Prédica: Efésios 3.2-12
Leituras: Isaías 60.1-6 e Mateus 2.1-12
Autor: Günter Wolff
Data Litúrgica: Epifania
Data da Pregação: 06/01/1991
Proclamar Libertação – Volume: XVI
1. Pré-texto — como vive o povo hoje
É inviável aqui fazer uma análise de conjuntura económica. Abordo apenas alguns aspectos que ilustram a realidade da classe trabalhadora e da classe burguesa. Estes itens são parte integrante de um todo da luta de classes que se verifica no país. São alguns resultados do sistema capitalista dependente e excludente que reina no país. Quem fizer uso deste texto deverá analisar o momento por que passa o país e principalmente analisar a conjuntura local da paróquia e comunidade.
1.1. O lucro dos capitalistas
As empresas capitalistas tinham aplicado no over em janeiro de 1990 o total de 20 bilhões de dólares, capital que não estava produzindo, que é o equivalente ao serviço da dívida externa de um ano do Brasil.
Em 1989 o Bradesco teve um lucro de NCz$ 4 bilhões, sendo este lucro 74% maior que em 1988. O Banespa lucrou em 89 o total de NCzS 3,6 bilhões, 86% a mais de lucro que o ano anterior. O Itaú lucrou em 89 NCz$ 2,8 bilhões, lucrando 80% a mais que em 88. O Unibanco lucrou em 89 NCz$ 832 milhões, tendo aumentado o seu lucro em relação ao ano anterior em 97%. O Banco do Brasil lucrou em 89 NCz$ 1,1 bilhão. Em 30/09/88 ele já havia lucrado no ano 544 milhões de dólares, o equivalente a 10.485.736 salários mínimos de setembro de 88. Isto equivale, naquele mês, ao pagamento de 17,61% da PEA mês que recebe o SM. A Souza Cruz lucrou até fim de setembro de 88 56,6 milhões de dólares, o equivalente a 1.090.979 salários mínimos daquele mês.
Se 1988 foi bom, 1989 foi, segundo os próprios empresários, o melhor ano da década em se falando de lucros.
As empresas venderam no 1° semestre de 1989 o total de 19% a mais que no mesmo período de 1988; algumas empresas chegaram a vender 35% a mais. Ainda em 1988 o lucro da Sadia foi de 526 milhões de dólares; o grupo Pão de Açúcar lucrou 1,7 bilhões de dólares e o Carrefour lucrou 1,3 bilhões de dólares em 1988.
1.2. Multinacionais e capital estrangeiro
Em 1988 a Autolatina lucrou 300 milhões de dólares; a Shell lucrou 130 milhões de dólares, contra 51 milhões de dólares em 87; a Rhodia lucrou 90 milhões de dólares, contra 55 milhões de dólares em 87; a Dow lucrou 75 milhões de dólares, contra 63 milhões de dólares em 87; a Nestlé lucrou em 88 o total de 1,3 bilhões de dólares e a Cargill lucrou 502 milhões de dólares.
Os estrangeiros controlam 38,1% do subsolo do país que é destinado à mineração. A BP/Brascan controla 192.958 km2 do subsolo brasileiro em 4.642 áreas com 112 empresas. A Anglo American tem 54 empresas um uma área de 51.067 krn2 de subsolo.
Lembramos ainda a evasão de capital entre 1983 e 1986, quando saíram do país mais de 12,8 bilhões de dólares de forma clandestina. Como fuga de capitais somente em 1988 saíram 6 bilhões de dólares em remessas ilegais de lucros das empresas transnacionais, e a entrada de capital naquele ano foi de apenas 200 milhões de dólares. Entre 1976 e 1985 foram retirados do país 10 bilhões de dólares ilegalmente em lucros. Em 1985 o carro mais barato custava o equivalente a 58 salários mínimos e em outubro de 1988 o modelo mais barato já custava 141 salários mínimos.
1.3. Violência
O lucro dos capitalistas na verdade é uma violência que se faz sentir na carne da classe trabalhadora. No campo desde 1964 até 1988 foram assassinadas 1.625 pessoas na luta pela terra. Somente em 1988 foram fuziladas sumariamente 4 mil pessoas no país pelo esquadrões da morte. Em nove estados do país, mostra uma pesquisa entre 1984 e 1989, tiveram morte violenta 1.397 crianças e adolescentes; deste total 33,5% foram executadas pelo esquadrões da morte. Somente de janeiro a junho de 89 no estado do Rio de Janeiro aconteceram 1. 175 mortes por execução. Os presídios do Rio têm capacidade para 1.237 presos e abrigam 3.110 pessoas. No país há um policial para cada 485 habitantes; e um médico para cada mil pessoas.
