bispos a voltarem com o latim como idioma das missas católicas, aonde isso houvera sido abandonado após o Concílio Vaticano II de 1965. Já o Papa antecessor, João Paulo II, muito pelo contrário, em 1988 excomungou o Cardeal Lefebvre que mantinha o latim no rito da chamada missa gregoriana. Provocou-se um novo cisma em pleno século XX. Questiona-se então: qual dos Papas tão próximos está certo, e qual estaria errado? Não é possível que ambos estejam certos em posições tão antagônicas.

Aqui fica realçado um dos princípios do protestantismo de Lutero, qual seja, de que o papado não significa a infalibilidade do Pontífice. Quando em 1522 Lutero traduziu a Bíblia para o idioma do seu povo, o alemão, quebrou o monopólio dos doutores da Igreja da época sobre leitura e interpretação da palavra divina. Era preciso fazê-lo, pois a palavra das sagradas escrituras é para toda humanidade. Quebrado o monopólio cardinalício, seguiu-se a tradução do livro sagrado para todos os demais idiomas, tornando-o como Cristo queria, pela via da palavra, o instrumento de universalização da fé cristã. De outra forma, a história medieval mostra que não raro se impunha o cristianismo, ou melhor, o catolicismo, pela espada e a fogueira, baseados numa palavra não bíblica, mas na ditada pelos inquisidores. Que o digam os mouros, os judeus, e outros tidos como hereges ou infiéis, dentre os quais os protestantes. Mas isso é passado e página virada da história que, contudo não convém apagar.

Naturalmente, que dentre os protestantes seguiu-se a realização de cultos, da louvação e da oração no idioma dos fiéis, e não mais no incompreendido latim dos doutores e intelectuais. São tantos os legados positivos de nosso fundador Martim Lutero, mas, se tivesse eu, dentre eles de fazer uma escolha pessoal do mais importante, citaria justamente este: o de fazer a Igreja falar a língua do povo. É sábio o ditado popular que diz: a voz do povo é a voz de Deus. Hoje, o ecumenismo, tão forte e presente nos princípios de nossa Igreja Evangélica é também um legado de Lutero, eis que a sua reforma não objetivava provocar o primeiro cisma Cristão, que infelizmente o Papa Giovanni de Médici – Leão X, tornou inevitável ao excomungar o monge contestador até então pertencente à ordem dos agostinianos fundada por Aurélio Agostinho, santo católico.

Dentre as inúmeras confessionalidades cristãs de hoje, a Católica Romana, como a maior, permanecerá no centro dos objetivos do ecumenismo. Os irmãos católicos merecerão incondicionalmente nosso apreço e convivência fraternal, independente dos vendavais conservadores que com freqüência sopram de Roma. O retrocesso do uso do latim no rito das missas, aliado ao mais recente documento declaratório da Congregação para a Doutrina da Fé, a antiga Inquisição, de que nós protestantes somos “ferida profunda” porque afastados do papado, é algo que poderia ser visto como coisa medieval requentada, ou até banal. Mas não é. Sinaliza que cinco séculos após a reforma permanecemos doutrinariamente muito distantes do conservador Vaticano papal. A nós, possivelmente eternos protestantes, fica a alegria de ver o quão está viva a Reforma Luterana, e quão estão atuais os legados do reformador. O terceiro milênio do Cristianismo se inicia com o século XXI, e mais do que nunca a Cristandade é multiconfessional, pois a unidade se perdeu há séculos, não por meras insurgências ou sectarismos, mas pelos próprios descaminhos daquilo que já foi único um dia. São páginas indeléveis da história da humanidade e do Cristianismo.

Rubens Hering
 2o. Secretário da Comunidade Evangélica Luterana de Curitiba.
hering@onda.com.br