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Introdução

Crianças no culto? Provavelmente esta pergunta provoque diferentes reações: surpresa em algumas pessoas, alegria em outras e talvez, inclusive, incompreensão.

E possível que, em algumas comunidades, a presença e a participação das crianças no culto sejam uma prática regular. Em outras, porém, pode ser extremamente difícil pensar em tal possibilidade.

Na maioria dos casos, o culto regular das nossas comunidades se caracteriza pela ausência das crianças. É muito comum a opinião, tanto de pessoas leigas quanto de pessoas ordenadas, de que as crianças, no culto, atrapalham – correm, falam, gritam, choram – e interrompem o momento devocional das pessoas adultas. Entretanto, o fato de que crianças correm, falam e se aborrecem durante o culto é um indicativo de que a celebração não lhes diz respeito, não as cativa e, decididamente, não foi preparada levando-as em consideração. Decerto não podemos culpar alguém por esta situação, que é um fiel reflexo da sociedade em que vivemos. Acostumamo-nos à prática de que cada geração realiza, separadamente, suas próprias atividades (bailes para a terceira idade, cursos para jovens, encontros para as crianças).

As comunidades cristãs são parte dessa sociedade e, ao realizar cultos e atividades especiais para as diferentes gerações, reproduzem esta realidade. No caso das crianças, o culto infantil é um exemplo. E em muitas comunidades ele acontece paralelamente ao culto comunitário regular.

Esta realidade, tal como se apresenta, é fruto de uma aceitação acrítica, talvez involuntária, da ausência de algumas pessoas, membros do corpo de Cristo, naquele ato que melhor representa o espírito de comunitariedade, ou seja, o culto. O culto é o lugar no qual a família Dei experimenta a sua unidade em Cristo.

A comunidade cristã não é um conjunto de indivíduos, mas uma comunidade de irmãos e irmãs na fé, uma grande família. E cada integrante dessa família é incorporado a ela através do batismo, formando um só corpo (1 Coríntios 10.17; 12.13).

Partindo da situação atual

Considerando que as crianças são parte do corpo de Cristo, parece óbvio que elas também estejam presentes no encontro da comunidade com Deus. No entanto, não é esta a situação que impera na-maioria das nossas comunidades. Em algumas comunidades o culto inicia com a presença das crianças. Porém, antes da prédica, elas se retiram para o local do culto infantil e ficam ausentes tanto na proclamação da Palavra quanto na ceia do Senhor, expressão máxima da comunhão com Deus e com os demais membros do corpo de Cristo. No melhor dos casos, as crianças voltam para a liturgia de despedida, recebendo também a bênção e o envio. Podemos dizer que, agindo dessa maneira, a comunidade cristã não é coerente com a compreensão de família e de comunhão, cuja implicação é a inclusão e a participação de todas as pessoas.

Entretanto, dispomos de ferramentas litúrgicas suficientes que – à luz da pesquisa e da prática – nos ajudam a viver uma liturgia inclusiva de maneira significativa, com a participação de todos os membros do corpo de Cristo.

Antes, porém, de nos dedicarmos a esses elementos e desafios, proponho dar uma olhada para trás e perceber como as crianças foram tratadas por Jesus e pelas primeiras comunidades cristãs. Talvez isso nos ajude a perder o medo de modificar atitudes e situações que, em nossa cultura ocidental e cristã, são consideradas inalteráveis, pois sempre se fez assim.

Um olhar retrospectivo

As palavras e os atos de Jesus (Marcos 10.13-16 e paralelos) são a maior prova de que a sua vontade expressa – e, portanto, a de seu Pai – é de inclusão das crianças na comunhão com ele. Jesus repreende os discípulos, aqueles que tentam impedir as crianças de se aproximarem dele. Eles consideram que, para alcançar o Reino, são necessárias convicção e decisão próprias, devoção piedosa, ou seja, atitudes para as quais, aos olhos dos discípulos, as crianças não estão capacitadas. Jesus, no entanto, se opõe a tal postura. Ele não catequiza as crianças, tampouco as exorta. Simplesmente as aceita. A aceitação incondicional das crianças por Jesus demonstra que, para Deus, a salvação não está relacionada à instrução intelectual, ao conhecimento dogmático ou à razão. Para Jesus, também as crianças, simples e excluídas da sociedade, são incluídas no Reino de Deus.

No século 4, segundo o testemunho de Etéria, que descreveu, detalhadamente, a vida de culto da comunidade de Jerusalém, a presença das crianças nas celebrações daquela época era algo normal, bem como a sua participação ativa.

