Proclamar Libertação – Volume 35
Prédica: 1 Tessalonicenses 5.1-11
Leituras: Juízes 4.1-7 e Mateus 25.14-30
Autora: Helga R. Pfannenüller
Data Litúrgica: 22o Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 13/11/2011
O penúltimo domingo do ano eclesiástico tem como tema a escatologia – a vinda do Senhor e a postura das pessoas nesse tempo de espera. As leituras
propostas para esse domingo têm em comum a vigilância e o preparo para o dia do juízo.
Mateus 25.14-30 conta a parábola dos talentos. Mostra que o dia do Senhor pode demorar (tardar), mas chegará inesperadamente para o ajuste de contas entre Deus e os seres humanos. Nesse dia, o Senhor nos perguntará o que fizemos durante o tempo que ele nos concedeu com os talentos que ele nos confiou.
1 Tessalonicenses 5.1-11 acentua: não importa o dia em que o Senhor voltará, mas importa que, quando o Senhor vier, ele encontre seus fiéis sóbrios e vigilantes. Mas o que significa, afinal, estar sóbrio e vigilante?
Em Juízes 4.1-7, a tarefa da vigilância pode significar ações bem concretas da vida cotidiana. Elas requerem a participação e a liderança de homens e mulheres dispostos a servir.
Existe certa controvérsia entre os exegetas acerca do texto em questão ter sido obra do apóstolo Paulo ou um acréscimo posterior (algum autor do círculo de Lucas). Isso se deve ao fato de que os capítulos 4 e 5 mostram intenções opostas. Enquanto no cap. 4 se fala de “uma espera ansiosa” pelo Senhor – indicando a iminência de sua volta –, parece que no cap. 5 a crença no fim muito próximo enfraqueceu consideravelmente.
O v. 1 mostra que há uma incerteza por parte da comunidade tessalonicense quanto à data da última vinda do Senhor. A pergunta quanto “aos tempos e às épocas” em que isso aconteceria foi feita a Timóteo quando esse visitou a igreja de Tessalônica (FERREIRA, p. 95). No entanto, ao invés de uma data definitiva para a parusia, Paulo responde a essa pergunta fazendo uso de imagens. Primeiramente surge a figura de um ladrão que chega no meio da noite quando os donos da casa menos esperam (v. 2), acentuando o inesperado, o imprevisto, o incalculável. O tom ameaçador dessa imagem aparece claramente no v. 3, onde a mesma ideia varia: “o dia do Senhor” é anunciado como um destino trágico (“repentina destruição”). A comparação com as contrações do parto de uma grávida enfatiza a falta de escapatória e reforça assim a ameaça. Essas imagens, assim como em Apocalipse, têm a função de mostrar o fim dos tempos como um tribunal do qual ninguém escapa. É interessante observar que as duas figuras (tanto a imagem do ladrão que vem no meio da noite como a da mulher grávida que sente as dores do parto) não dizem nada sobre o quando, mas sobre o como acontecerá a vinda do Senhor (parusia).
Entretanto, segundo Rolf Christiansen (p. 244), os destinatários dessa explicação não são as irmãs e irmãos do v. 1, mas os representantes de uma corrente gnóstica que proclamava a segurança da salvação. Uma vez que para esse grupo a salvação já estava garantida, seus adeptos não viam mais importância na parusia, pois não havia mais nada a esperar do futuro. Por isso sua palavra de ordem era “paz e segurança” (v. 3). Nesse sentido, o v. 2 tem uma função crítica e rejeita um mal-entendido fundamental do evangelho. Pois “aqueles que se escondem em falsas seguranças e paz, ignorando a importância de assumir os apelos do evangelho, incessantemente serão pegos, inadvertidamente, sendo que a parusia será o começo das aflições” (FERREIRA, p. 96).
Se os v. 1-3 trazem consigo um sentido crítico e um tom polêmico, nos v. 4-10 Paulo expõe seu próprio evangelho. Com duas frases indicativas ele fala à comunidade (“Mas vós, irmãos, não estais em trevas”, v. 4; “porquanto vós todos sois filhos da luz e filhos do dia”, v. 5), na qual ele mesmo se inclui numa terceira frase: “nós não somos da noite nem das trevas” (v. 5).
