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Os técnicos da Associação de Agricultores Biológico (ABIO), parceira da Aliança ACT, seguem visitando as áreas atingidas pela catástrofe climática da região serrana do Rio de Janeiro. A entidade está chamando uma reunião, no dia três de fevereiro, para ouvir relatos dos agricultores e formular, em conjunto, propostas e projetos que possam beneficiar não só os produtores orgânicos, mas contribuir para a retomada da produção de agricultores convencionais e outros núcleos rurais. O trabalho junto aos agricultores é estratégico, tanto pela subsistência dos produtores e da economia dependente da produção rural – que também não escapou do desastre – quanto pela produção de alimentos.

Para a engenheira agrônoma Lucia Helena Almeida, da ABIO, a grande necessidade dos agricultores é de assistência técnica para orientação na retomada das atividades. “Talvez se possa pensar na criação de um programa multidisciplinar de residência de jovens profissionais – não só da área agrícola – como forma de apoio”, disse ela. Mas a definição das estratégias ainda está em construção.

Abaixo, Lucia conta um pouco do que encontrou em um dia de visitas:

“Saindo de Teresópolis e seguindo em direção às comunidades rurais pela rodovia Rio-Bahia (BR 116), logo que nos afastamos da área urbana, começamos a nos defrontar com cenários devastadores.

Na estrada que dá acesso à comunidade rural Fazenda Alpina, as manchas na parede da sede de um centro espírita ao lado do Rio Paquequer mostram que a água subiu pelo menos seis metros de altura. No caminho, barreiras caídas, trechos perigosos sem sinalização, toda a fiação elétrica no chão e muita água ainda escorrendo das montanhas.

No entanto, de tudo o que vimos, não sai da minha memória o que as pessoas contaram sobre o cenário na zona rural na manhã do dia 12: corpos pendurados em árvores, transpassados por galhos, presos nos arames farpados das cercas. O trabalho para recuperar as perdas materiais vai exigir muito, mas o cuidado com o sofrimento pelas perdas pessoais e pelos danos emocionais não pode ser menor.

Chegando no condomínio Fazenda Alpina, que fica um pouco antes da comunidade rural, vimos um enorme lago, totalmente arrasado. Não pudemos ir mais adiante, mas soubemos que alguns agricultores se mantêm nas áreas porque as casas estão preservadas. Perderam as lavouras e animais. Falamos com uma mulher que foi à escola da comunidade ver se tinha roupa para as suas crianças. Desalentada, mas com disposição para recomeçar. Aliás, todos falam em recomeço.

Voltamos e passamos na região de Cruzeiro. Ali, as baixas foram poucas graças a um morador de Fazenda Alpina, que telefonou avisando da tromba d’água a caminho. Esse senhor – que salvou as vidas de centenas de famílias – foi levado pelas águas.

Em Cruzeiro, o cenário é desolador. Além dos agricultores, muitos donos de haras foram afetados. Essa atividade de criação de cavalos gerava, até agora, muitos empregos diretos nas comunidades. O dono de um haras na região da Teresópolis-Friburgo conseguiu mandar os cavalos para São Paulo e colocou os 25 empregados em aviso prévio. Não se sabe se essas pessoas terão emprego.

Conversamos com um microempresário, dono de duas lojas de material de construção, uma delas em Cruzeiro e outra na Rio-Bahia, que nos disse que vai ter que demitir boa parte dos 18 empregados. Falou isso muito entristecido porque sabe que essas pessoas dificilmente terão outra oportunidade a curto prazo. Ele também lamentou a quebra de microempresários que moviam a pequena economia na localidade: o dono da padaria recém-reformada que era o orgulho da comunidade, o salão de beleza, o açougue e a venda.

Na região do núcleo rural de Andradas, as perdas, em princípio, não parecem graves, mas os relatos do que ocorreu são impressionantes: pedras gigantescas rolando e se espatifando, fazendo a terra tremer. Ali, cruzamos com uma ambulância da prefeitura de Campos dos Goytacazes, com agentes de saúde da cidade do Rio de Janeiro vacinando as pessoas contra tétano. Chegavam, ligavam a sirene e batiam de porta em porta.

Mais adiante vimos lavouras destruídas. Seguindo em direção ao Brejal, Petrópolis, mais casas destruídas e as marcas de água próximas aos telhados. Não foi possível prosseguir, pois a estrada estava desbarrancando.

Ninguém nesses locais por onde passamos têm energia elétrica desde o dia 12 de janeiro, ou seja, há 10 dias. O silêncio é desolador.

Seguimos pela estrada em direção a São José do Rio Preto, mas não rodamos mais do que dois quilômetros e vimos granjas, que deveriam ter cerca de 100 mil frangos, e plantações de chuchu arrasadas. A sujeira estava dependurada nos fios de energia elétrica. A quantidade de lixo é enorme em todos os lugares. Garrafas pet, sacos plásticos, e a sensação é que nunca mais sairão dali.

Dos cerca de 5 mil produtores rurais de Teresópolis, a maioria de médios e agricultores familiares, cerca de 80% estão com sérios comprometimentos. Muitos perderam desde documentos até as casas e o solo de plantio.”