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Prédica: Gênesis 11.1-9
Leituras: Atos 2.1-21 r João 15.26-27;16.4b-11
Autor: Equipe de Liturgia de Pentecostes EST
Data Litúrgica: Domingo de Pentecostes
Data da Pregação: 07/06/1992
Proclamar Libertação – Volume XVII


1. Introdução

A presente contribuição não traz um auxílio homilético nos moldes convencionais. Em vez disso, ela procura descrever o culto de Pentecostes, tal como se realizou na Escola Superior de Teologia, em 15 de maio de 1991. Em sua parte 2 ela descreve a liturgia do culto. Na parte 3 tece comentários sobre determinados aspectos da mesma liturgia (os números entre parênteses na parte 2 correspondem a comentários na parte 3). Na parte 4 incluímos um resumo da pregação ocorrida no mesmo culto. Este oferece bons subsídios para a pregação em Pentecostes.

Ao compartilharmos aqui esta liturgia, não é nossa intenção sugerir que ela deva ou possa ser copiada em outros contextos. É uma liturgia moldada para o culto de Pentecostes realizado neste dia específico e nesta precisa comunidade. Ela é o produto de um trabalho de mutirão de nossa Equipe de Liturgia. Junto com os coordenadores de Proclamar Libertação, pensamos que, compartilhando-a assim como está, ela talvez possa despertar ideias e servir de estímulo para aquelas pessoas que se empenham por uma liturgia mais significativa.

Da Equipe de Liturgia participaram Delmar J. Dickel, Élbio Fagundes, Edgar Kirchof, Nelson Kirst, Ana Langerak, Ingrid Matter, Adriane Rubert, Tânia Cristina Weimer. A pregação, resumida no item 4, é de responsabilidade de Ana Langerak, e Nelson Kirst escreveu os comentários na parte 3.

2. Liturgia do Culto de Pentecostes na Escola Superior de Teologia (15.05.91)


Abertura (1)

Procissão (2)

Estudantes veteranos partem do matinho cantando’Povo que és peregrino. Es¬tudantes estrangeiros partem do portão cantando Gloria a Diós (um canto nicaragüense muito simples, que é ensinado ali mesmo). Professores/as e funcionários/as partem do prédio velho cantando Buscai primeiro o reino de Deus. Estudantes novatos partem da escada que desce ao galpão cantando Estamos aqui, Senhor. Os grupos portam cartazes com invocações do Espírito Santo em diversas línguas. Ao chegarem na entrada do prédio, os grupos são recebidos pela Equipe de Liturgia que neste ponto assume as funções de um grupo de acolhida. Ao se aproximarem, os quatro grupos se integram e vão formando uma comunidade só. Vão silenciando seus cantos em separado e passam a cantar, todos juntos, a primeira estrofe de Vem, Espírito Divino (Hinos do Povo de Deus, 85), que-já estava sendo cantado pelo grupo de acolhida. Cantando, todos sobem à cape Ia. Esta encontra-se sem cadeiras. Há vasinhos de flores colocados em diversos pontos, no chão. Junto com os vasinhos há um pequeno maço de folhas de papel recortadas em forma de uma chama — elas serão utilizadas mais tarde, na reflexão desencadeada a partir da prédica. Os participantes sentam-se ao redor dos vasinhos, no chão, em semicírculos voltados para o altar. O grupo de acolhi da ajuda os participantes a encontrarem lugar e formarem os semicírculos. Duran te essa movimentação, os cartazes trazidos pelos grupos são afixados numa pare de. A comunidade continua cantando a primeira estrofe de Vem, Espírito Divino, até o momento da saudação pelo L2.

L 2 Saudação informal e comunicações sobre o culto

Saudação formal
(Variação de l Co 1.10, seguido de Em nome do Pai…)

L8 & C Litania do Kyrie (C canta Tem piedade, Senhor.) (3)

Liturgia da palavra

Jaime Leitura: Gn 11.1-9

C Canto: Louvai todos os povos (4)

Consuelo Leitura: Jo 15.26-27 e 16.4b-ll

C Canto: All peoples praise the Lord

LI Leitura: At 2.1-13

C Canto: Alaben pueblos todos

LI Interpretação (= prédica) e meditação

Após a interpretação (ver parte 4 abaixo), ocorre uma meditação individual em silêncio, durante a qual os/as participantes escrevem sua reflexão sobre as chamas de papel que se encontravam junto aos vasinhos de flores.

