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A IECLB é uma igreja de imigração. Seu nascimento no Brasil se deu com a vinda de pessoas da Alemanha. Ela é também uma igreja herdeira. Herdou as tradições litúrgicas da “igreja-mãe”. Mesmo assim, um dos traços da IECLB é sua luta histórica para ser igreja no Brasil. A tradução de liturgias, o surgimento de hinários e cancioneiros, e a edição de manuais de culto em português apontam nessa direção.

Seguindo essa dinâmica, na busca por uma liturgia renovada, a partir do seu contexto histórico, a IECLB optou, por decisão conciliar, pelo ordo litúrgico básico que a história legou. E, como foi apontado acima, esse ordo insere a IECLB num espaço ecumênico abrangente e significativo, comum a muitas igrejas. Ao fazer esse movimento – internamente, de renovação; na relação com a ecumene, de aproximação –, a igreja observa princípios teológicos que fundamentam a compreensão do seu culto e que são parte essencial do alicerce que sustenta este Livro de Culto da IECLB17 .

1. A base e os critérios do culto luterano são solus Christus, sola scriptura, sola gratia, sola fides (somente Cristo, somente a Escritura, somente a graça, somente a fé).

2. Na realização do culto, importa destacar o que Cristo ordenou e deixar de lado o que se opõe a isso.

3. Na Ceia do Senhor, Jesus está presente em, com e sob os elementos do pão e do vinho e se dá a nós de graça. Na Ceia do Senhor recebe-se o Cristo inteiro. Isto significa que a Ceia reafirma e concede o benefício inteiro do sacrifício de Jesus. E esse benefício abrange vários aspectos. Neste sentido, Ceia do Senhor é: a) presença real: Jesus disse com clareza que “isto [o pão] é [!] meu corpo” e “este cálice é [!] a nova aliança no meu sangue” (1Co 11.24-25); b) comemoração: Jesus ordenou celebrar a Ceia “em memória de mim”. Fazê-la em sua memória é atualizar, tornar presente e afirmar a eficácia de toda a obra de Deus em Cristo (anámnesis), desde a criação até o retorno de Cristo; c) comunhão: a Ceia cria e estabelece comunhão com Cristo (1Co 10.16) e, por ser comunhão com e em Cristo, cria, é e sustenta comunhão entre as pessoas que comungam; d) compromisso: participação na Ceia do Senhor implicará compromisso solidário na promoção e defesa da vida criada por Deus; e) ação de graças: Jesus deu graças na instituição da Ceia. Celebrar a Ceia por ele ordenada é manifestar alegria, gratidão, louvor (At 2.46). Ceia do Senhor é expressão de gratidão e louvor (articulada por meio da Oração eucarística) efusivos pelo que ali é recebido, atualizado, experimentado. f) ação e presença do Espírito Santo: na sua Ceia com discípulos, Jesus agiu. Na Ceia da comunidade cristã, o Espírito Santo age. Essa Ceia é do Senhor porque o Espírito Santo a faz; g) antecipação do banque-te messiânico: a Ceia do Senhor antecipa a comunhão plena com Deus. Ela proclama a ressurreição de Jesus na expectativa da sua volta (1Co 11.26); h) remissão de pecados e reconciliação: Cristo morreu por nós. Esse sacrifício concedeu perdão dos pecados. Fomos reconciliados com Deus mediante o sacrifício de Jesus (Rm 5.10). A Ceia do Senhor celebra esse benefício. E porque Deus perdoa e reconcilia, quem participa da Ceia está capacitado e incumbido por Deus de perdoar e reconciliar-se com seu próximo. Daí o lugar do Gesto da paz no culto da comunidade (Tg 5.16).

4. O Deus trinitário está presente no culto. O culto sempre inicia com o Voto inicial (Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo), ou com a Saudação apostólica (A graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo se-jam com todos vocês).