1.4. Sindicatos
Frente à crise dos últimos anos uma das respostas dos trabalhadores foi a greve. Segundo o Ministério do Trabalho:
em 85 houve 843 greves com 6.635.183 trabalhadores e 48,8 milhões de dias parados;
em 86 houve l .493 greves com 7.146.958 trabalhadores e 32,2 milhões de dias parados;
em 87 houve 2.275 greves com 8.303.807 trabalhadores e 59 milhões de dias parados;
em 88 houve l .914 greves com 7.13.7.035 trabalhadores e 63,5 milhões de dias parados; até 5/89 houve 1.672 greves com 7.832.892 trabalhadores e 56 milhões de dias parados.
Se para os capitalistas 1989 foi o melhor ano na década, para os trabalhadores o número de greves até maio e a inflação de 1.764,86% ao ano mostram que foi o pior da década; com o salário valendo apenas 40% daquilo que valia em 1940.
1.5. Salários
O salário mínimo em toda a sua existência desde 1940 nunca esteve tão baixo como nos últimos três anos. Em 1959 o salário mínimo valia 89,59 dólares e para comprar a cesta básica se trabalhava 65,05 horas. Já em julho de 1987 o salário mínimo valia 38,82 dólares e a cesta básica necessitava 221,32 horas de trabalho para ser adquirida.
Esta distorção também se nota na distribuição do consumo alimentar entre a população urbana onde a faixa de renda com mais de 13,8 salários mínimos, que perfaz 24,4% da população urbana, consome 78,8% dos alimentos. 43,7% da população urbana, que recebe abaixo de 4,6 salários, consome apenas 2,6% dos alimentos.
1.6. Habitação
Em São Paulo houve em 1985 o total de 3,5 mil ações de despejo e em 1987 este número evoluiu para 54 mil. No país 55,6% do solo urbano está vazio, desocupado. Na Grande São Paulo vivem 7,5 milhões de pessoas em favelas, cortiços e casas precárias. Só na área urbana da capital 40% da população vive em cortiços onde 5,9 pessoas coabitam, em média, num mesmo quarto. Na cidade de São Paulo havia em 88 o total de 3.070 ha de terra desocupada. Dos 33 milhões de domicílio no país 11,5 milhões são habitados em condições de instabilidade para seus ocupantes e isto atinge cerca de 55 milhões de pessoas.
1.7. Educação
A rede pública tem 201 mil escolas de ensino básico e são 10.174 escolas públicas de ensino médio. Em 1989 não tiveram acesso ao ensino básico 4 milhões de crianças e no ensino médio mais de 13,5 milhões não tiveram acesso por falta de vaga. O MEC destinou em 89 apenas 0,8% do seu orçamento para o ensino básico. O ensino superior consumiu em 89 ao todo 80% dos recursos. Em 1980 de cada 100 alunos matriculados na 1a série somente 53 matricularam-se na 2a série; 12,7 concluíram a oitava série, 8,1 terminaram o 2° grau e 3,4 terminaram o curso superior. 80% dos alunos do ensino superior estavam nas universidades privadas.
2. Contexto — a realidade que o texto revela
2.1. Situação para a qual a carta está dirigida
A carta deixa claro que já houve ruptura com o judaísmo. Os judeus estão já para si e os cristãos também. Esta situação se deu apenas no fim do século l.
Paulo dizia que Cristo é o fundamento, e não os apóstolos, como diz em Efésios 2.20. Isto mostra que não foi Paulo que escreveu esta carta e que ela surgiu nu ma época posterior. A época da carta fica entre a morte de Paulo e uma maior estruturação da comunidade com bispos e presbíteros que delineiam o andar da Igreja. A comunidade já se compõe de pessoas integradas à sociedade romana antes tia perseguição da qual nos fala o Apocalipse. No cap. 5 fica claro que a comunidade assimilou o conceito e vivência da família patriarcal romana e vive conforme o sistema ideológico e económico vigente, que é o escravagista.
2.2. Intenção da carta
Todas as cartas de Paulo se originaram em conflitos específicos das comunidades. Esta carta não coloca nenhum problema específico da comunidade de Éfeso.