Liturgia da eucaristia

L3 Preparo e ofertório (5)

Pão e vinho, oferendas e chamas de papel escritas são trazidos ao altar, enquanto…

C Canto: Os cristãos tinham tudo em comum L4 & C

Oração eucarística (6)


Nós te bendizemos, ó Pai, pela salvação que nos trouxeste pois Jesus, teu Servo. Pois na noite em que foi traído, ele, nosso Senhor Jesus Cristo, tomou o pão, rendeu graças, partiu-o e deu-o aos seus discípulos, dizendo: Tomai e comei, isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em memória de mim. — Nós te bendizemos, ó Pai, pela vida que nos revelaste por Jesus, teu Servo, o qual, depois de cear, tomou também o cálice, rendeu graças e o deu aos seus discípulos, dizendo: Bebei dele todos, porque este cálice é a nova aliança no meu sangue, derramado em favor de vós, para remissão dos pecados. Fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim. — Reunidos ao redor desta mesa, celebramos a vitória do sofrimento, morte e ressurreição de teu Filho. E te rogamos que, mediante o Espírito Santo, nos concedas receber remissão dos pecados, nova vida e salvação. Lembra-te, Senhor, de tua Igreja, para libertá-la de todo mal e aperfeiçoá-la em teu amor; e reúne-a dos quatro ventos, santificada, no Reino que para ela preparaste. Amém.

Pai-Nosso

L5 & C A paz

L5
Senhor Jesus Cristo, tu disseste aos teus apóstolos: Delxo-vos a paz; minha paz vos dou. Não olhes para os nossos pecados, mas para a fé da tua Igreja. Para que se cumpra tua vontade, concede-nos sempre essa paz e guia-nos em direção à perfeita unidade do teu Reino, para sempre.

C Amém.

L5 A paz do Senhor seja sempre com vocês.

C E também com você.

L5 Demos uns aos outros um sinal de reconciliação e paz. (Presentes compartilham um sinal da paz.)

Canto: Santo, Santo, Santo

(Missa Salvadorenha — só estribilho)

Comunhão

(Pão e vinho são levados aos grupos pelas pessoas da Equipe de Liturgia. Cada grupo recebe um prato com um pedaço de pão e um copo cheio de vinho. Também as chamas de papel com as reflexões escritas pelos participantes são distribuídas. Nos grupos as pessoas dividem entre si e consomem o pão e o vinho, e compartiriam as reflexões escritas nas chamas de papel.)

Oração de ação de graças

Em paz oremos ao Senhor: Rendemos-te graças, Deus misericordioso, pela beleza da terra e do mar; pela riqueza das montanhas, planícies e rios; pelo canto dos pássaros e a formosura das flores. Louvamos-te por todas essas boas dádivas e rogamos que possamos preservá-las para a posteridade. Concede-nos que possamos continuar desfrutando com gratidão da abundância da tua criação. Acabamos de provar uma antecipação do banquete que nos preparaste no mundo vindouro. Dá que um dia possa mós participar, todos juntos, na herança dos santos, na luz de tua cidade celestial, por Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhoi, que contigo vive e reina, na unidade do Espírito Santo, um só Deus, pelos séculos dos séculos.

C Amém.

C Canto: Glorificado seja teu nome (Hinos do Povo de Deus, 253)

Encerramento

L6 Avisos

C Oração

(Bênção aaronita pronunciada por todos, em forma de oração, com braços e mãos
levantados.)

L6 Envio

Ide em paz e servi ao Senhor. Demos graças a Deus. (Todos saem da capela cantando Louvai todos os povos.)

3. Comentários

1 — Por motivos de economia, não foi distribuído nenhum material escrito, o que normalmente implica significativas despesas com xerox. Para que os participantes pudessem acompanhar o transcorrer do culto, a estrutura da liturgia foi escrita em cartazes, afixados às cortinas em dois lados da capela. Os textos dos cantos desconhecidos foram projetados na parede com auxílio de um retroprojetor.

2 — Liturgia é ação, é uma comunidade celebrando como um corpo em ação. Por isso, a Equipe de Liturgia se preocupou em providenciar condições para que es se corpo comunitário pudesse se articular. Foi assim que decidimos iniciar o culto com uma procissão. E, pelo mesmo motivo, retiramos as cadeiras da capela, abriu do espaço para a movimentação. Como se pode constatar na descrição da liturgia, em diversos momentos do culto houve ocasião para que a comunidade se movimentasse.

Os L (de Liturgo) seguidos de um número (LI, L2, etc.) indicam as pés soas da Equipe de Liturgia que atuaram na condução do culto. Além da Equipe, duas pessoas estrangeiras colaboraram na recitação das leituras bíblicas, e diversos músicos acompanharam os cantos.

