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Prédica: Mateus 22.23-33
Autor: Günter Wolff
Data Litúrgica: Dia de Finados
Data da Pregação: 02/11/1983
Proclamar Libertação – Volume: VIII


I — Contexto

Os caps. 22 e 23 são discussões de Jesus com os fariseus, saduceus, escribas e herodianos. Os acontecimentos relatados nestes caps. ocorrem em Jerusalém. Mostram-nos as divergências de Jesus com esses grupos. O texto anterior — a questão do tributo — mostra claramente a luta de Jesus contra os romanos, herodianos e fariseus. Aqui, os fariseus se aliaram aos herodianos, os quais apoiavam totalmente o domínio romano, o que os primeiros normalmente não faziam.

Os evangelhos nos transmitem estes textos para nos mostrar que estes grupos não tinham uma alternativa libertadora para o povo.

Os fariseus organizaram o povo após a volta do exilio na Babilônia; foi também nesta época que se organizaram como grupo. Em torno da exigência da observância da lei, eles conseguiram proteger o povo das influências externas, gregas e romanas. Mas foi uma organização de cima para baixo e não de baixo para cima. Assim, começaram a controlar a consciência do povo.

Os herodianos eram totalmente a favor dos romanos, na expectativa de sobrar um pouco de poder e dinheiro também para eles. Aproveitavam-se da opressão romana para viver bem.

Os escribas eram um grupo independente, que tinha monopolizado a interpretação da lei; eram teólogos e juristas, ao mesmo tempo. Eram muito respeitados pelo seu saber, mesmo não tendo riquezas.

Os saduceus eram um grupo que defendia uma certa classe, a aristocracia, e tinha uma teologia particular. Este grupo fundia os interesses de sua classe (rica) com um certo tipo de convicção religiosa. O nome do grupo provavelmente significa: estar praticando justiça. O grupo surgiu entre 100 a 200 a.C. Os membros eram escolhidos apenas dos círculos aristocráticos. Por isso eles defendiam os interesses da classe rica e estavam preocupados em assegurar o poder ao seu grupo. Pactuavam com os invasores romanos e tinham representantes em altos cargos. Os sumos sacerdotes era saduceus, e o grupo tinha grande peso no Sinédrio. Politicamente estavam empenhados em moderar e amainar a oposição do povo judeu contra os romanos.

Os saduceus foram vigorosos defensores da validade da lei. Interpretavam as Escrituras literalmente e rejeitavam todas as tradições orais. Se Lucas diz, em At 23.6ss, que eles não aceitavam a existência da ressurreição, nem de anjos e espíritos, então isso mostra o seu espirito conservador. Tais coisas eram por eles consideradas como inovações, uma vez que não estavam em conformidade com as Escrituras. Toda a sua religiosidade se limitava à vida terrena. Para eles, Deus premia e castiga aqui, nesta vida terrena, e todo o infrator da lei deve ser logo punido. Eram rígidos nas aplicações das penas. Em assuntos de culto e observância do sábado, eram mais rigorosos que os fariseus. O grupo não tinha uma esperança pela vinda do Reino. As suas esperanças estavam concentradas nesta vida e àquilo que ela tinha a lhes oferecer. Os saduceus do Sinédrio, juntamente com outros grupos que o Integravam, promoveram a crucificação de Jesus.

Em At 23.6ss, nos é mostrada a rivalidade entre fariseus e saduceus por motivos teológicos. A diferença clara entre fariseus e saduceus é que os últimos perseguiam nitidamente objetivos políticos que favorecessem principalmente a sua classe, enquanto que os primeiros criam na ressurreição. Em sua maioria, os saduceus eram latifundiários. Algumas décadas antes de Jesus, começou a colonização da Galileia. A motivação aparente para tal era levar ao pessoal de lá, que era considerado gentio, a fé judaica. Mas, na verdade, eram as terras férteis que estavam sendo cobiçadas. Assim se formaram lá os latifúndios, e estes eram saduceus. Isto está bem de acordo com a sua teologia: aqui na terra se recebe e se paga tudo, por isso, o negócio é viver bem. Esse é um bom motivo para não se crer na ressurreição e na vinda do Reino de Deus.