Em relação à Liturgia das Horas, Etéria escreve: E, uma vez que se disseram até o fim [hinos e antífonas], como de hábito, levanta-se o bispo e se mantém de pé ante o gradil, isto é, diante da gruta e, segundo o costume, um dos diáconos evoca os nomes de todos. Dizendo ele os nomes, um por um, numerosas crianças, de pé, respondem: Kyríe Eleison – que nós dizemos Miserere Domine, tem piedade, Senhor; e incontáveis são suas vozes (Novak, 84). Mais adiante, em seu relato sobre as celebrações da Semana Santa, descrevendo o Domingo de Ramos, ela relata: E todas as crianças da região, até mesmo as que, pela pouca idade, não podem andar pelos próprios pés e que os pais carregam ao colo, todas levam ramos – umas de palmas, outras de oliveiras; e acompanham o bispo, tal como foi acompanhado o Senhor (Mateus 21.8) (Novak, 97). A partir desses e de outros testemunhos da igreja antiga – como, por exemplo, da Tradição Apostólica e de Cipriano de Cartago (ambos do século 3) – existem provas da presença e participação plenas das crianças nos cultos. Quer dizer: para a igreja dos primeiros séculos, estava claro que ser batizado significava estar sempre presente e participar do culto comunitário, não importando a idade (todas as pessoas, sejam elas bebês, crianças, jovens ou adultos, logo após o batismo, participavam da ceia do Senhor). Nas primeiras comunidades cristãs não encontramos, pois, celebrações separadas para as crianças, tampouco era necessário adaptar as celebrações para elas (isto é algo que aparece somente com o surgimento da psicologia e da pedagogia em tempos mais recentes).

Que comunidade se reúne para o encontro com Deus?

Se em suas origens o culto era o lugar, por excelência, em que a comunidade, de diversas gerações, se reunia diante de Deus e onde era possível o coração dos pais se converter aos filhos, e o coração dos filhos aos seus pais (Malaquias 4.6), na atualidade, como já foi apontado, este sentido original deixou de existir. A reunião para o encontro com Deus, em muitas comunidades, acontece separadamente, conforme as idades e/ou os interesses: culto infantil, culto para jovens, culto para a terceira idade e culto regular para adultos. Deveríamos perguntar-nos: não é justamente a ausência das crianças no culto regular que o torna um culto de adultos?

No caso do culto infantil, cabe perguntar se essas celebrações, moldadas totalmente para as crianças, desde o ponto de vista pedagógico, didático, lúdico e criativo, não acentuam ainda mais a divisão entre adultos e crianças. É compreensível que, depois de participar em cultos voltados exclusivamente para a sua idade, as crianças tenham dificuldade de envolver-se com outro tipo de celebração cuja liturgia (linguagem, formas, música, etc.) lhes é desconhecida e, em consequência, acabem optando por retirar-se da vida celebrativa da comunidade.

Não quero dizer, com isso, que se deva abandonar a prática do culto infantil, pois, na atualidade, essa prática cumpre uma função específica, resultado da divisão existente entre crianças e adultos. O desafio que se apresenta é motivar a comunidade a superar esta divisão.

Para tanto necessitamos, em primeiro lugar, chegar a um acordo sobre a compreensão que temos de comunidade. Já dissemos que a comunidade que celebra não é um conjunto de pessoas que se reúne por acaso. Os diferentes membros, incluídas as diferentes gerações, ingressam na comunidade através do batismo.

Em I Coríntios 12.13 e Gálatas 3.27-28 lemos: pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres [quer adultos, quer crianças]. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito. Ao utilizar a imagem do corpo e de seus membros, o apóstolo Paulo acentua a comunhão, sobretudo, entre os diferentes. E esta comunhão entre os diferentes, bem como entre as gerações, como corpo de Cristo, diante de Deus, é afirmada, renovada e aprofundada em cada culto.

Com base nisso, podemos dizer que a comunidade de fé ideal (também fora do culto) é aquela onde acontece a interação de pessoas de todas as idades. Numa comunidade assim, todas as pessoas participam com seus dons, contribuindo com suas experiências, trocando e transmitindo ideias e modos de agir. Quer dizer: não é apenas uma pessoa ou uma geração que age sobre outras pessoas ou gerações, mas todas as partes atuam, iniciam a ação e reagem. Este intercâmbio de ações e de compromissos – uma das características marcantes da fé e da vida cristãs -não permite que sigamos mantendo categorias tais como adulto (que sabe) e criança (que necessita saber), socializador e socializado. Por isso, podemos afirmar com White que a exclusão ou a condição de membro parcial ou em preparação é uma contradição, pois Deus não atua de forma parcial ou preparatória, mas incondicionalmente (White, 174).

