O movimento de reivindicação pela jornada de oito horas desencadeado no dia 1º. de maio de 1886 pelos trabalhadores de Chicago/EUA e a repressão violenta que redundou na morte de trabalhadores fez com que essa data fosse escolhida no mundo todo como dia de luto e de luta pela justiça social. A expressão “Dia do Trabalho” surgiu posteriormente em alguns contextos para suavizar o caráter político-ideológico que a data tem em seu nascedouro.
O cenário das reivindicações sociais se alterou muito desde o século XIX, mas muitas coisas ainda carecem de mudança no século XXI. À redução da jornada de trabalho, à abolição do trabalho infantil, à proteção ao trabalho da mulher e à busca por melhores condições de trabalho se soma a luta histórica do acesso ao emprego e à renda como condição indispensável para uma vida digna. Percebe-se que há muita dor e sofrimento em milhares de lares e famílias por causa do des-emprego ou sub-emprego.
Diz-se vulgarmente que há muito trabalho, mas pouco emprego, ou seja, há muita atividade humana por ser realizada, mas ela carece de reconhecimento remuneratório. Ouve-se também a expressão “desemprego estrutural”. Para funcionar a sociedade e a economia não teriam condições de suportar uma política de pleno emprego. Ou seja, um contingente de pessoas precisaria ficar à margem de um trabalho remunerado. Isso se acentuaria ainda mais em tempos em que os processos de produção tecnologizados demandam cada vez menos mão-de-obra. Essa frieza econômica depõe contra a ética cristã por sua insolência e desumanidade.
A tradição bíblico-cristã encara o trabalho humano de duas maneiras. De um lado, ela mostra que o trabalho faz parte da dignificação da pessoa, pois ela participa por meio dele da obra mantenedora da boa criação de Deus. “ Tomou, pois, o Senhor Deus ao ser humano e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar.”(Gênesis 2.15). De outro lado, aponta o trabalho como castigo decorrente da insubordinação e desobediência a Deus. “No suor do rosto comerás o teu pão” (Gênesis 3.19).
O acento numa ou noutra perspectiva tem suas conseqüências. Se o trabalho for encarado apenas como castigo, as pessoas criarão uma série de expedientes para fugir dele. Parece irônico, mas em tempos de desemprego estrutural muitas pessoas gostariam de ser exploradas, mas nem têm mais este privilégio. Hoje a dimensão do castigo incorpora inclusive a condição de não-trabalho. Se o trabalho tiver como foco a participação do ser humano na criação de Deus, ele se torna vocação transformadora e dignificadora.
É bem possível que a fé cristã tenha acentuado por demais a primeira perspectiva e deixado de lado a segunda. Um equilíbrio se faz necessário. O foco no trabalho como elemento intrínseco à condição humana e o realce do aspecto participativo na criação de Deus levam à conclusão de que o ser humano carece do trabalho para a sua plena realização. Já as condições de trabalho desumanizantes ou mesmo a ausência de uma atividade laboral representam sempre uma interpelação às consciências das pessoas. Elas se tornam um enorme desafio para todos/as quantos/as se orientam pelos valores da justiça e da solidariedade e buscam com criatividade a superação da dor e do sofrimento presentes no contexto do trabalho e do não-trabalho.
P. Rolf Schünemann
Publicado na edição 72 do Informativo dos Luteranos – maio/2008