A carta discute um problema de identidade. Antes as comunidades locais se sentiam ligadas a Cristo, pelo fenómenos do Espírito Santo, e aos apóstolos. Ago rã os fenómenos dos dons do Espírito enfraqueceram e os apóstolos não existem mais. Aí a carta entra dizendo que a comunidade local está ligada à grande Igreja universal que está ligada a Cristo. Esta identificação com esta grande Igreja que ajudou os cristãos a desafiar o mundo romano (J. Comblin). Os cristãos pertenciam a uma entidade grande como o Império e por isso resistiam frente a ele, apesar de que a ideologia e a economia romanas estivessem muito presentes na vida de cada um. A carta quer reforçar esta fase de consolidação da Igreja como instituição. Nos caps. 4-6 o autor coloca como um cristão deve se comportar para se distinguir dos outros, mesmo não se isolando do mundo e não tendo a intenção de uma mudança radical na sociedade. É reforçada a moral paternalista. Comblin diz: A Igreja separa-se por uma vida santa que admite as estruturas fundamentais da sociedade, mas confia em que pode santificá-las pelo modo de vivê-los. Este é o desejo de todos os cristãos instalados numa sociedade estruturada.
2.3. Autor
O autor não é Paulo porque as ideias não conferem com as de Paulo e em alguns originais não há a destinação: aos efésios. Faltam temas centrais que Paulo defendeu como a justificação por graça, sem lei, pela fé em Cristo, a questão da fé sem obras, a teologia da cruz, etc. O autor foi certamente um discípulo de Paulo e bem conservador.
2.4. Destinatários
A carta não foi escrita especialmente aos efésios, mas foi destinada às comunidades da época que se defrontavam com uma situação semelhante dentro do Império. Eram cristãos maduros mas sujeitos à prática vivencial do Império. Assumiam o escravagismo que a carta legitima (6.5-9). A data da redação fica nos anos 90, antes da perseguição de Domiciano.
2.5. A Igreja
Quando a carta fala em Igreja nunca se refere à comunidade local, e sim ao todo da Igreja. Os cristãos são salvos praticamente porque pertencem a esta Igreja total que engloba todo o universo. A Igreja é o corpo cuja cabeça é Cristo. Dentro desta concepção os cristãos estão ligados a Cristo mediante a Igreja. Conforme Paulo, Cristo é o fundamento, e em Efésios são os apóstolos e profetas que são o fundamento. Em l Co templo e edifício são os cristãos, e aqui são a Igreja. A concepção de Igreja em Efésios precisa de uma correção conforme os textos de Paulo. Em si Efésios é uma tentativa de sintetizar a teologia de Paulo por uma corrente conservadora.
2.6. Estrutura
Cap. 1 – uma longa introdução
Caps. 2-3 – exposição do mistério de Cristo
Caps. 4-6 – exortações
3. Texto — conflito central
3.1. Resumo do texto
O texto fala do mistério de Deus e Paulo é aquele que revela este mistério. Deus enviou Paulo para revelar a participação dos não-judeus (gentios) na salvação através do evangelho. O acesso ao mistério de Cristo é por meio do evangelho. Os não-judeus são membros do corpo de Deus — a Igreja — e participam da promessa feita por Deus, em Cristo, por meio do evangelho. Apesar da grande tarefa, Paulo se considera o menor dos apóstolos. O segredo de Deus é revelado por meio da Igreja às autoridades/aos que têm poder/países e aos poderes celestiais. Isto Deus fez segundo o seu eterno propósito que se completou em Jesus Cristo. O acesso a Deus se dá pela fé em Cristo.
— Faço este resumo do conteúdo pois o texto é de difícil compreensão, exigiu do várias leituras.
3.2. Conflito central
O conflito central do texto está na revelação da participação dos não-judeus na salvação. Esta revelação se dá pelo evangelho anunciado pela Igreja. A salvação de todos se dá somente pela fé em Cristo. A Igreja joga o papel principal, pois é o meio usado pelo evangelho para o anúncio da salvação. O evangelho revelou o escondido: os não-judeus têm parte no Reino. Paulo através da Igreja desempenha esta tarefa de revelar esta grande notícia da abertura do reino de Deus aos gentios Enfim, a pregação do evangelho e a fé em Cristo dão acesso a Deus. Este mistério de Deus foi revelado aos apóstolos e profetas que o repassam, mostrando assim a suma importância dos apóstolos e profetas na Igreja.