3 — Na Litania do Kyrie, a comunidade cantou um breve Kyrie eleison (ou, na tradução, Tem piedade Senhor) depois de cada súplica proferida pelo/a oficiante. Desta forma se promove, de modo muito significativo, a participação da comunidade, pois, em seu canto, ela faz suas aquelas súplicas. Atualmente há muitas vei soes de Kyrie circulando em nossas comunidades. No nosso caso, optamos pelo Tem piedade Senhor da nova liturgia proposta pelo Conselho de Liturgia da IECLB (Celebrações do Povo de Deus, p. 9).

A Litania do Kyrie foi introduzida na liturgia do Ocidente por volta do ano de 500. Ela pode muito bem abrigar, já aqui na abertura do culto, a grande oração de intercessão geral da Igreja, que normalmente ocorre no final da Liturgia da Palavra. Foi esta solução que adotamos neste culto.

4 — Louvai todos os povos é um canto proveniente da Comunidade de Taizé, muito conhecido em todo o mundo. Cantamo-lo alternadamente em português, inglês e espanhol, depois de cada leitura.

5 — Nesta parte procuramos recuperar importantes elementos da Liturgia da Eucaristia, que se perderam na esteira da Reforma. No início do culto, o pão (pão caseiro, feito por um dos membros da Equipe de Liturgia) e o vinho encontravam-se sobre uma mesa, na entrada da capela. Neste momento, pessoas sentadas nas proximidades foram solicitadas a trazê-los à mesa do altar. Em seguida, todos os participantes do culto levantaram-se dos seus lugares e trouxeram suas ofertas à mesa do altar. Eram ofertas em dinheiro e em espécie (alimentos e roupas), depois destinados aos acampados de Capela (RS). O que não coube sobre o altar foi colocado no chão.

lentou-se, com isso, recuperar a noção original do ofertório: assim como trazemos o pão e o vinho, frutos do labor humano, para que Deus os use em benefício das pessoas, no sacramento da Ceia, assim trazemos a nós mesmos e nossa oferta em dinheiro e em bens naturais, para que Deus a use para o benefício de outras pessoas.

Com as ofertas, foram trazidas ao altar também as chamas de papel sobre as quais foram escritas as reflexões de cada um a partir dos textos bíblicos e sua interpretação. Também essas reflexões são expressões de nós mesmos e fazem parte da oferta que trazemos ao altar.
Durante todo o tempo do preparo e ofertório a comunidade cantou Os cristãos tinham tudo em comum.

No caso do nosso culto, todo o processo do preparo e ofertório foi explicado e coordenado por L3.

6 — Da antiga oração eucarística a liturgia atualmente em uso na IECLB conservou apenas o prefácio. O resgate da oração eucarística é de fundamental importância, para que se recupere em nossa Igreja o sentido que a Igreja Antiga deu à eucaristia, e para que se corrijam distorções na maneira de compreender e celebrar a Ceia, atualmente na IECLB.

Desde os mais remotos primórdios da Igreja cristã, a oração eucarística desdobra a memória de Cristo, narrando e louvando, em oração. A oração eucarística tem, como elementos importantes, o agradecimento e o louvor por aquilo que Deus fez e continua fazendo por seu povo. Esse agradecimento culmina na reatualização da vida, sofrimento, morte e ressurreição de Jesus (anamnese). Desta reatualização agradecida faz parte a repetição do relato da última ceia, que Jesus celebrou com seus discípulos (o relato de instituição). A reatualização agradecida da história de Jesus desemboca na súplica pelo Espírito Santo (epiclese). A oração eucarística é encerrada com o pedido por consumação do reino de Deus e um louvor (doxologia). (Esta breve explicação da oração eucarística baseia-se em Karl-Heinrich Bieritz, Im Blickpunkt: Gottesdienst, 2. ed. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1987, pp. 74 e 75.)

A oração eucarística utilizada no nosso culto de Pentecostes procede do só culo II e é uma das opções sugeridas na nova liturgia proposta pelo Conselho tio Liturgia da IECLB (Celebrações do Povo de Deus, p. 86).

No caso do nosso culto, a oração eucarística foi proferida por toda a comuni dade, que seguia, frase por frase, a recitação de L4. Este, por sua vez, ergueu o pão e o vinho à vista de todos, nos momentos apropriados.