Em muitas comunidades, a interação entre as gerações tem despertado o desejo de realizar celebrações em conjunto, surgindo o assim chamado culto familiar, com a presença de várias gerações. Se, por um lado, esta é uma solução diante do problema da divisão entre as gerações, de outro, ela também corre certos riscos: crianças podem ser usadas apenas para ocupar lugares entre os adultos e encher a igreja, enquanto o culto continua sendo o convencional. O culto familiar também corre o risco de ser transformado em culto infantil (utilizando-se jogos, balas e linguagem infantilizada), desconsiderando-se, dessa forma, as necessidades e as formas de expressão das pessoas que não são crianças, bem como daquelas que não têm famílias. Por outro lado, esses cultos não são os cultos regulares da comunidade, mas os esporádicos.

Por isso, o mais adequado é pensar e falar em cultos comunitários e não em cultos familiares, pois, sem dúvida, a comunidade toda é a destinatária do Evangelho e participante do culto, sem exclusão alguma de qualquer de seus membros. É no seio da comunidade que cada membro do corpo de Cristo experimenta o projeto que Deus tem para a sua criação.

Espaço

O culto cristão se desenvolve em um espaço. Nesse espaço, geralmente em construções chamadas igrejas ou templos, Deus se dispõe a ser encontrado pela sua comunidade.

Por um lado, o espaço, ou local da celebração expressa o mistério de Deus, de Jesus Cristo, do Espírito Santo. Por outro lado, o espaço litúrgico se destina à função litúrgica, que é, por natureza, uma função humana. Isto significa que este espaço é, antes de mais nada, um espaço físico e humano. Necessita servir às necessidades do corpo, pois liturgia é ato de expressão do corpo humano, mais precisamente, dos corpos reunidos em um corpo maior, o corpo litúrgico. Se esse espaço limita a expressão da alegria, do louvor, da oração, da comunhão, da Palavra, então deveria ser repensado (Maraschin,75,137).

O desafio que se apresenta às celebrações comunitárias – com a presença ativa de crianças – é de conjugar essas duas compreensões, ou seja, o espaço deve favorecer a manifestação da presença do trino Deus e atender as necessidades da comunidade de organizar seu espaço, oferecendo um ambiente acolhedor e festivo. Para tanto, será necessário considerar não só o espaço congregacional (onde se encontra a comunidade celebrante), mas também o espaço de circulação (através do qual a comunidade se move), o espaço batismal (ao redor da pia batismal), assim como o espaço eucarístico (ao redor da mesa de comunhão), sem esquecer o espaço de encontro, aquele em que as pessoas se movimentam antes e depois do culto (Whtte, 70-72).

Assim como acontecia no cristianismo primitivo, poderia se considerar a possibilidade de oferecer às crianças, também hoje, um lugar próprio dentro do espaço congregacional durante a celebração, preferencialmente próximo à pessoa oficiante.

Para a pedagoga Hélene Lubienska de Lenval (1895-1972), que escreveu sobre a aplicação dos princípios montessorianos para a formação religiosa de crianças, o lugar ideal para elas é o próprio chão: […] concedamos às crianças a liberdade de se instalarem no chão à sua vontade: sentadas ou de joelhos […]. Segundo Lubienska, a proximidade do chão inspira um sentimento de segurança e estabilidade; cadeiras e bancos, ao contrário, podem cansar as crianças, levando-as à loquacidade (Lubienska, 12).

Para levar isso à prática, será necessário providenciar pequenos tapetes, almofadas ou outro tipo de conforto, um espaço suficientemente amplo, livre de bancos ou cadeiras, buscando um ambiente doméstico, simples e flexível, que acentue a pertença e a participação, a intimidade e a comunhão.

Um espaço eucarístico também amplo, circular (preferencialmente com a mesa de comunhão no centro), permitirá expressar a alegria pela presença de Cristo entre as pessoas, possibilitando a comunhão da família Dei.

Gestos, corpo e sentidos

Quando Deus criou o ser humano, ele o fez dotado de sentidos e de diversas formas de expressão, E é através desses sentidos e formas de expressão que o ser humano se comunica com seus semelhantes e com Deus. Da mesma forma, Deus utiliza os nossos sentidos para falar conosco e nos tocar. A ceia do Senhor e o batismo – com sua riqueza de gestos e símbolos e o apelo aos sentidos – são, talvez, as formas mais claras e visíveis dessa comunicação de Deus conosco.

Ao longo da história, e sobretudo a partir da Idade Média, a liturgia foi influenciada por uma concepção de rito que minimizou a compreensão dos gestos e da expressão sensível, dando atenção exclusiva à expressão racional, supervalorizando, dessa forma, o sentido auditivo. Entretanto, quando um rito se transforma em uma mera questão de comunicação de ideias e formulações abstratas, o caráter espiritual degenera em dogmatismo e racionalismo (Baronto, 19-20).