II — Texto

No texto anterior, os fariseus põem Jesus frente a um problema político, o que é mais da área dos saduceus. Neste texto, os saduceus – põem Jesus frente a um problema teológico o, que poderia ter sido feito pelos fariseus. Aqui se nos mostra que, para combater Jesus, os grupos se fundem no mesmo intento. Mateus, já de início, diz que os saduceus não criam na ressurreição, para mostrar a sua má intenção ao perguntar. Apresentam a Jesus um caso distorcido, previsto nas Escrituras. Este caso do levirato tinha a intenção de evitar pulverização da herança e de assegurar a continuidade da família. Isto está escrito em Dt 25.5-10. O texto de Deuteronômio não está preocupado com a ressurreição e, por isso, não se pode usá-lo para divagar em torno dele. O erro dos saduceus é pensar que, após a ressurreição (na qual não creem), a vida continuará sendo a mesma. Isto incluiria a existência de classes e costumes. A intenção da pergunta é fazer pouco caso da crença na ressurreição dos fariseus e, ao mesmo tempo, colocar Jesus em situação desagradável.

Jesus deixa claro, de saída, que eles estão incorrendo num erro teológico. Após a ressurreição, haverá a transformação total e a sociedade não se assemelhará a esta. Só precisamos nos lembrar de Ap 21.1-5. O que os saduceus não entendem é que, com a ressurreição, acontecerá o Reino de Deus em sua forma plena. E o Reino não é individual, como eles propõem no exemplo da mulher. O acontecimento da ressurreição não está ligado somente ao individual, mas é um acontecimento coletivo. Ap 21 diz: Vi novo céu e nova terra… não haverá dor, nem pranto, nem luto, nem morte… Eis que faço novas todas as coisas. (Ap 21.3. 4, 5) No Reino em sua forma plena, não haverá uma continuação desta sociedade classista que os saduceus defendem. Eles partem do princípio individualista: aqui tudo se paga e tudo se recebe. Eles não entendem que a ressurreição é o final do processo de formação do Reino de Deus, que inicia aqui, nesta vida. Em 1 Co 15.35ss, Paulo mostra esta transformação que ocorrerá com a ressurreição, usando o exemplo da semente que se planta, a fim de que se transforme num novo corpo, que continuará vivendo.

As esperanças dos saduceus estavam dirigidas apenas para esta vida, e, por isso, era necessário gozar o que ela oferecia, não importando que estes benefícios viessem à custa dos outros. Desde que as suas atitudes não saíssem dos limites das leis do Pentateuco, a sua consciência estava limpa.

No v.32, Jesus relembra a atuação de Javé na história de Israel, através dos patriarcas. E esta atuação sempre estava ligada aos marginalizados e oprimidos. Esta atuação deveria questionar os saduceus, que eram a elite opressora do povo, tanto em relação ao templo, quanto à vida econômica. Era algo normal saber da existência dos patriarcas (cf. Mt 8.11; Lc 16.22ss; Jo 8.56ss). Por isso, Jesus usa este exemplo, para dizer que Deus é Deus de vivos, e não de mortos. Pois Deus está aí para aqueles que nele crêem (crer significa: viver conforme a fé) Para os que não crêem num Deus que age na história, num Deus que age através dos oprimidos, transformando a história, cuja transformação última é a ressurreição, para estes, Deus está morto do mesmo, nem existe. E como os saduceus não tinham esperança escatológica, a ressurreição não os preocupava. A sua prática dirigia-se apenas ao presente, à aplicação correta da lei. E quem se preocupa apenas com a lei não se pode preocupar com a transformação da sociedade, pois para isto seriam necessárias novas leis e costumes. No AT, a não ser em escritos recentes, não se fala de uma vida após a morte.

O contato de Jesus com os saduceus só se deu no fim de sua missão, quando ele estava em Jerusalém. Ali residia a maioria dos saduceus, ligados ao templo, ou donos de latifúndios residentes na capital. A primeira comunidade cristã também teve, logo de início, seu choque com este grupo (cf. At 4.1; 5.17; 23.6ss). Foram também pessoas deste grupo que prenderam Pedro e Paulo. Este contato de Jesus com a elite só no fim de sua vida mostra claramente com quem Jesus andava. Não se preocupava com a elite, apenas a combatia, e era por ela combatido.

Poderíamos estruturar o texto da seguinte forma:

V. 23 — introdução;
Vv. 24-28 — apresentação do problema;
Vv. 29-30 — argumentação de Jesus sobre o não conhecimento das Escrituras e do poder de Deus;
Vv. 31-32 — argumento do AT;
V. 33 — final.

Por que os saduceus não conhecem as Escrituras?

O que os saduceus estão ignorando, ou querem ignorar?

Como conhecedores e cumpridores da lei, deveriam saber do intento de Deus em formar uma sociedade igualitária com o povo de Israel. Lv 25; Ex 16; Dt 17.14ss são alguns exemplos de leis, através das quais se procurava evitar que houvesse desigualdade e exploração entre o povo. Os saduceus, como elite latifundiária, não eram um bom exemplo do cumprimento destas leis que visavam a igualdade. Latifúndio é um sinal de desrespeito a Lv 25; encostar-se no poder romano não condiz com Dt 17. Os textos apresentados são claros em nos mostrar o desrespeito das leis por parte dos saduceus. Todo o espírito libertador que está contido no Pentateuco era desconsiderado por eles, pelo simples fato de serem a elite opressora do povo.