4. Resumo da pregação

Introdução

1. Ao contrário de outras datas e comemorações cristãs, como Natal, a Semana Santa e o Domingo de Páscoa, nossa cultura não incorporou a Festa de Pentecostes. Nós dizemos Feliz Natal! e Feliz Páscoa!, mas não fazemos o mesmo com Pentecostes. Isso significa, para o bem ou para o mal, que nós, cristãos, temos que explicitar o sentido de Pentecostes sem o auxílio da cultura.

2. Que sentido daremos a esta festa que a tradição nos legou? Que sentido daremos a esta data que a Igreja entende como sua data de nascimento?

Pistas bíblicas e pistas de nossa vida

1. O texto de Gênesis 11 se associa com Pentecostes porque nos apresenta um Pentecostes ao contrário. Os poderosos, fascinados com seu domínio e preocupados por sua segurança, encaminham um projeto faraônico: a construção da cidade e da torre de Babel. Seu projeto termina na confusão e na dispersão do género humano. É um projeto que mereceu a condenação de Deus.

2. A história de Génesis 11 retrata uma verdade sobre as babéis de todos os tempos. A unidade construída em favor da dominação e a segurança de uns poucos é uma unidade anti-humana, anti-vida, anti-comunicação. A história conhece muitos desses projetos. Quantas babéis têm sido levantadas e a que custo humano! As construções do Egito, da Babilónia, de Roma; a Grande Muralha da China, o Canal do Panamá, Itaipu.

3. E o que dizer das torres de Babel na América Latina hoje? O sistema financeiro internacional, os sistemas militares, o lucro que está por trás da destruição do meio ambiente, o machismo, o racismo… Estes são parte do nosso anti-Pentecostes.

4. Atos 2 apresenta a narração de Pentecostes: o Espírito Santo vem sobre a comunidade de seguidores do Messias crucificado. Os símbolos (vento, fogo, ruído, chamas) nos dizem que somos testemunhas da presença plena de Deus. A presença de Deus penetra toda esta cena. No batismo de Jesus havia a nuvem, a voz, a pomba. Agora, em Pentecostes, no batismo da comunidade, tudo aumenta. Há um aumento de volume, um aumento em intensidade e calor, um aumento em termos de distribuição da dádiva que é derramada.

5. Assim como o Espírito ungiu e confirmou a vida e a missão de Jesus, ressuscitando-o, assim agora o Espírito unge e confirma a vida e missão da comunidade. Jesus e a comunidade fazem parte de um mesmo movimento. Neste movimento, o Espírito torna-se o vínculo entre o Senhor crucificado e aqueles/as que lhe pertencem; o Espírito une ao Senhor crucificado a nova comunidade e a nova humanidade.

6. As línguas de fogo se transformam em línguas humanas, em palavras. O Espírito faz um poderoso sinal anti-Babel. Dá-se o milagre da comunicação: palavras são comunicadas e entendidas.

7. Quero deter-me um pouco neste milagre da comunicação — e não é pouca coisa.

— Paulo Freire nos ensinou a importância que tem a palavra para a nossa cons¬ciência, identidade e dignidade, enfim, para a nossa humanização.

— Ao longo da história, os poderosos compreenderam muito bem o poder da palavra. Por isso, procuraram tirá-la: dos negros escravos no Brasil; dos povos centro-americanos, semeando a desinformação sobre a Nicarágua.

— Dizer nossa palavra é um passo em direção à articulação de inter-relações justas; por exemplo, no caso das mulheres, dos países da periferia, dos diferentes grupos étnicos e raciais.

— A comemoração dos 500 anos do descobrimento da América, em 1992, oferece uma boa oportunidade para que a palavra de muitos seja dita.

8. Pentecostes: o Espírito gesta a comunicação do evangelho de Jesus Cristo; a comunicação a serviço da vida.

Pentecostes ainda não é tudo; ainda não é a glória; ainda não é a plenitude de todas as coisas em Cristo.

Pentecostes é um perfil. Lá onde se compartilha a mensagem da paixão do Deus crucificado — lá celebra-se Pentecostes, lá celebra-se um perfil da intenção de Deus.

Neste ponto foram mencionados pela pregadora (uma pastora luterana da Costa Rica) diversos fatos do seu campo de trabalho e da América Central, nos quais foi e é possível experimentar que Pentecostes continua acontecendo.

Que Deus nos conceda a graça de celebrar muitos Pentecostes!
Amém.

Conclusão

Finalizando, a pregadora convidou os presentes a refletirem sobre Onde vemos sinais de Pentecostes hoje? — e a escreverem seus pensamentos sobre as chamas de papel.