A ênfase histórica no sentido auditivo, tão presente nas celebrações atuais, não deveria, entretanto, impedir a busca por uma maior e melhor comunicação entre as pessoas e com Deus, envolvendo os demais sentidos.

Para que um culto seja significativo e permita às pessoas expressar-se plenamente, deveria envolver e estimular todos os sentidos. A própria natureza da liturgia convida as pessoas a se expressarem com todo o seu ser; toda ela é ação do corpo. Sabe-se que as ações do corpo – a expressão e a manifestação corporal – são uma das características mais marcantes das crianças. E tanto a pedagogia religiosa quanto a psicopedagogia partem desse pressuposto e acentuam que o processo de crescimento da fé acontece, sobretudo, através de ações. Por isso, a liturgia, como ação da pessoa toda, oferece um ótimo espaço de participação e crescimento na fé por meio de gestos e de atitudes corporais.

Segundo Lubienska, o uso e o cultivo de gestos (simbolizar as atitudes da alma mediante as do corpo) têm sido o método pedagógico da igreja desde as suas origens. O gesto é a expressão mais espontânea da alma, é anterior à palavra e provoca, inevitavelmente, uma atitude interior. Com respeito às crianças, a autora diz que a palavra, instrumento do pensamento racional, não atinge a criança pelo fato de o pensamento desta não ser racional, mas intuitivo, e que a maneira de exprimir o pensamento intuitivo não é a palavra; é o gesto. A criança compreende mexendo-se; para ela, o pensamento é ação. (Lubienska, 39). É importante, porém, que em nossos cultos também se dê lugar ao silêncio, para que não caiamos em uma movimentação externa em prejuízo da participação interna.

Os gestos, em suma, não só aqueles praticados pela pessoa oficiante, mas também aqueles executados por toda a comunidade, ajudam a fomentar uma participação mais significativa e festiva de toda a assembleia litúrgica.

Símbolos

Este trecho baseia-se fundamentalmente em lone Buyst {Buyst, 30-46).

Entendemos símbolo como um sinal sensível que evoca e torna presente uma realidade invisível, como, por exemplo, a amizade. Os símbolos têm a capacidade de manifestar o mistério de Deus e de relacionar as pessoas com ele. A lógica racional, no entanto, não alcança o mistério. O pensamento simbólico é mais amplo, vai além do pensamento racional e o complementa.

Toda a liturgia está permeada de sinais sensíveis, usados simbolicamente. Eles tocam as pessoas como um todo. Partem do corpo e tocam, a partir dele, as camadas mais profundas do nosso ser, não só nossa mente, mas também nossos sentimentos. A participação ritual, no culto, permite às pessoas sentirem a proximidade e a proteção de Deus, fortalecendo-se para o dia-a-dia. Essas experiências não dependem de idade, grau de formação ou classe social. A comunicação simbólica supera esses tipos de barreiras.

O uso de símbolos vai ao encontro da vivência e da expressão de fé das crianças e dos adultos, não só por ser de ordem pragmática, mas porque desperta – através de uma linguagem não-verbal, não-racional – afetos e sentimentos de pertença e de participação no corpo de Cristo. Os cultos nos quais se faz uso de uma comunicação simbólica tocam as crianças e os adultos de maneira igual, permitindo, assim, a comunhão entre as gerações.

No entanto, o desafio litúrgico que se nos apresenta é buscar a unidade entre o gesto corporal, o sentido teológico e a atitude interior ou espiritual implícitos em cada símbolo e em cada rito.

Uma das características fundamentais de qualquer símbolo é que ele ultrapassa as nossas capacidades de compreensão racional. O símbolo fala por si. Ele nasce da experiência comum de um grupo e por isso não precisa ser explicado. Explicá-lo pode diminuir a sua força ou mesmo destruí-lo.

As pessoas responsáveis pela vida cultual de uma comunidade apresenta-se o desafio de despertar e desenvolver sua própria sensibilidade simbólica, assim como a de toda a comunidade, buscando a melhor expressão possível da experiência religiosa da comunidade, através de cada rito.

Linguagem

Olhando a ordem do culto, percebemos uma predominância de elementos verbais que expressam, de diversas formas, a relação entre Deus e as pessoas: na oração, na proclamação, na ação de graças, no compromisso, na intercessão, na bênção e no envio. Grande parte desses elementos verbais são herdados do culto judaico e do culto da igreja cristã primitiva, outros foram sendo agregados à liturgia ao longo da história do culto cristão.

O culto é resposta de uma comunidade ao chamado e convite de Deus. A resposta que a comunidade dá a esse Deus deve expressar que é ele quem atua em seu meio. Para tanto, a comunidade dispõe de um rico repertório de linguagem litúrgica.

