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PASTORAL

Porque nenhum de nós vive para si mesmo, nem morre para si, Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos, somos do Senhor. Foi precisamente para esse fim que Cristo morreu e ressurgiu; para ser Senhor, tanto de mortos como de vivos. Tu, porém, por que julgas a teu irmão? e tu, porque desprezas o teu? pois todos compareceremos perante o tribunal de Deus. Como está escrito: Por minha vida, diz o Senhor, diante de mim se dobrará todo joelho, e toda língua dará louvores a Deus. Assim, pois, cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus. Não nos julguemos mais uns aos outros; pelo contrário, tomai o propósito de não pordes tropeço ou escândalo ao vosso irmão. – (Romanos 14.7-13) 

Na Igreja de Jesus Cristo sempre existiu variedade, diversidade de opiniões, e isso vai continuar a ser assim. Até deve continuar a existir a variedade, diversidade de pensamento e expressão. Porque Deus não é ditador. E a Igreja também não é ditadura. Pelo contrário: a vida dos cristãos tem um lema que se chama liberdade. É livremente que nos reunimos para o culto. Livremente amamos a Deus. Livremente servimos ao irmão. 

Mas é justamente na hora de amar e servir que nossa liberdade corre o seu maior perigo, o maior risco. Porque cada um ama e serve a seu modo. Cada um recebeu dádivas diferentes. E por isso o modo de viver nossa liberdade de cristãos muda de pessoa para pessoa. O perigo aparece no momento em que um acha que o outro deve pensar e agir exatamente como ele. Quer dizer: a liberdade dos cristãos fica ameaçada no instante em que um começa a julgar o outro, no momento em que a Igreja deixa de ser família para se transformar em tribunal. 

É claro que ninguém é tão perfeito que não possa ser criticado. Pelo contrário: a verdadeira crítica sempre constrói. A verdadeira crítica sempre corrige, aperfeiçoa, melhora as coisas. A verdadeira crítica é um serviço que um irmão presta ao outro. E, portanto, verdadeira crítica é uma questão de amor. Quem não ama também não sabe criticar. Só sabe julgar. Acontece que julgamento é uma coisa que só cabe a Deus. O grave, em todo e qualquer julgamento humano, não é apenas o fato de que a gente possa se enganar. Muito mais grave é o fato de que o homem julgador — está se colocando no lugar que compete a Deus somente. Isso é o que torna problemático e perigoso o julgamento humano. Isso é o que, às vezes, torna ligeiramente ridículos alguns julgamentos. 

Um exemplo que mostra até onde isso vai (— o pastor para não pisar nos calos de ninguém). Se a prédica se prolonga — esqueceu de desligar o long-play. Se fala alto para todos entenderem — só sabe berrar. Se fala normal — ninguém consegue entender. Se faz convites e apelos para uma festa — é mundano. Se corta o cabelo — é quadrado. Se visita alguém e faz certas perguntas — está se metendo onde não é chamado. Se pede uma contribuição — só sabe falar em dinheiro. Se o culto começa pontualmente — seu relógio está adiantado. Se o culto dura mais de uma hora — está atrasando todo mundo. Se é moço — ainda não tem experiência. Se é velho — devia tratar de se aposentar. Se vai embora — aquilo é que era pastor! Se morre — coitado, era tão bom homem… 

Esse exemplo mostra que justamente a variedade de pontos de vista torna impossível, para os homens, a capacidade de julgar definitivamente quem quer que seja. (Tiradentes! D. Pedro ! !). Mas ainda não chegamos ao motivo principal. Versículos 7 e 9. Isso significa que a liberdade cristã não se resume em coisas permitidas ou proibidas, não cabe apenas em regulamentos. 

O Senhor dos mortos e dos vivos, o Senhor sobre a morte e a vida é quem nos deu a liberdade, a variedade, o direito de escolher a maneira de amar e servir e dar testemunho. É a esse Senhor que cada um vai dar contas de si mesmo, um dia. Ninguém precisa organizar desde já, um tribunal na assembleia dos irmãos. O tribunal dos cristãos fica em outro lugar: a presença de Deus. 

No entanto, essa presença de Deus, em nossa vida, já lembra um outro problema da liberdade. 

Alguns pensam, às vezes, que a liberdade dos cristãos é o mesmo que não dar contas a ninguém. É o contrário da atitude dos julgadores. São os que acham que vale tudo, que a vida é minha. 

Ninguém vive para si mesmo! A vida em liberdade, que Cristo nos deu, é a vida de cada um para o irmão, é a vida dedicada à justiça, à paz, à alegria entre todos (não só para cada um!). A medida de nossa fé não se reduz a coisas permitidas ou proibidas — mas essa medida aparece no modo como me relaciono com os irmãos. Por que é que não podemos julgar o irmão? E por que não podemos desprezar o irmão, vivenda como se os outros não existissem?
Porque Cristo morreu por meu irmão, assim como morreu por mim! 

Por isso, as diferenças e variedades de opinião e de testemunho nunca podem ser mais importantes do que a comunhão dos irmãos, a comunhão entre irmãos. 

A comunhão na liberdade — a esperança tropeços, escândalos?) 

A esperança — o julgamento (nossa imperfeição geral). 

O julgamento — o louvor (11) — obra do Cristo. 

Não julgar — porque somos todos devedores perdoados. 

(Igreja Central — 26-6-72)

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 [Prédica publicada também em: Irreverência, compromisso e liberdade. O testemunho ecumênico do pastor breno Arno Schumann (1939-1973). Escola Superior de Teologia e Koinonia. Presença Ecumênica e Serviço, 2004,p. 101-103.]