Eles não conhecem o poder de Deus, pois a vida após a ressurreição não será uma continuação da vida anterior, mas será algo totalmente novo. Se fosse continuação, nada haveria de novo, e as injustiças passariam desta vida para a outra. Todo o sistema sócio-econômico-cultural seria igual, após a ressurreição. O novo é exatamente que isso não será assim, como é agora. As pessoas serão como anjos, quer dizer, totalmente libertas e subordinadas à vontade divina. Lucas fala da ressurreição dos justos, ou os tornados justos (Lc 14.14). Quem ressuscitará serão os justos, ou os tornados justos através da fé.

“A ressurreição é a manifestação da justiça em favor dos que se entregam para restabelecer a justiça que Deus quer (Cf: Sb 1). — Se os saduceus acreditassem na ressurreição, estariam aceitando a reivindicação popular por justiça, e estariam aceitando ser questionados em sua posição de poder. Além do mais, eram obrigados a reduzir o Deus tradicional a um simples deus de mortos, sem julgamento, e sem a vida no mundo da ressurreição. Eles só queriam acreditar nesta vida, porque aqui são os senhores da situação, sem julgamento algum! Jesus, porém, mostra que Deus fará justiça em favor dos pobres, e que o Deus verdadeiro é o Deus dos vivos. Por ai, ele questiona e tira a legitimação do poder que os saduceus queriam manter a todo custo. O Deus dos vivos é que realiza a justiça, e restitui a vida aos justos com a ressurreição (Mt 25.46; Dn 12.1-4). (Gorgulho e Anderson p. 204)

III — Prédica

Lanço ideias que podem ser usadas e desenvolvidas na prédica.

Deve-se explicar que os saduceus eram a elite sacerdotal e latifundiária, e que não criam na ressurreição. O julgamento, segundo eles, acontecia aqui. Por isso eram rígidos e intransigentes nos julgamentos e no que diz respeito às leis. Para eles, os homens são julgados pelos homens, segundo a Tora. Se cressem na ressurreição, então teriam que se submeter ao julgamento de Deus, e, neste, eles estariam em apuros. Admitir que há ressurreição é admitir um julgamento por parte de Deus, e não dos homens somente. Lc 14.14 fala em ressurreição dos justos, e isto significa que pessoas podem ser excluídas da ressurreição.

Os saduceus, além de dizer que a vida termina na morte, não crêem no Reino de Deus, pois a sua interpretação da sociedade é estática e imutável, como as leis. O Reino, no entanto, é transformação constante do homem e da sociedade, até a transformação última na ressurreição. A mensagem do Reino requer que eles deixem de ser opressores

Deve-se abordar, também, o v.29: a questão do não conhecimento das Escrituras e do poder de Deus. Os saduceus ignoravam que as próprias leis do Pentateuco requerem a transformação constante em direção a uma sociedade igualitária (Lv 25; Dt 17; Ex 16). Para os saduceus, convinha a ideia de a sociedade ser algo estático e imutável, pois eram sacerdotes e latifundiários que exploravam o povo. A sua vivência não lhes permitia crer na ressurreição, pois isto requereria uma transformação em sua maneira de ser. O poder de Deus é exatamente a transformação total da vida terrena e da vida após a morte. A ressurreição quer exatamente o que os saduceus não querem: transformar totalmente o homem. Ela é o nivelamento por igual de todas as pessoas. No julgamento final por parte de Deus, todos são iguais: pecadores. As desigualdades terrenas, que aqui são mérito, lá não o são. Aqui ser rico e opressor é algo bem visto. Diante de Deus. isto leva à condenação.

A proposta dos saduceus está em oposição à de Jesus. Os saduceus defendem o status quo. Jesus quer mudá-lo. Os saduceus se agarram àquilo que juntaram, agarram-se às leis, que eles entendem como imutabilidade da sociedade. Jesus prega o desprender-se dos bens e das leis imutáveis e estáticas. Prega o lutar pela transformação final — a ressurreição —, onde as pessoas serão totalmente justas. Aqui, por enquanto, mesmo lutando em favor do Reino, as pessoas são, ao mesmo tempo, justas e pecadoras. Para os saduceus, as pessoas já aqui são justas, desde que obedeçam às leis. Para Jesus, entretanto, quem luta pela renovação total, aqui, nesta vida terrena, participará, também, nesta renovação total após a morte.

No dia de Finados, nós nos reunimos para refletir sobre a nossa esperança. Essa esperança nos une na luta do dia-a-dia, em busca do Reino. A ressurreição é o sinal de que a opressão, que nos mata gradativamente nesta vida, não nos consegue aniquilar totalmente. Ela é resposta de Deus ao sistema de morte vigente neste mundo. O poder de Deus se evidencia no fato de que a morte não triunfa, mesmo que ela pareça vencer a vida, quando uma pessoa falece. A ressurreição acontece como sinal do triunfo de Deus. Isto se viu muito bem em Jesus: a opressão judaico-romana tentou aniquilar o Reino de Deus, ao crucificá-lo. Mas, com a sua ressureição, Deus mostrou a esperança da mensagem do Reino, que é a vida. E esta vida ninguém aniquila.

Ressurreição é a mensagem da vida que triunfa sobre a morte. Ela nos mostra que, por mais que o queira, o sistema opressivo instalado na sociedade não consegue aniquilar o Reino de Deus, pois este continua a manifestar-se, mesmo após a morte corporal da pessoa. E isto faz com que os vivos continuem a lutar pelo Reino. E um círculo que não tem fim.

Na prática, os saduceus eram ateus, mesmo que teoricamente cressem em Deus. O mesmo acontece hoje em dia, quando muitas pessoas dizem crer em Deus, mas, na prática, mostram o contrário. Hoje, o próprio sistema opressor usa a fé cristã para legitimar-se, e fomenta a fé num Deus estático.

IV — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Senhor, estamos aqui reunidos como tua comunidade. Essa comunidade confessa, agora, diante de ti que tem dificuldades em levar adiante a mensagem de esperança que há na ressurreição. Vivemos frequentemente como se não houvesse ressurreição. Achamos, que temos que julgar as pessoas. Achamos que os outros têm que ser iguais a nós. Oprimimos os irmãos, esquecendo, assim, a mensagem libertadora do Reino de Deus. Dizemos alto a todos que somos cristãos e que cremos em Deus, mas nossos negócios mostram que exploramos e somos injustos com os outros. Na prática, fazemos questão que haja desigualdade, e agimos como se não houvesse um julgamento de Deus. Temos que confessar que o julgamento dos homens nos é mais importante que o julgamento de Deus. Temos que confessar que nos aliamos à opressão que procura aniquilar a vida, mesmo sabendo que a tua mensagem quer a vida e não a morte. Por tudo isto te pedimos: Tem piedade de nós, Senhor.

2. Oração de coleta: Senhor, reúne os nossos pensamentos ao redor da tua mensagem. Ela anuncia a vida, a vida plena, tanto aqui, quanto após a morte. Inspira-nos, através do Espirito Santo, para podermos viver esta mensagem de esperança na prática. Dá-nos força, para que a nossa ação neste mundo espelhe a fé de que todas as formas de morte não conseguem subsistir diante do teu poder, que gera vida nova. Amém.

3. Assuntos para a oração final: interceder pelas famílias que estão enlutadas, pelos doentes, pelos que sofrem, pelos que são oprimidos e mortos gradativamente; pedir a força de Deus para anunciarmos a todos eles que as formas de morte, nas quais se encontram, são superadas na ressurreição; pedir que Deus ilumine os governantes, para que lutem pela vida e pela justiça; para que se deixem guiar pela mensagem de vida do Reino de Deus.

V — Bibliografia

– BRAKEMEIER, G. O mundo contemporâneo do Novo Testamento. São Leopoldo, 1971 (polígrafo).
– GNILKA, J. Das Evangelium nach Markus. In: Evangelisch-katholischer Kommentar zum Neuen Testament. Vol 2/1. Neukirchen-VIuyn, 1979.
– GORGULHO, G. e ANDERSON, A. A justiça dos pobres — Mateus. São Paulo, 1981.
– GRUNDMANN, W. Das Evangelium nach Markus. In: Theologischer Handkommentar zum Neuen Testament. Vol. 2. 6. ed. Berlin, 1973.
– _____. Das Evangelium nach Matthäus In: Theologischer Handkommentar zum Neuen Testament. Vol. 1. 4. ed. Berlin, 1975.
– LOHMEYER, E. Das Evangelium das Markus. In: Kritisch-exegetischer Kommentar über das Neue Testament. Vol. 1/2. 17. ed. Göttingen, 1967.
– MESTERS, C. Jesus Cristo: como viveu na Palestina, e como vive no meio de nós. s. d. (polígrafo).
– MEYER, R. SADDOUKAIOS. In: Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament. Vol. 7. Stuttgart, 1964.
– SCHWEIZER, E. Das Evangelium nach Markus. In: Das Neue Testament Deutsch. Vol. 1. Göttingen, 1976.