3.3. Sobre Efésios 3.2-12
O texto acentua muito a importância da Igreja como o centro do mistério de Deus. Coloca a Igreja como a única que pode revelar o mistério de Deus e proclamar o evangelho ao mundo. Isto não é uma afirmação de Paulo, nisto o autor vai além de Paulo, nisto se mostra o seu conservadorismo. Outra afirmação não-paulina é a do v. 8, onde o autor se coloca como o menor de todos os santos. Aqui os santos não são os cristãos, e sim somente os apóstolos (H. Conzelmann).
O texto começa colocando a missão dada por Deus a Paulo como sinal de grau de graça de Deus. O autor coloca o termograça para ser autêntico, pois Paulo usava muito este termo.
O texto todo gira em torno do mistério (segredo) de Cristo; este mistério é a relação da Igreja com o mundo pagão. A Igreja integra os pagãos porque venceu o mundo. Este mistério havia ficado escondido e nem aos judeus foi revelado, que sem pré fecharam as portas aos pagãos.
Quem recebeu esta revelação foram os apóstolos e profetas, que a comunicam aos cristãos. Os profetas aqui são os do NT. No v. 6 se revela o mistério: os pagãos têm acesso ao corpo (Igreja). Para os judeus os pagãos são o que há de mais desprezível e estes agora são contemplados pela graça de Deus ao fazer parte da Igreja. Esta entrada no corpo de Cristo se dá pelo evangelho. O fator fundamental da participação de qualquer um no corpo de Cristo é através da pregação do evangelho O evangelho pregado pela Igreja mostra aos poderes do mundo e dos céus a sua dei rota e a vitória de Deus através de Cristo.
A Igreja, mostrando a realização do mistério de Deus, sujeita a si o mundo e os céus. Assim os cristãos são os verdadeiros vencedores sobre o mundo e os que submetem os poderosos do céu e da terra à sua própria derrota. A missão da Igreja se estende assim a todo o cosmo por ser o corpo de Cristo. Assim a Igreja tem o poder de pregar a todo o mundo e a todos os poderosos sem medo, pois tem a autoridade para tanto. Assim a prédica pode e deve desmascarar o mundo, as autoridades e os poderes celestes. Esta prédica é o evangelho que desnuda a realidade concreta vivida pelos cristãos. É bom lembrar que a pregação do evangelho não se dá somente pela palavra, e sim mais pela ação vivida da palavra de Deus. A Igreja aparece aqui como única portadora da palavra de Deus, que é um conceito muito conservador. Mas, por outro lado, isto é um desafio à Igreja para revelar o evangelho de Cristo aos principados e potestades celestiais. Isto é algo que ela tem muita dificuldade de realizar por estar em muitos casos aliada e mancomunada com os inimigos de Cristo. A prática econômica da Igreja e dos cristãos dificulta, se não impede, a vivência da pregação do evangelho de Cristo e com isto ela não consegue a contento pregar aos seus inimigos o evangelho de Cristo.
4. Luz para a vida — significado e sentido para nós hoje
No capítulo do pré-texto vimos alguns dos itens da vida do povo que temos que ter presentes na pregação, além da vida da própria comunidade. A grande notícia do texto é a abertura da Igreja aos gentios. Isto não diz muito para nós hoje, porque não é um conflito que a comunidade vive. O conflito da comunidade é antes o abrir as portas aos marginalizados da sociedade e se engajar na transformação da sociedade como parte integrante da construção do reino de Deus. Por isso poderíamos dizer que Deus nos envia para revelar a todos que eles (os marginalizados e excluídos) também podem participar da Igreja. Não só participar da Igreja, mas do reino de Deus. O texto de Efésios supervaloriza a Igreja e não fala do Reino. Chega a misturar e igualar a Igreja com o Reino. A nós importa dizer a todos que praticam a fé em Cristo que eles fazem parte do mistério de Deus.
Outra afirmação forte é que o evangelho cria acesso ao mistério de Deus, que culmina com o anúncio do evangelho aos poderosos deste mundo e dos céus. O texto culmina com o anúncio do evangelho aos principados e autoridades celestiais, pois, além da própria morte, estes são os últimos a serem enfrentados na luta da construção do reino de Deus. l Co 15.24 + 26 diz: A seguir, haverá o fim, quando ele entregar o reino a Deus Pai, depois de ter destruído todo principado, toda autoridade, todo poder. O último inimigo a ser destruído é a morte. Só que Ef não fala em reino de Deus, só fala na Igreja e supervaloriza a ação da Igreja. Talvez o momento histórico requeria esta supervalorização da Igreja.