No v. 4, “dia” contém inteiramente o mesmo acento escatológico do v. 2 (cf. também 1Co 1.8ss). A mesma ideia aparece em Romanos 13.11-14, um claro texto paralelo à nossa perícope. Aqui “tempo” (kairós) designa a era escatológica, em que os “filhos da luz” são aqueles que foram libertados do mundo mau e do império das trevas e por isso tomam parte desde agora no reino de Deus e de seu Filho (Cl 1.13) e já são cidadãos dos céus (Fp 3.20) – uma condição que determina e dirige todo o ser e o viver da pessoa cristã (cf. nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém sobre Romanos 13.11-14).
Quando Paulo usa a formulação “vocês são os filhos da luz” (v. 5), ele provavelmente se refere à comunidade das pessoas batizadas e das dádivas da salvação que essas receberam através do Batismo. De acordo com E. Fuchs (citado por R. Christiansen, p. 245), a terminologia luz-trevas, respectivamente dia- noite, vem do linguajar batismal. Os/as batizados/as “são” da luz e do dia, ou seja, pertencem “a nosso Senhor Jesus Cristo” (v. 9). Para Paulo, os “filhos da luz” e do “dia” são as pessoas tornadas, através do Batismo, filhos e filhas de Deus, são pessoas escatológicas, ou seja, novas criaturas de Deus.
Nesse sentido, a escuridão é uma esfera passageira reprimida pela luz. As palavras “trevas e noite” remetem à condição daquelas/es que vivem afastadas/os de Deus e das/os irmãs/os. Para os tessalonicenses, no entanto, isso não deve ser motivo de preocupação, pois Paulo os relembra de sua condição: “Não somos da noite nem das trevas”. Por isso não importa saber “os tempos nem as épocas” da vinda do Ressuscitado. Mas a preocupação com o futuro deve dar lugar ao reconhecimento da presença de Jesus como realidade presente já e agora na vida das/ os batizadas/os. Isso significa perceber que não é preciso esperar o futuro para ver o dia do Senhor, mas descobrir que essa já é uma realidade presente na vida dos filhos e filhas da luz aqui e agora.
Os v. 6-8 apresentam-se como uma pequena parênese batismal. “Vigiar e ser sóbrio” é uma terminologia da exortação batismal. O v. 8 está repleto de linguagem batismal, como em Romanos 13.11-14; Gálatas 3.27; Colossenses 3.9-14; Efésios 6.10-19 e 1 Pedro 1.13. O que isso significa?
A consequência prática é que quem vive na luz do Ressuscitado torna-se também luz. Assim, a comunidade de Jesus Cristo é o reino da luz, lugar de gente acordada, atenta, empenhada e comprometida. “O acontecimento da salvação deixa para os batizados, primeiro, um novo nome – eles se chamam Filhos da Luz e do Dia – e coloca-os em vigilância e sobriedade e garante a eles o mesmo futuro que Jesus vive” (E. Fuchs).
A esperança da fé tem como alvo a comunhão eterna com o Senhor: “vivem com Ele” (v. 10b). Em outras palavras, o “viver em união com Cristo” significa “já”, aqui e agora, testemunhá-lo decididamente. “O fim (vinda do Senhor) tem sempre uma ligação com o presente (testemunho comunitário)” (FERREIRA, p. 96).
Diante da pergunta pelo fim dos tempos, a preocupação de Paulo quando escreve aos irmãos e irmãs de Tessalônica é de caráter poimênico. Seu objetivo principal não é ensinar. Por isso o que ele tem a dizer sobre o futuro de Deus não é nenhum projeto a respeito do fim do mundo, nenhum tratado teológico, mas visa pastoralmente seus leitores e leitoras. Ele quer que eles se consolem (5.11), admoestem (5.12) e edifiquem-se (5.11) mutuamente.
Também hoje em dia vive-se em aflição em relação ao futuro. Em muitos aspectos, o futuro tem feições apocalípticas: a perspectiva de destruição global é concreta/real (guerra nuclear, catástrofes naturais como o efeito estufa etc). As reações a isso diferem: desde apatia, fuga da realidade (também mediante os mais diferenciados tipos de drogas e vícios) ou até mesmo o ativismo exagerado (dentro e fora da igreja). Por um lado, diz-se que estamos destruindo a terra, por outro, somos chamados a salvá-la. Isso gera uma sobrecarga nas pessoas.
O texto lembra que o futuro de Deus não é feito com o que nós produzimos. É Deus mesmo que o prepara e nos oferece a possibilidade de participar dele. Nesse tempo de espera, o texto destaca dois pontos-chave:
a) “Vós sois filhos da luz e do dia”
Esse não é um conhecimento empírico, mas uma afirmação teológica. Isso a gente não consegue perceber olhando dentro de nós mesmos. É preciso que alguém de fora nos diga isso e que nos entreguemos em fé e confiança a essa verdade.
Quando olhamos dentro de nós mesmos e ao nosso redor, frequentemente nos deparamos com noite e escuridão. Sempre de novo experimentamos que a escuridão nos agarra, que as sombras se lançam sobre nosso coração e nossa mente e nos deparamos com caminhos escuros, que não possibilitam nenhum futuro.
Contra essa experiência de vida o texto faz uma afirmação ousada: “Vós sois filhos da luz e do dia”. Isso significa que nossos caminhos não terminam na escuridão e nossa vida não está destinada à ruína ou à perdição, mas a um viver “em união com ele”.
Somos filhas e filhos da luz porque, em Jesus, a luz de Deus iluminou nossa existência. Através de Jesus Cristo sabemos então quem nós somos e a quem pertencemos. Nós temos o nosso lugar junto a Deus, porque nós pertencemos àquele que já assumiu seu lugar junto dele. E pelo fato de sabermos quem somos e a quem pertencemos (essa é a certeza da salvação), nossa vida e nosso futuro não precisam nos angustiar. Pois Deus quer cuidar dos dois.
Paulo busca animar a comunidade a viver diante da incerteza do dia da salvação e a olhar com esperança para o futuro de Deus, ao invés de elaborar teorias sobre ele. No texto, a certeza da salvação é contraposta a uma segurança da salvação. A segurança da salvação conduz a um modo de vida tranquilo e acomodado. Já dentro da perspectiva da certeza da salvação, a pergunta quanto ao futuro é substituída pela pergunta pela existência escatológica no presente.
O que significa tal existência escatológica no presente ilustra muito bem o reformador Martim Lutero:
Ainda que a pessoa seja suficientemente justificada interiormente, segundo o Espírito, por meio da fé, tendo tudo o que precisa ter (…) até a vida futura – ainda assim a pessoa permanece na vida mortal sobre a terra, na qual é necessário que ela governe seu próprio corpo e lide com pessoas. Aqui agora começam as boas obras; aqui não se deve ficar ocioso; aqui por certo há que se cuidar para que o corpo seja exercitado com jejuns, vigílias, trabalhos e outras disciplinas moderadas e seja subordinado ao Espírito, para que obedeça e seja conforme à pessoa interior e à fé, não se rebele contra ela ou a impeça, quando é de sua índole quando não coibida.
(Tratado de Martim Lutero sobre a liberdade cristã em Obras Selecionadas, p. 447).
É isso que a parênese do texto enfatiza: o novo ser dos batizados e das batizadas (a nova existência) pode ser perdido se ele não corresponder a um novo modo de vida.
b) “Assim, pois, vigiemos e sejamos sóbrios”
Quem coloca o futuro nas mãos de Deus não precisa elaborar teorias sobre ele, nem participar dos esquemas e tabelas que calculam com precisão a data do fim do mundo com suas consequências e seus estragos.
Diante da pergunta pelo fim dos tempos, é preciso lembrar que não somos fugitivos nem prisioneiros deste mundo, não olhamos fixamente para o chão nem perdemos nosso olhar para o infinito vazio. Mas, porque o nosso lugar é junto de Deus, por isso nós pertencemos, enquanto nós vivermos, totalmente a esta terra e a este mundo.