5. Culto é diálogo entre Deus e a comunidade. É anámnesis (rememoração atualizada) da obra do trino Deus e resposta da congregação. A comunidade se encontra com o Deus que, primeiramente, a criou e que permite e ordena o culto.

6. O culto é celebrado sob a responsabilidade e com a participação de toda a comunidade. Nesse ato, o papel das pessoas ordenadas ao ministério eclesiástico, junto com as equipes de liturgia, é imprescindível para realizar o culto da comunidade. Mas quem celebra é a comunidade toda, a qual inclui os liturgos. A função de cada pessoa na celebração é insubstituível. O culto é a celebração de ação de graças de toda a congregação, onde cada pessoa ocupa seu próprio lugar e exerce responsabilidade específica.

7. O culto segue uma estrutura litúrgica básica, estável e reconhecível, herança preciosa da tradição cristã – o ordo. Essa estrutura oferece a base e a moldura para o culto. Ela foca-liza dois núcleos centrais: a pregação da Palavra e a celebração da Ceia do Senhor. Sobre essa estrutura deve-se moldar a liturgia. E os resultados dessa tarefa podem ser distintos.

8. A pregação da Palavra (que pode ser multiforme) é imprescindível no culto da comunidade; é elemento central do culto luterano. Mas ela é um elemento entre muitos outros, da liturgia toda, que constituem o conjunto de elementos imprescindíveis.

9. Textos litúrgicos reconhecidos pela tradição da Igreja e textos litúrgicos modernos têm lugar no ordo. Por isto, renovar liturgia não significa, de forma alguma, abolir textos reconhecidos pela tradição, ricos no seu conteúdo, imagens e força irradiadora. Eles são mantidos e, muitas vezes, recuperados. Ao mesmo tempo, é necessário – e prioritário – formular liturgias com linguagem e textos que reflitam o contexto da vida das pessoas que hoje celebram, à luz da teologia que fundamenta a liturgia do culto da igreja.

10. O culto cristão precisa revelar genuinamente o novo tempo que iniciou com Jesus. Ao mesmo tempo, a mensagem que anuncia esse novo tempo precisa ser reinterpretada à luz do contexto atual. Isso traz conseqüências para a linguagem, a arte, a música, a arquitetura, as normas éticas e os padrões culturais que, no caso da moldagem de uma liturgia, são determinantes.

11. A posição e a função da Oração eucarística na li-turgia precisam ser fortalecidas, partindo do núcleo central do culto luterano. Como elemento constitutivo do núcleo da Ceia do Senhor, essa oração reafirma a obra salvadora de Deus por meio de Jesus Cristo. Confirma a presença e ação do Deus Criador e do Espírito Santo, que consagra e congrega. Articula o louvor da comunidade que recebe Jesus no pão e no vinho.

12. O culto evangélico-luterano, e a própria revi-são dos livros de culto têm por base a tradição litúrgica da Igreja. Por isso, a liturgia do culto está relacionada de forma viva com os cultos de outras igrejas na ecumene. E isso possibilita aprendizagem, cultivo de espiritualidade e busca de caminhos comuns.

13. A linguagem litúrgica não é excludente. O culto reúne o corpo comunitário na companhia de Deus. Desse corpo fazem parte todas as pessoas, homens, mulheres, idosas, jovens, crianças, articuladas nos grupos mais diversos. Todas precisam encontrar no culto um espaço digno e a possibilidade de plena acolhida e expressão. E isto implica encontrar uma linguagem que, de forma correta e adequada, exprima a dimensão inclusiva do culto. 14. Ação, comunicação e comportamento litúrgicos dizem respeito ao ser humano como um todo. Por isto, são expressos de forma corporal e sensitiva. Este pressuposto implica moldar liturgias para cultos em que as pessoas sejam acolhidas e possam celebrar de forma integral, com seus cinco sentidos, como gente que são.

Fonte: Manual de Culto da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil