Na segunda-feira, dia 10 de junho, foi o dia do pastor; o dia da ministra e do ministro eclesiástico. Foi bom receber palavras carinhosas das nossas diretorias e dos nossos presbitérios.
Mas daí veio a terça-feira dia 11, na qual todas e todos colegas dos sínodos Norte Catarinense e Vale do Itajaí iniciariam sua participação numa atualização teológica intersinodal, no Centro de Eventos da IECLB em Rodeio 12 (SC).
O tema prometia: Lutero e a Teologia da Cruz. O nosso preparo para o evento dependia da leitura do livro “O Deus Escandaloso – O Uso e o Abuso da Cruz”. A obra, traduzida para o português e publicada pela Editora Sinodal em 2008, é densa, mas com os pés na realidade. Seu autor, o pastor Dr. Vítor Westhelle, seria nosso assessor. Estávamos ansiosos para ouvir o professor de Teologia, um dos mais reconhecidos teólogos da atualidade oriundos da IECLB.
Como espinhos – De repente o professor de Teologia Sistemática na Escola Luterana de Teologia de Chicago (EUA) e também professor da Faculdades EST se fez presente ali, no nosso meio. Dele ouvimos que Lutero foi uma pessoa muito presente entremeio aos assuntos que aconteciam no chão onde pisava; que o nosso Reformador não cria, por exemplo, que Deus o havia elegido para uma missão especial; que, em vista disso, ele sempre tentava viver a liberdade do Evangelho movido pela responsabilidade que a sua razão e sua consciência demandavam. Quer dizer, a sua “cruz” foi a perseguição imposta pela própria Igreja; pela política da época e pelo domínio do capitalismo financeiro.
Aquelas palavras introdutórias mexiam conosco. Todos queriam ouvir, crescer para dentro desse assunto tão vital para nossa IECLB. Westhelle disse que o ato de assumir a Cruz de Cristo implicava em batalhar contra o sofrimento; arrancar as máscaras das propostas ideológicas que não constroem o Reino de Deus; revelar a crise existente nos contextos onde vivemos.
Deixou claro que se quisermos nos deixar marcar pelo “escândalo da cruz”, só teremos um caminho a seguir: “Sendo espinhos nos estatutos da razão”. Como fazer isso? Ora, possibilitando voz às vítimas do sistema; possibilitando mais vida àquelas e àqueles que vivem à margem. Para o nosso assessor uma pessoa só é teóloga quando é capaz de enxergar as coisas invisíveis através das que são visíveis. Para Lutero, essas coisas invisíveis só se tornavam perceptíveis para a pessoa que passasse pelo sofrimento da cruz.
Nas cruzes do mundo – Pausas eram necessárias. Todo aquele conteúdo precisava ser digerido. É o que fazíamos, enquanto entabulávamos diálogos com nossas parceiras e com nossos parceiros de caminhada na Igreja. Mal podíamos esperar pelo término dos momentos de folga.
Veio a noite e, junto com ela, o dia 12, dia dos namorados. O nosso colega Vitor não foi romântico. Só se articula a Teologia da Cruz a partir das pessoas crucificadas. Quem quiser se envolver com esta Teologia vai ter que ser honesto; respeitar o mundo; não se calar diante dos clamores que brotam no meio do povo; se envolver com as cruzes cotidianas dos contextos vivenciados, explicou Westhelle.
Nesse momento uma colega ousou reagir àquelas palavras: “Pastor, o senhor acabou de dizer que Teologia da Cruz se resume em ir; diagnosticar a dor; focar o problema vivido; não dar as costas para as más circunstâncias; falar a verdade, tentar interferir no sistema, sair do limite… Se agirmos assim, não experimentaremos mais descanso!”
“É – concordou Westhelle –, o Reino de Deus já é agora; é adjacente; acontece do nosso lado. Até podemos ignorá-lo, se quisermos. O fato é que Jesus se via nas ‘cruzes’ do mundo. A sua vida terrena, do seu nascimento até sua morte, só faz sentido se for percebida pela ótica da Cruz”.
Lembrem-se da estrebaria, das moscas e do esterco em meio aos quais Jesus veio ao mundo. Lembrem-se das mulheres e dos homens marginais, das pessoas doentes, das possuídas e também das despossuídas com as quais ele se envolvia. Lembrem-se da morte física e moral que varre o registro da existência, de um Jesus morto na cruz, que não é só uma passagem, mas um Deus exposto e nu, desmascarado e tornado um pedaço de carne exibido para execração pública, emendou o teólogo. Vai por aí a ótica da Cruz e é aqui que ela é escandalosa; e é exatamente aqui, na sua mais completa morte e derrota, que ela se torna plenamente presente no nosso mundo de morte e dor.
“A Ressurreição só se faz acontecer para as pessoas que passam pelas pequenas mortes; pela morte do nosso dia-a-dia”, pondera Vítor. Como crescer para dentro desta compreensão? Ora, “contemplando o mistério da vida com profundidade; com comprometimento; com verdade; com justiça e com solidariedade. Sim, porque Cristo está mais perto de cada coisa do que cada coisa está de si mesma, conforme Lutero”, pondera.
Vida na cruz – O tempo passou, lamentavelmente. Era hora da despedida, mas ainda tínhamos o prazer de ouvir mais pérolas: “Para Lutero – disse Westhelle – a Igreja tem essas marcas: a Palavra, o Batismo, a Confissão, a Santa Ceia, o Culto e a Cruz (o Sofrimento).”
A Cruz é a última marca da Igreja, a mais importante para o nosso Reformador. Ela, a Cruz, induz-nos a sermos quem nós somos dentro do mundo. Se Deus preza o ócio como o maior serviço que se pode prestar a Ele, então o domingo é o momento desse ócio; de não se fazer negócio. É nele, no domingo, no momento do ócio, que a Igreja se cria sem o nosso mérito… Foi isso o que aconteceu com as mulheres que, ainda na Sexta-feira Santa, foram comprar ervas com o intuito de respeitar o sábado. Foi no domingo, no dia que iam entrar em contato com um cadáver, que veio a surpresa: libertação, festa, nova vida, Igreja!
Em seu livro, Westhelle deixa claro que a cruz não deve nos manter presos à morte, ao derrotismo e ao lamento pelo fato de que, com a tragédia superada, o sepulcro “está vazio”. A cruz “tem que nos levar em esperança a perceber que um poder transformador está atuante inclusive em meio a uma derrota completa, um poder que cria mesmo a partir do nada. Um cadáver é ressuscitado e é atestado como o ‘penhor’ ou as ‘primícias’ de que corpos serão ressuscitados e que, por Jesus ter sido ressuscitado, ressurreições – e insurreições – são possíveis. Esse é o lado manifesto da ressurreição: a crença de que Deus criou e continua a criar a partir do nada”.
A nossa Atualização Teológica tinha chegado ao fim. Celebramos o nosso Culto com Santa Ceia e, depois, confraternizamos. Daí então cada uma; cada um de nós voltou para sua casa; sua Comunidade. Não éramos mais as mesmas pessoas…