Sobre quem são e o que fazem (ou como fazem) os vigilantes e os sóbrios hoje, recomendo a leitura do artigo escrito por Albérico Baeske em Proclamar Libertação v. IX, p. 293-294.
Algumas imagens ilustrativas:
Conta-se que, na Alemanha, por volta de 1836, uma certa irmandade esperava ansiosamente a volta de Cristo. Por causa disso alguns deles desistiram
de casar, outros deixaram de trabalhar. Contra isso um dos irmãos protestou: “Irmãos, se eu tenho a certeza de que o Salvador vem e ainda tenho que plantar uma árvore, então planto a árvore antes, e quando uma telha falta, então antes ela também precisa ser trocada”.
Uma outra história do mesmo círculo – Uma criança pergunta ao pai: “Você sempre diz que o anticristo vai chegar logo! Então por que você não desiste de ficar arrancando o inço?”. “Sim, meu filho” – responde o pai – “e se nós soubéssemos que o anticristo viria já amanhã, então ainda hoje teríamos que trabalhar com zelo. O Senhor exige de nós fidelidade e que nós comamos o nosso pão com o suor de nosso rosto.”
Conta-se ainda que Lutero, quando perguntado a respeito do fim do mundo, teria dito: “Se eu soubesse que o mundo terminaria amanhã, então ainda hoje
plantaria uma macieira”.
Oração de coleta:
Querido Senhor e Deus, desperta-nos para que estejamos preparados quando o teu Filho vier, para que o recebamos com alegria e te sirvamos com coração puro. É por isso que te pedimos por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo, teu Filho, que contigo e com o Espírito Santo vive e reina para sempre. (Martim Lutero em: Querido Deus, coletânea de orações, p. 50)
A história das cidades:
Qualquer cidade tem algo de Babel,
a cidade na qual as pessoas tentaram alcançar o céu através do sucesso.
Qualquer cidade tem algo de Sodoma e Gomorra, as cidades pervertidas que foram extintas. Qualquer cidade tem algo de Babilônia,
a cidade que seduzia nações e que foi extinta. Qualquer cidade tem algo de Nínive,
a cidade que ouviu a pregação de Jonas e que se arrependeu. Qualquer cidade tem algo de Jerusalém,
a cidade que matou profetas e mensageiros de Deus. Qualquer cidade tem algo de Atenas,
a cidade cheia de ídolos.
Qualquer cidade tem algo de Tessalônica,
a cidade na qual habitavam pessoas que se tornaram modelo para todos os
crentes, testemunhando a palavra para uma vasta região.
Oração:
Amado Senhor, nós todos ansiamos pela cidade santa, a nova Jerusalém, na qual não haverá mais lágrimas nem lamentos, porque o Cordeiro de Deus nela
governa; na qual não haverá mais dores nem morte, porque nela se encontra a morada de Deus; na qual não haverá mais velhas ordens, porque tu fazes tudo novo; na qual não haverá mais noite, porque tua glória ilumina a cidade; na qual as portas não serão cerradas, porque não haverá mais medo e escuridão; na qual os risos cristalinos da vida correm pela cidade áurea e na qual a árvore da vida produz frutos o ano inteiro.
Nós não sabemos quando a nova Jerusalém será realidade para nós. No entretempo, Senhor, queiras abençoar nossos pequenos e grandes esforços em
nossas cidades – de criar miniaturas da nova Jerusalém. Ajuda-nos a lutar contra tudo o que impede a aceitação da cidade de Deus na terra. Amém.
(Johnson Gnanabaranam em: Senhor, renova-me, p. 82-83)
CHRISTIANSEN, Rolf. Meditação sobre 1Ts 5.1-11. In: Neuer Calwer Predigthilfen, V. 6B, Stuttgart, p. 243-250, 1984.
FERREIRA, J. A. Primeira Epístola aos Tessalonicenses: A Igreja surge como esperança dos oprimidos. São Bernardo do Campo, 1991.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).