A linguagem, no entanto, deve ser usada de acordo com o conteúdo ou o sentido de cada elemento litúrgico. Cada parte da liturgia tem um jeito próprio de ser comunicado. Por exemplo, o tom de voz de uma oração será diferente do tom de voz para uma proclamação do Evangelho. Um salmo não pode parecer uma leitura. Uma ação de graças pede um tom diferente de uma súplica. Em nossa maneira de pronunciar uma palavra, devem aparecer o sentido e o sentimento que essa palavra carrega dentro de si. (Buyst, 66-67).

Assim como a configuração do espaço, o uso do corpo e dos símbolos, também a utilização da linguagem e das formulações litúrgicas segue o critério de que todo culto deve desenvolver o encontro e o diálogo com Deus e com os semelhantes de uma maneira clara, simples e compreensível. Dessa forma, cada integrante da comunidade poderá expressar genuinamente sua f é. Isso, no entanto, parece contradizer a linguagem litúrgica comumente usada, considerada por muitos arcaica e pesada. No entanto, é perfeitamente possível respeitar a tradição litúrgica dizendo hoje, de uma maneira nova, aquilo que diziam os pais quando se reuniam para celebrar a redenção cristã. É necessário que as pessoas compreendam a linguagem do culto, isto é, que se realizem todos os esforços a fim de retirar do culto as fórmulas arcaicas, utilizando-se uma linguagem celebrativa comum aos que dele participam (von Allmen, 112-115). Neste sentido, a linguagem do culto comunitário não pode estar totalmente direcionada aos adultos, tampouco às crianças. O desafio é encontrar o equilíbrio.

A participação ativa, interna e externa, no encontro com Deus depende, em grande medida, daquilo que a linguística chama de linguagem performativa. A linguagem performativa transmite um conteúdo, ou um sentido que envolve, compromete e conduz as pessoas à ação. O jeito de dizer, de usar as palavras deve levar as pessoas à participação. A linguagem performativa evita palavras explicativas. As explicações racionais do tipo Agora vamos… Isso significa que... interrompem o clima orante e festivo da celebração (Buyst, 67) e atrapalham o envolvimento das pessoas no ato litúrgico. Nesse tipo de linguagem, as frases devem ser breves, claras e simples, concretas e vivas; elas devem ter um sentido evocativo e afetivo. Essa linguagem permite ir, mais facilmente, ao encontro tanto de crianças quanto de adultos e conduzi-las à participação.

Na interpretação da Palavra também é necessário utilizar uma linguagem simples e envolvente que transmita o Evangelho, de forma direta e concreta, às crianças e aos adultos. A narração, o contar histórias, é uma forma muito apropriada para a pregação.

O culto não é lugar nem momento de ensino e aprendizagem, mas encontro festivo e edificante. Não é necessário adaptar a linguagem para que as crianças entendam racionalmente todas e cada uma das palavras expressadas. É importante que as crianças percebam a importância que o culto e a comunidade têm para os adultos. Elas têm compreensão e vivência cumulativa: celebração após celebração, elas assimilam e incorporam essa importância também em suas vidas.

Música

A música está intimamente relacionada aos sentidos do ser humano e é capaz de tocá-lo profundamente. Não se pode negar a importância da música como forma de expressão cristã, tampouco a sua importância na tradição religiosa, sobretudo, naquela proveniente da Reforma. A música eclesiástica sempre foi uma expressão de fé, música que nasce da fé. Por isso, a sua razão de ser e a sua tarefa não é, em primeiro lugar, o embelezamento das celebrações. A música eclesiástica sempre foi e continua sendo uma das maneiras de a comunidade dirigir-se a Deus e de expressar suas necessidades e esperanças. A música envolve as pessoas física, mental e emocionalmente. É uma pérola dentro do culto. Ela tem a capacidade de unir os corpos através de uma vibração comum e de elevar as mentes, mediante tons harmónicos, fomentando a unidade dos indivíduos da assembleia litúrgica em um só corpo no Senhor. Daí o valor da música e do canto, que ajudam tanto crianças quanto adultos a entregar-se ao diálogo e à comunhão com Deus em cada culto.

Assim como música e fé, também criança e música são uma combinação natural. A fascinação pelos sons e ritmos, elementos básicos da música, acompanha as crianças desde o seu nascimento. O canto lhes transmite – inclusive antes de nascer – tranquilidade, alegria, paz e confiança. Dessa maneira, a música representa um valioso elo entre a vida das crianças e o culto.

Como parte integrante da liturgia, a música litúrgica tem a função de expressar certos conteúdos teológicos e espirituais que são incorporados pelas pessoas através da execução musical, bem como pela escuta. Através da música a pessoa toda pode ser tocada pelo mistério do Ressurreto.

