Foram muitos dias de preparativos, desde a apreensão dos jacarés no igarapé Prainha até o seu cozimento em forma de sopa com mandioca e milho. Para cada preparo, um ritual. Primeiro os pajés e lideranças foram capturar os jacarés, trazendo-os vivos para um cativeiro próximo da aldeia Pajgap. Lá os jacarés esperaram até os dias da festa. Foram três dias de festa, com muita dança e macaloba (chicha). No segundo dia, chegou a vez dos jacarés. Vestidos a caráter com suas roupas de fibra de babaçu e pintados com urucum ou jenipapo, pajés, lideranças e jovens foram buscar os jacarés no cativeiro na beira do igarapé. Voltaram animados, cantando, dançando, abraçados com os jacarés que também estavam enfeitados com fibras de buriti e naturalmente com as bocas amarradas. No terreiro juntaram-se todos os Arara e aí foi uma festa só , com muita dança. Os pajés iam orientando quem deveria dançar com o animal. Crianças, jovens e idosos dançaram abraçados com os jacarés. No final, eles determinaram que duas mulheres deveriam matar os jacarés, ali no terreiro mesmo. Depois, foram cozidos e saboreados por todos que estavam na festa.
Havia cinco anos que os Arara não faziam mais a festa do jacaré. Influenciados por igrejas fundamentalistas, alguns Arara deixaram de praticar alguns rituais de sua cultura. O retorno dessa festa tem um significado para os Arara que vai além da nossa compreensão. Esse significado pode ser externado na alegria, nos olhares, cantos, danças, enfeites e pinturas corporais. Ninguém ficou sem pintura, sem tomar a macaloba, sem experimentar a sopa do jacaré ou sem dançar. Foram três dias e três noites de pura alegria.
O COMIN, a Pastoral Indigenista, o CIMI, a FUNAI, a Universidade, o Instituto Federal de Educação e tantos outros estavam lá, participando, apoiando e incentivando os Arara a continuarem a praticar suas festas e seus rituais.
Depois da festa, vem o cansaço, a ressaca, como se diz, mas sobretudo vem a satisfação de terem conseguido fazer uma festa tão bela , como há muito tempo não se via.
Os Arara passaram por momentos muito difíceis , especialmente no auge da colonização de Rondônia, nas décadas de 60 e 70. Quase foram extintos. São verdadeiros sobreviventes de massacres. Por isso, a revitalização de uma festa como esta do Jacaré é tão importante para este povo.
A festa foi realizada dos dias 23 a 25 de setembro de 2010, na aldeia Pajgap, Terra Indigena Igarape Lourdes, município de JI-Paraná-RO.
Jandira Keppi
Obreira do COMIN, presta assessoria jurídica a povos indígenas de Rondônia.