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Prédica: Romanos 12.1-8
Autor: Sigolf Greuel
Data Litúrgica: 1º. Domingo após Epifania
Data da Pregação: 12/01/1986
Proclamar Libertação – Volume: XI

I — Tradução

Observação: A tradução pretende ser uma tradução livre, no sentido de que o povo, ao escutar o texto, possa assimilar o seu conteúdo. E, por outro lado, a tradução pretende ser fiel, em todos os seus aspectos, ao original grego.

V. 1 — Eu vos advirto, irmãos, para que, motivados pelas misericórdias de Deus, coloqueis vossos corpos à disposição, como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Este é o vosso culto verdadeiro a Deus.
V. 2 — E não vos adapteis ao presente éon (sugiro também traduzir: ao estilo de vida do mundo que vos cerca), mas transformai-vos pela renovação de vossa existência (consciência de ser), para que possais distinguir a vontade de Deus que é boa, agradável e perfeita.
V. 3 — Digo pois, em vista da graça que me foi concedida: Ninguém de vós seja individualista além do que convém, mas suficientemente equilibrado. A cada qual Deus repartiu conforme a medida da fé.
V. 4 — Assim, pois, como um corpo tem muitos membros, nem todos os membros têm a mesma função;
V. 5 — Assim como muitos que somos, somos membros de um só corpo em Cristo; e como indivíduos, membros uns dos outros.
V. 6 — Nós temos dons diferentes, conforme a graça que nos foi concedida. Se for profecia, que seja exercida conforme a proporção da fé;
V. 7 — Se for serviço aos pobres, que exerça este serviço; se alguém ensina, que exerça o ensino;
V. 8 — se alguém exorta, que exerça a exortação; quem reparte que o faça com simplicidade desinteressada; quem lidera que o faça com zelo; quem pratica misericórdia que o faça com alegria.

II — Detalhes de tradução

V. 1 — Almeida traduz PARAKALÉO por rogo-vos. O termo grego tem multo mais o sentido de advertir ou exortar.
V. 2 — A exortação Não vos conformeis com o presente século não tem fundamentação no original grego. O termo usado é SYSCHEMATIZESTE TO AION que, traduzido corretamente, resulta em algo parecido com não vos adapteis, não entreis no esquema de vida do mundo que vos cerca. No mesmo v. 2 temos ainda outro problema: Almeida traduz NOUS por mente, o que é uma tradução incorreta. O pensamento de Paulo vai na direção de uma transformação da existência toda.
V. 7 — Almeida traduz DIAKONIA incorretamente por ministério, palavra que não expressa, a nosso ver, toda a profundidade e nem o específico do termo que é o serviço prestado aos pobres.

III — Contexto ou realidade

O cap. 15 em seus vv. 22-29 nos dá uma indicação clara e mais ou menos segura da data e do local em que a carta foi escrita. Paulo vê cumprida a sua tarefa na parte oriental do Império. A coleta pela qual ele pediu nas cartas aos coríntios, está recolhida. Planeja ir para Jerusalém a fim de entregar a coleta e, a partir daí, iniciar um novo campo de missão na parte ocidental do Império, a Espanha. Pretende, logicamente, passar por Roma. Ao que tudo indica esta carta terá sido escrita por volta do ano 58, mais tarde do que 2 Coríntios.

A comunidade de Roma é conhecida por sua fé em todo o mundo. Ela, no entanto, não foi fundada por Paulo e nem por algum de seus colaboradores diretos. É provável que judeus e gentios convertidos ao cristianismo, chegados a Roma, acidade principal do Império, se organizaram em comunidade. Parece não ser demais pressupor que também em Roma, como em muitas comunidades cristãs da época, havia conflitos entre judeus e gentios, principalmente em torno da questão da validade ou não da lei judaica para os cristãos. Paulo escreve à comunidade de Roma. Pessoalmente ele nem ao menos a conhece. Mas vê nela o seu ponto de apoio e de referência para a missão que ele planeja realizar na Espanha. A presente carta é algo bem diferente das demais cartas de Paulo. Ela não é uma carta de conflitos como as cartas aos Gálatas, aos Colossenses e a segunda carta aos Coríntios; não é uma carta poimênica como a primeira carta aos Coríntios e as cartas aos Tessalonissences; não é uma carta de consolo como a carta aos Filipenses. Já que Paulo conta com os romanos para a sua missão no leste, precisa ganhar sua confiança. Por isso ele lhes coloca de maneira clara o caráter do Evangelho que ele prega. Paulo sabe que lida com pessoas que têm uma boa base de fé. Assim ele presta contas aos romanos de seu Evangelho e de sua postura frente à lei.

Afinal, em todo o mundo ele estivera envolvido em conflitos com judeus em torno da lei.
Podemos enxergar a carta aos Romanos a partir de três pontos:

1. Cap. 1-8: A justiça de Deus na fé em Jesus Cristo.

1.18-3.20 – A necessidade da salvação da humanidade.

3.21-8.39 – A salvação por Jesus Cristo

2. Cap. 9.1-11.36 – A justiça de Deus na história.

Estes dois capítulos são colocados por Paulo sem que deles ele tire consequências imediatas para a comunidade de Roma. Eles são colocados quase de uma maneira neutra.

3. Cap. 12.1 até o final da carta — Paulo aponta para questões bem práticas de vida em comunidade, também sem uma relação imediata e obrigatória com a comunidade dos romanos. O que ele diz aqui, nesta carta aos Romanos, ele poderia perfeitamente também dizer em uma carta para qualquer uma de suas comunidades.

IV — Análise detalhada

A nossa perícope bem como toda a Epístola aos Romanos não pretende ser uma palavra para indivíduos, mas sim para uma comunidade.