A expressão musical de um texto litúrgico está diretamente relacionada ao seu conteúdo. A música deve expressar o sentido do texto. Por exemplo, um canto litúrgico de glória deve manifestar mais alegria, enquanto um canto de confissão de pecados requer uma expressão musical que leve à contrição. Desta forma, o canto litúrgico vai ao encontro de uma vivência espiritual mais significativa.

Isso acontece porque o som, a música, age diretamente sobre o nosso corpo. A vivência corporal da música – a ginga que o ritmo provoca e a harmonia do canto – ajuda a incorporar o texto. Neste sentido, a familiaridade dos cantos é de grande valor litúrgico. É importante formar um repertório de cantos que crianças e adultos da comunidade de fé possam partilhar ao longo do tempo.

O músico ou a equipe musical cumpre uma função importante e tem uma enorme responsabilidade. Ele ou ela deveria ter presente que, ao fazer música litúrgica, não está produzindo um mero enfeite para o culto, mas ajudando as pessoas a expressarem sua fé. A música ajuda a formar uma comunidade de oração na qual crianças e adultos atuem em conjunto.

Como envolver ativamente as crianças no culto?

Desde a mais tenra infância, importantes processos de crescimento na fé estruturam-se através da afetividade, do movimento e da vivência corporal. Esse processo não começa nem termina com uma certa idade, mas desenvolve-se ao longo da vida. Isso quer dizer que é importante considerar, dentro do possível, todos estes aspectos – a afetividade e familiaridade, o movimento e a vivência corporal e o uso de símbolos – na forma e no conteúdo da celebra cão. Desta maneira, a vivência e os conteúdos da fé podem ser apreendidos de forma não-abstrata e proporcionar a comunhão entre as gerações, na comunidade.

Apresento, a seguir, algumas propostas para a participação ativa de crianças – a rigor, de qualquer pessoa – na celebração.

Antes do culto:

– Ajudar a preparar o local da celebração, por exemplo: auxiliando a colocar os paramentos, a preparar os elementos da eucaristia, o espaço próprio para as crianças e, em caso de batismo, a pia batismal.

– Participar do grupo que recebe e acolhe as pessoas que vão chegando.

Durante o culto:

– Integrar o grupo de canto ou coro.
– Tocar algum instrumento musical, principalmente instrumentos de percussão (talvez feitos por elas mesmas), para acompanhar o ritmo da música.

Na liturgia de entrada:

– A oração do dia pode ser realizada da seguinte maneira: as crianças são convidadas a colocar-se junto da pessoa oficiante e acompanhá-la na oração, dizendo, todas juntas, uma frase que se repete várias vezes ao longo da oração. Todas elas, incluindo a pessoa que oficia, fazem a oração de mãos dadas. A frase que as crianças dizem se repete a cada culto e a pessoa oficiante molda sempre uma nova oração, incluindo a frase das crianças.

Na liturgia da Palavra:

– As leituras bíblicas também podem ser realizadas pelas crianças. Se as leituras são feitas da estante de leitura, terá que se providenciar (em tempo!) um pequeno estrado para que as crianças alcancem, sem problema, a altura da Bíblia. Também é possível que uma pessoa adulta -preferencialmente alguém de sua relação próxima – faça a leitura juntamente com as crianças, dividindo os textos em partes. Em respeito às próprias crianças, a leitura sempre precisa ser ensaiada previamente.

– Para a interpretação se oferecem diversas possibilidades: a) interpretação dialogada; b) interpretação com elementos visuais (retroprojetor, diapositivos); c) interpretação em forma de narração, durante a qual as crianças – sentadas junto da pessoa que faz a interpretação – realizam gestos que ilustram o relato.

Nos três casos descritos é possível utilizar cantos breves, conhecidos por todos, em diferentes momentos da interpretação.

– A oração geral da igreja (intercessão e agradecimento) também oferece oportunidade de participação das crianças. É possível que as crianças expressem, espontaneamente, seus motivos de oração ou leiam os motivos previamente escritos. Os breves cantos de aclamação que intercalam cada prece são adequados para todas as idades.

Na liturgia da ceia do Senhor:

– Durante o canto do ofertório, enquanto algumas crianças e adultos buscam os elementos para a ceia, outros podem preparar a mesa com uma toalha e, eventualmente, um pequeno arranjo de flores. Quando a mesa estiver arrumada, aqueles que levam o pão e o fruto da videira (suco de uva) se aproximam e põem os elementos sobre a mesa. As ofertas também podem ser recolhidas e levadas à mesa tanto pelas crianças quanto pelos adultos.