Seria bom falar que o evangelho pressupõe prática e palavra (teoria). A vivência prática do evangelho vai mostrar a todos e também às autoridades deste mundo o que Deus quer com o mundo e a humanidade. Seria bom ressaltar que não dá para simplesmente deixar a critério de cada um agora se virar após o culto, já que no culto se ouviu o evangelho. Normalmente a pregação na Igreja pressupõe uma clareza sobre o que se deve fazer e como se deve agir na construção do Reino e a prédica vai dar um novo impulso a esta clareza. Infelizmente não é esta a realidade. Este individualismo do conceito de fé, cada um agora se vira, não ajuda em nada e é muito cômodo para a Igreja. Importa mostrar onde o cristão pode atuar de forma organizada e coletiva para efetivar a vivência do evangelho, que culmina na participação ativa na construção do Reino que revela e traz à tona os conflitos existentes. Importa discutir com a comunidade que a fé em Cristo é uma prática coletiva e organizada que se engaja na construção do reino de Deus no movimento popular, no movimento específico (negros, índios e mulheres), no sindicato e partido (não mancomunado com os opressores) e na Igreja.
Importa que a prédica mostre onde a prática na construção do Reino pode acontecer e que a construção do Reino requer mudanças profundas na sociedade, que é a que mais impede a realização do Reino. Senão podemos cair na armadilha do texto supervalorizando a Igreja, que na prática é apenas uma das que participam na construção do Reino. Importa ressaltar a cooperação da Igreja com os demais construtores e a interligação entre estes. A vivência evangélica mostrará a todos, e principalmente às autoridades do mundo e dos céus, o que Deus quer.
Para que isso se realize, temos que ser como Paulo diz: os menores dos santos; aqui santos significa: cristãos. O serviço humilde e persistente é fundamental na pregação/vivência do evangelho. Através do evangelho chegamos à fé em Cristo, este é o mistério. E a fé em Cristo nos faz ousar chegar a Deus (v. 12).
O texto diz que a Igreja tem o poder de revelar a proposta de Deus a todos. Como a comunidade tradicional, voltada praticamente só para dentro de si mesma, consegue revelar o segredo de Deus em sua prática ao mundo? A comunidade que não é missionária (voltada para fora) não é comunidade cristã, é um clube religioso auto-suficiente. Como esta comunidade revela às autoridades e aos poderes celestiais o mistério de Deus dado a ela revelar? O máximo que a maioria das comunidades consegue fazer é assistencialismo material a alguns setores marginalizados, o que não pressupõe uma transformação radical da sociedade e das causas da marginalização. A maioria das comunidades não consegue nem deixar os sem-terra ou favelados fazer uma reunião em seu pavilhão, sem falar em abertura aos diversos movimentos populares e sindicatos que em sua prática realizam a construção do reino de Deus. A comunidade não se identifica com esta prática popular, quando ela deveria ser a maior incentivadora e animadora a partir da fé em Cristo, que é a alavanca da vivência evangélica. Hoje a discussão não é se os gentios fazem parte do corpo de Cristo. A questão é se os movimentos populares, sindicatos de trabalhadores e partidos políticos que lutam pelas causas dos trabalhadores fazem parte do corpo de Cristo; este é o mistério de Deus. E este mistério a Igreja deve revelar. Todos aqueles e aquelas instituições que lutam pela vida fazem parte do corpo de Cristo.
A prédica tem se mostrado incapaz ou pouco eficaz em animar os cristãos a se engajarem. Isto só trouxe revolta. Requerem-se para isto outros mecanismos de pregação do evangelho que levem ao engajamento. Este mecanismo em cada comunidade pode ser diferente, cada comunidade deve procurar o que lhe é mais viável: o estudo, o retiro, a reflexão coletiva, a ação concreta em algum conflito, leitura da Bíblia a partir de um conflito existente, etc. Fica o grande desafio deixado pelo texto em que se coloca a Igreja como a portadora da revelação da sabedoria de Deus às autoridades do mundo e celestiais. Isto coloca estas autoridades como não conhecedoras do projeto de Deus, e a revelação do projeto a elas cria um conflito com a Igreja. Esta irá descobrir/tirar o manto dos conflitos existentes no mundo. Recairá sobre estas autoridades a responsabilidade maior por eles.