V. 1 — Com o termo misericórdia de Deus Paulo estabelece a ligação do q ue passou com a nossa perícope. A misericórdia de Deus é o ponto de partida. Paulo sabe que é ela que cria comunidade. Ele parece estar certo de que, lembrando aos romanos a misericórdia de Deus, fará com que eles passem a agir, agir no sentido de colocar toda a sua existência à disposição, toda a individualidade a serviço de Deus. Com isso Paulo mostra que o verdadeiro culto a Deus acontece na vida. No sacrifício da própria individualidade, da própria vontade e determinação.

V. 2 — O presente éon se caracteriza por pecado, individualismo, sofrimento, morte, separação. A comunidade, congregada pela ação do Deus misericordioso, não pode entrar neste esquema, nem organizar-se segundo este sistema e sua estrutura. Deve, isso sim, apresentar um estilo de vida diferente. Passar por uma transformação profunda que envolva toda a existência. Deve organizar-se tendo como modelo o novo éon que, em Jesus Cristo, já está presente. Este novo é marcado por paz, vida plena, comunhão, igualdade. A vontade de Deus que age com misericórdia em relação a nós, nos revela um novo mundo, com lugar para todos.

Vv. 3-6 — Com o v. 3 Paulo se prepara para mostrar onde vai de¬sembocar a transformação da qual fala no versículo anterior. E com os vv. 4 e 5 ele mostra que o indivíduo está a serviço da comunidade. Ele existe em função da comunidade. Ele atinge a sua razão de ser na medida em que se coloca a serviço da comunidade. Paulo introduz um elemento novo, dizendo que, além de sermos membros de um só corpo, somos membros uns dos outros. Estamos aí para os outros, nos tornamos completos no outro. O sacrifício a Deus mencionado no v. 1 nada mais é do que aquele no qual o indivíduo se coloca à disposição do outro, da comunidade.

Vv. 6-8 — Paulo não quer esgotar aqui todos os dons e serviços. A nosso ver ele coloca aqueles que Deus concedeu a qualquer comunidade e que não devem ser sufocados. Parece ser possível fazer uma distinção entre os dons mencionados:

1. Aqueles que levam a comunidade para fora, que fazem a comunidade agir para dentro do mundo que a cerca. São os seguintes:

— Voz profética (na proporção da fé);
—O serviço aos pobres, não assistência social como nós o entendemos hoje;
— Repartir com simplicidade desinteressada;
— Exercer a misericórdia com alegria.

2. Aqueles dons que fazem a comunidade caminhar interna mente:

— Liderança com zelo;
— O ensino;
— A exortação mútua.

V — Escopo

Paulo exorta a comunidade de Roma para que não organize sua vida segundo o estilo de vida do mundo que a cerca, mas que ofereçam um modelo alternativo, vivendo desde já a nova realidade de Deus, sacrificando a sua individualidade e existência em favor da comunidade, que é criada pela misericórdia de Deus.

VI — Meditação

A título de meditação queremos colocar quatro teses calcadas na análise do texto.

1. O ponto de partida da comunidade cristã é a misericórdia de Deus. É ela que, em última análise, cria comunidade.

2. A partir da misericórdia de Deus a comunidade cristã deve oferecer ao mundo um modelo alternativo de organização de vida, antecipando para dentro deste éon o novo éon de Deus.

3. A individualidade atinge a razão de ser na medida em que for colocada a serviço da comunidade. Sempre que o individual tiver supremacia sobre o comunitário, haverá dificuldades coma eclesiologia e cairemos no sectarismo.

4. Comunidade cristã que não é voz profética, que não exerce serviço aos pobres, não pratica misericórdia, na verdade, não experimentou a misericórdia de Deus, pois é a misericórdia de Deus que nos coloca em movimento.

VII — Sugestões para a prédica

1. A misericórdia de Deus que cria comunidade.

2. A misericórdia de Deus que nos faz, como comunidade, romper com o velho éon.

3. A misericórdia de Deus nos encoraja, como comunidade, a viver o novo éon.

3.1 — Algumas características desta comunidade são:

a) Atitudes para fora:
— voz profética
— serviço aos pobres
— misericórdia com alegria.

b) Atitudes para dentro da comunidade:
— liderança
— ensino
— exortação mútua.

Observação final: Cremos que o texto é um sério questionamento de nossa prática comunitária.

VIII — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Senhor, nosso Deus e Pai. Perdoa se as nossas preocupações pessoais têm sido colocadas acima das questões que envolvem nossa comunidade toda. Perdoa se somos individualistas e se cada qual só pensa em si mesmo. Perdoa se não dexamos tua misericórdia nos alcançar e nos transformar. Tem paciência conosco, Senhor, e concede que possamos ser (con) vencidos em nosso individualismo por teu Espírito Santo. Por Jesus Cristo nós pedimos: Tem piedade de nós, Senhor.

2. Oração de coleta: Recolhe agora, Senhor, os nossos pensmentos e as nossas preocupações e concede que em tua palavras que vamos ouvir, encontremos resposta para as nossas angústias. Vem, Senhor, ao nosso encontro com a tua palavra. Amém.

3. Oração final: Sugiro que a comunidade coloque suas preces espontâneas e que, após cada prece, todos em conjunto digam: Se¬nhor, ouve a nossa oração.

IX Bibliografia

– ALTHAUS, P. Der Brief an die Römer. 6.ed. Göttingen, 1949.
– KÄSEMANN, E. An die Römer. 8ed.Tübingen, 1973.
– MICHEL.O. Der Brief en die Römer. 10. ed. Göttingen, 1955.