– Para o Pai-Nosso, as crianças (e também os adultos) podem ser convidadas a levantar-se e, de mãos dadas, fazer a oração do nosso Senhor com gestos (confira a matéria à página 16 deste número). Com o tempo, quem sabe, toda a comunidade se anime a orar da mesma maneira.

– Assim que a pessoa oficiante desejar a paz de Cristo à comunidade, ela pode, inicialmente, convidar as crianças para que transmitam essa paz às pessoas presentes; logo após, estas desejam-se mutuamente a paz de Cristo.

– Pressupomos que, em virtude do batismo, tanto crianças quanto adultos participem da ceia do Senhor. As palavras tradicionais de distribuição (Corpo de Cristo dado por ti, Sangue de Cristo derramado por ti) podem ser utilizadas para os adultos. No entanto, a fim de não confundir as crianças, alguns autores recentes propõem usar outras palavras que igualmente expressem a presença de Cristo, como por exemplo: Este é o pão da vida; Toma, come/bebe. Cristo está conosco, e outras semelhantes.

– Em cultos com batismos, além das possibilidades já mencionadas, oferecem-se outras alternativas de atuação das crianças, relacionadas diretamente ao rito do batismo. Por exemplo: cada criança recebe um pequeno vaso, o qual uma pessoa adulta, lentamente, enche de água, com uma jarra. Antes ou durante a oração das águas, as crianças, aos poucos, vão enchendo de água a pia ou fonte batismal. Durante todo o rito as crianças acompanham a comitiva batismal, podendo observar cada ação de perto. É possível que uma criança (maior) acenda a vela batismal no círio pascal, entregando-a à família da criança batizada.

Se houver espaço para expressar votos à criança ou adulto recém-batizados, pode-se dar oportunidade às crianças de também fazê-lo.

Conclusão, sugestões, implementações

São muitas as alternativas que se apresentam à participação ativa das crianças no culto. Seria um erro, no entanto, querer aplicar tudo de uma só vez. Toda mudança é lenta e paulatina. A premissa mais importante para a moldagem dos cultos é manter a estrutura básica do culto para que a comunidade reconheça a liturgia que lhe é comum. Equipes de liturgia, pastoras e pastores, musicistas, catequistas, diáconos e diáconas, colaboradores e colaboradoras devem avaliar qual das alternativas é a mais apropriada para iniciar a experiência. Todas as propostas requerem preparação cuidadosa e, sobretudo, uma boa equipe de trabalho. Esta também é uma maneira de expressar e promover o aspecto comunitário do culto. E, além das crianças, não podemos esquecer de incluir os pais e as mães no processo de mudança.

Em termos pastorais e pedagógicos, é necessário que o tema da presença ativa das crianças no culto seja discutido nos diversos grupos da comunidade, iniciando-se, preferencialmente, com o presbitério.

O apóstolo Paulo diz: Mesmo sendo muitos, comemos de um mesmo pão, por isso somos um só corpo (ICoríntios 10.17). A aceitação e a aplicação destas palavras acontecem quando crianças são incluídas no culto regular da comunidade, na celebração que edifica e dá vida ao corpo de Cristo.

 

Carla Irina Ostrowski, da Iglesia Evangelica del Rio de La Plata, é professora de Música e obteve seu grau de Mestra em Teologia pelo curso de Mestrado
Profissionalizante em Teologia – Área de Concentração: Liturgia, no Instituto Ecumênico de Pós-Graduacão da EST.

 

A COMUNIDADE DE FÉ IDEAL (TAMBÉM FORA DO CULTO)É AQUELA ONDE ACONTECE A INTERAÇÃO DE PESSOAS DE TODAS AS IDADES.

PARA QUE UM CULTO SEJA SIGNIFICATIVO E PERMITA ÀS PESSOAS EXPRESSAR-SE PLENAMENTE, DEVERIA ENVOLVER E ESTIMULAR TODOS OS SENTIDOS. A PRÓPRIA NATUREZA DA LITURGIA CONVIDA AS PESSOAS A SE EXPRESSAREM COM TODO O SEU SER; TODA ELA  É AÇÃO DO CORPO.

O USO DE SÍMBOLOS VAI AO ENCONTRO DA VIVÊNCIA E DA EXPRESSÃO DE FÉ DAS CRIANÇAS E DOS ADULTOS, NÃO SÓ POR SER DE ORDEM PRAGMÁTICA, MAS PORQUE DESPERTA – ATRAVÉS DE UMA LINGUAGEM NÃO-VERBAL, NÃO RACIONAL – AFETOS E SENTIMENTOS DE PERTENÇA E DE PARTICIPAÇÃO NO CORPO DE CRISTO.