Com estas reflexões proporia que a prédica discutisse:
l — Deus nos envia para revelar o evangelho, na prática, a todos.
2 — A Igreja e o Reino estão abertos a todos, de princípio.
3 — Nesta missão de revelar o mistério de Deus temos que nos considerar o menor dos cristãos.
4 — A missão da Igreja é revelar o mistério de Deus às autoridades sendo a portadora da promessa de Cristo — sublinhar a importância disto.
5 — Como a Igreja/comunidade irá pôr em prática esta revelação do evangelho a todos e principalmente às autoridades?
6 — Como acontece esta co-participação da promessa em Cristo por meio do evangelho, na prática da comunidade frente aos conflitos vividos pelo povo, que é marginalizado em sua grande maioria? Deste povo marginalizado grande parte da comunidade participa.
7 — O texto coloca o papel da Igreja como único e fundamental na revelação da sabedoria de Deus. Mostrar a participação hoje do movimento popular, sindicato, partido como sendo, junto com a Igreja, instrumentos na construção do reino de Deus.
8 — A pregação/vivência do evangelho de Cristo é fundamental para a participação na promessa de Cristo.
6. Subsídios litúrgicos
1 — Confissão de pecados: Ó Deus Pai e Mãe, nos revelaste através do evangelho de Jesus Cristo o teu propósito para com a humanidade. Te confessamos como comunidade que temos tido dificuldades em nos abrir para fora da comunidade. Pecamos, como comunidade, restringimos o teu evangelho à mera administração da comunidade. Pecamos, como comunidade, quando não vamos ao encontro dos marginalizados da comunidade e os que estão fora dela. Pecamos quando não abrimos a comunidade e suas dependências para que nós e os marginalizados possamos nos organizar para obter justiça. Pecamos, pois não conseguimos, como Igreja, revelar de forma eficaz, na prática, o evangelho às autoridades locais e do país. Pecamos quando separamos a fé em Cristo da vida do dia-a-dia e seus problemas que atingem e massacram as pessoas. Pecamos quando desprezamos e marginalizamos da vivência comunitária os mais pobres, vítimas do sistema capitalista. Por tudo isto e muito mais te pedimos: Tem piedade de nós Senhor!
2 — Oração de coleta: Que o triúno Deus nos ilumine para que possamos ouvir, entender e praticar a sua palavra. Ó triúno Deus, cria em nossa comunidade o espaço necessário, através de nós, para que tu possas revelar a promessa de Cristo a todas as pessoas. Que a leitura e o ouvir de tua palavra sejam para nós a luz que nos leve a praticar a sabedoria de Deus. Amém.
3 —Leituras: 1. Is 60.1-6; 2. Mt 2.1-12.
4 — Temas para a oração final:
— Orar para que Deus nos dê forças para poder de forma eficaz revelar o evangelho na prática do processo de transformação da sociedade.
— Orar para que a comunidade abra sempre mais espaço em seu meio para a organização dos marginalizados.
— Orar para que a prática da comunidade seja uma forma de revelar às autoridades a promessa de Cristo.
— Orar para que sejamos humildes no seguir a Deus e no servir ao próximo para que a sociedade mude juntamente com a Igreja.
— Orar pelos pobres e sofridos da própria comunidade: sem-terra, desempregados, sem água, esgoto e luz, favelados, doentes, velhos, viciados, pelas mulheres espancadas, etc.
— Orar para que Deus nos empurre para o engajamento eficaz nos movimentos populares, sindicatos e partidos que lutam pela transformação em favor dos trabalhadores.
7. Bibliografia
Comblin, José. Epístola aos Efésios. Co-edição Vozes, Imprensa Metodista e Sinodal. Petrópolis, 1987.
Conzelmann, Hans. Der Brief an die Epheser. In: Das Neue Testament Deutsch, vol. 3. Vandenhoeck & Ruprecht. Göttingen, 1976.
Kümmel, Werner Georg. Einleitung in das Neue Testament. Quelle & Meyer. Heidelberg, 1973.
Westermann, Claus. Abriss der Bibelkunde AT/NT. Fischer Bücherei. Stuttgart, 1968.