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Era quinta-feira, dia 29 de dezembro de 2011. A Valmi e eu fomos fazer uma pequena viagem para Bombinhas, uma das praias mais bonitas de Santa Catarina. Havia muitos carros na BR 101. O trajeto que, normalmente, se faz em uma hora e trinta minutos, acabou “custando” mais do que o dobro do tempo. Menos mal que meus compadres nos esperaram com comida e bebida saborosa. O fato é que a nossa festa de fim de ano começava a ser excelente.

Num dado momento, o nosso assunto descambou pro lado da Psicologia. Meu afilhado, o André, sustentou que a “autoestima”, essa avaliação subjetiva que uma pessoa faz de si mesma, pode ser elevada e ao mesmo tempo frágil e ou baixa, porém segura. Não sou psicólogo e por isso pedi que me explicasse melhor…

– É simples tio. Pensa numa pessoa narcisista. Sua autoestima é elevada, mas ao mesmo tempo frágil. Agora imagina uma pessoa humilde. Sua autoestima é baixa e ao mesmo tempo segura.

A Camila que até então se dispunha só a ouvir a nossa conversa, atalhou com aquele seu jeito simples de dizer as coisas com sotaque maringaense:

– Entendo um pouco deste assunto. No semestre passado eu fiz uma “Cadeira” de Psicologia. A autoestima foi um dos nossos assuntos. Minha professora defende a tese de que a autoestima de uma pessoa pode ser constante através do tempo; pode ser independente diante das condições particulares e ou pode estar entranhada num nível psicológico básico…

Entendi que minha sobrinha estava querendo dizer que a autoestima tanto pode ser estável, como corajosa e ou automática. Sim, eu precisaria estudar aquele assunto com mais cuidado… Percebi que o André tinha mais a dizer e dei-lhe ouvidos…

– Outro dia li no Antigo Testamento que rainha Vasti foi dona de grande autoestima…

– Onde você leu isso André?

– Li isso no primeiro capítulo do livro de Ester.

– Verdade? Me conta mais…

– Deduzi da minha leitura que, muitas vezes é assim que encontramos os verdadeiros heróis em papéis secundários. Reza a história que esta tal de Vasti foi a primeira e a mais bonita esposa do rei Xerxes, o governante mais poderoso do Império Persa. Ela tinha tudo o que queria no palácio. O mundo simplesmente estava a seus pés…

– Maininho querido! O que você quer dizer com “mundo aos seus pés”.

– Olha só Camila. A rainha Vasti contava com um sem-número de empregados que estavam sempre à sua disposição. Daria para se dizer que ela vivia num destes palácios dos contos de fadas, como aquele que vimos lá na Baviera. Schwanscholl, se não me falha a memória.

– Ora, ora “Schwanscholl”. Presta atenção André: Neuschwanstein!

– Isso daí! Os vestidos que ela usava eram todos de seda macia e ela sempre se perfumava com os perfumes mais exóticos e, por isso mesmo, caríssimos.

– Continue afilhado!

– A tal rainha viveu três anos cercada de muito luxo. Daí então, num belo dia, ela e o “maridão” mandaram ver numa festa que duraria em torno de uma semana. Enfeitaram o pátio do castelo com cortinas de algodão brancas e azuis, amarradas com cordões de fino linho vermelho, que estavam presos por argolas de prata a colunas de mármore. O piso do castelo era feito de ladrilhos azuis, de mármore branco, de madrepérola e de pedras preciosas. Colocaram sofás de ouro e de prata no pátio, onde os convidados podiam tomar suas bebidas em copos de ouro, todos eles diferentes uns dos outros. O rei não poupou dinheiro e mandou que o vinho fosse servido à vontade também aos seus súditos na cidade. Todos podiam beber o quanto quisessem.

Nesse momento a minha comadre Carmem, o meu cunhado Ernani, a Valmi, todos nós embarcamos neste assunto… Alguém de nós sugeriu que o André continuasse desenvolvendo seus conhecimentos bíblicos e ele não se fez de rogado…

– Num dado momento da festança o rei, totalmente bêbado, quis mostrar a beleza de sua esposa aos convidados. Assim, ele ordenou que os seus funcionários trouxessem a “sua” rainha para que ela fosse apresentada para toda a sociedade.

– Conta mais, conta mais – sugeriu a Camila com olhar claro e suplicante…

– Sabem o que aconteceu?… A rainha Vasti recusou vir a aparecer em público. Para ela não importava o que o seu prepotente marido iria pensar da sua atitude. Ela não se exibiria diante daquela gente como se fosse um “produto” que se pode manusear daqui pra lá e de lá pra cá. Ela entendeu a sugestão do seu marido como insulto e humilhação à sua pessoa.

Meu compadre Ernani se mostrava orgulhoso da sapiência do seu menino. Lia-se este orgulho no seu jeito, enquanto de pé, recostado à mesa… Entrei na conversa.

– Pois é André! Podemos dizer que a Vasti foi uma mulher muito linda, mas, ao mesmo tempo, inteligente e confiante. Para ela estava claro que sua decisão colocava sua vida sobre o “fio da navalha”, mas e daí? Ela não precisava manter a sua posição social a qualquer custo. Era melhor ser colocada de lado; ter que divorciar-se e ir para o exílio, do que abdicar da sua dignidade interior.

– Concordo contigo Renato…

– Continua Valmi…

– A Vasti foi uma grande mulher. E ela se mostrou grande porque permaneceu fiel aos seus valores, mesmo em meio à crise. Para ela, a beleza do seu caráter era mais importante do que a beleza do seu corpo e todos os confortos palacianos.

O assunto da autoestima tinha mexido conosco. Ela, a autoestima é fator fundamental nas nossas vidas. Tínhamos refletido ali na sacada daquele prédio azul com profundidade leiga, sim, mas e daí? Nós tínhamos refletido. Vi que a Carmem queria dizer algo e não errei.

– Penso que para nos mantermos fiéis a nós mesmos; para conservarmos os nossos bons princípios e para ouvirmos nossa voz interior nem sempre é muito fácil. Há ofertas extremamente tentadoras batendo toda hora às nossas portas. No final das contas, depois da luta é que vem a hora da satisfação. A felicidade só se alcança com auto-estima e boa consciência…

Neste momento estourou um rojão dos grandes na vizinhança. Levantamo-nos e misturamos nossos assuntos. Faltava sol na praia…