A LINGUAGEM DO CULTO COMUNITÁRIO NÃO PODE ESTAR TOTALMENTE DIRECIONADA AOS ADULTOS, TAMPOUCO ÀS CRIANÇAS. O
DESAFIO É ENCONTRAR O EQUILÍBRIO.


A MÚSICA TEM A CAPACIDADE DE UNIR OS CORPOS ATRAVÉS DE UMA VIBRAÇÃO COMUM E DE ELEVAR AS MENTES, MEDIANTE TONS HARMÔNICOS, FOMENTANDO A UNIDADE DOS INDIVÍDUOS DA ASSEMBLEIA LITURGICA EM UM SÓ CORPO NO SENHOR.

A TAREFA DA EQUIPE MUSICAL NÃO E’ PRODUZIR UM MERO ENFEITE PARA O CULTO, MAS AJUDAR AS PESSOAS A EXPRESSAREM SUA FÉ.

DESDE A MAIS TENRA INFÂNCIA, IMPORTANTES PROCESSOS DE CRESCIMENTO NA FÉ ESTRUTURAM-SE ATRAVÉS DA AFETIVIDADE, DO MOVIMENTO E DA VIVÊNCIA CORPORAL.

AO TE APROXIMARES [DA COMUNHÃO], NÃO VÁS COM AS PALMAS DAS MÃOS ESTENDIDAS, NEM COM OS DEDOS SEPARADOS; MAS FAZE COM A MÃO ESQUERDA UM TRONO PARA A DIREITA COMO QUEM DEVE RECEBER UM REI E NO CÔNCAVO DA MÃO ESPALMADA RECEBE O CORPO DE CRISTO, DIZENDO: AMÉM (…), TOMA-O E CUIDA DE NADA SE PERDER.(…) APROXIMA-TE TAMBÉM DO CÁLICE DE SEU SANGUE. NÃO ESTENDAS AS MÃOS, MAS INCLINANDO-TE, E NUM GESTO DE ADORAÇÃO E RESPEITO, DIZEM: AMÉM!

Cirilo de Jerusalém

Considerando que as crianças são parte do corpo de Cristo, parece óbvio que elas também estejam presentes no encontro da comunidade com Deus.

A comunidade toda é a destinatária do Evangelho e participante do culto, sem exclusão alguma de qualquer de seus membros.

Fontes:

– ALLMEN, J. J. von. O culto cristão: teologia e prática. São Paulo: ASTE, 1968.

– BARONTO, Luiz Eduardo Pinheiro. Laboratório litúrgico: pela inteireza do ser na vivência ritual. São Paulo: Salesiana, 2000.

– BUYST, lone. Celebrar com símbolos. São Paulo: Paulinas, 2001.

– GÄBLER, Christa. Kinder im Gottesdienst. Stuttgart; Berlin; Köln: Kohlhammer, 2001.

– LUBIENSKA DE LENVAL, Hélène. Silêncio, gesto e palavra. Lisboa: Aster, 1959.

– MARASCHIN, Jaci. A beleza da santidade: ensaios de liturgia. São Paulo: ASTE, 1996.

– MÔLLER, Christian. Gottesdienst als Gemeindeaufbau: Ein Werkstattbericht. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1990.

– NG, David; THOMAS, Virgínia. Children in the worshiping community. Atlanta: John Knox, 1981.

– NOVAK, Maria da Glória. Peregrinação de Etária: liturgia e catequese em Jerusalém no século IV. Petrópolis: Vozes, 1977.

– WESTERHOFF, John H. Tendrán fé nuestros hijos? Buenos Aires: La Aurora, 1978.

– WHITE, James F. Introdução ao culto cristão. São Leopoldo: Sinodal, 1997.

(As indicações de fontes neste artigo trarão apenas o sobrenome do/a autor/a, seguido do número de página.)

Fontes de fotos e ilustrações desta matéria:

Capa:

– Johannes BLOHM, Abendmahl feiern mit Kindern, München: Claudius, 1998, p. 26.

– 1. ID.. ibid., p. 33.

– 2. ID., ibid., p. 14.

– 3.EVANGELISCHE KIRCHE IN DEUTSCHLAND (Hg.), Mitteilungen ous Ökumene und Auslandsarbeit 1997, Hannover: GEP Buch, 1997, p. 288.

– 4. Kirsten FIEDLER, Richard RIESS, Die verletzlichenjahre, Gütersloh: Chr. Kaiser / Gütersloher, 1993, p.67.

– 5. EVANGELISCHE KIRCHE IN DEUTSCHLAND (Hg.), Miíteteilungen aus Ökumene und Auslandsarbeit 2002, Breklum: Beklumer, 2002, capa.

– 6. Johannes BLOHM, Abendmahl feiern mit Kindern, München: Claudius, 1998, p. 21.