A Liberdade Cristã
P. Dr. Leandro Hofstätter
No ano de 1520 Lutero publica um artigo (em alemão e em latim) intitulado “Acerca da liberdade da pessoa cristã”. Neste texto Lutero desenvolve a tese de que em uma mesma pessoa existem duas realidades que, apesar de não a dividirem, fazem diferença na sua vida: a pessoa espiritual e a pessoa corporal. E isso não quer dizer uma separação entre corpo e alma, mas sim precisamente: A PESSOA DIANTE DE DEUS E A PESSOA DIANTE DO MUNDO E DE SI MESMA. E é justamente a pessoa diante de Deus – coram deus em latim – que vai definir como esta pessoa se encontra diante do mundo, dos outros e de si mesma. Ora, o contexto de Lutero era marcado por uma Igreja Católica Romana avarenta, que pensava e vivia mais diante do mundo do que diante de Deus. Por isso, as suas ações não tinham nada a ver com a pregação do Evangelho, mas sim em arrecadar fundos que dessem mais poder ao Papa e aos seus comparsas, Arcebispos e bispos, em resumo, todo o clero. Para conseguir isso usavam o medo como método pedagógico e a morte na fogueira como punição. De repente, um monge lá do interior da Alemanha ousa dizer o seguinte, depois de ler as escrituras:
O cristão é SENHOR sobre tudo e não deve se sujeitar a ninguém – pela FÉ.
O cristão é SERVO de todos e a tudo deve se sujeitar – pelo AMOR.
Imaginem vocês como foi bombástica essa expressão dentro de uma Igreja que pregava que os cristãos deveriam pagar por cadeiras no céu; deveriam pagar para fazer peregrinações; pagar para ver as relíquias dos santos e dos apóstolos; pagar para receber os sacramentos! Uma Igreja que pregava que era através daquilo que o cristão fizesse para a igreja que ele seria ou não salvo. Se ele não fizesse o que a Igreja pregasse ele iria para o purgatório ou para o inferno. E Lutero ousou dizer:
Quem não tem fé, mesmo tendo tudo em relação ao mundo, não tem nada.
Quem tem fé, mesmo não tendo nada em relação ao mundo, tem tudo.
Diante de Deus, não há barganha: se eu orar, Deus vai me amar; se eu for na Igreja várias vezes, Ele vai me aceitar, se eu der muito dinheiro para a igreja eu serei parte do seu povo; se eu fizer isto ou aquilo, eu serei aceito! Não há esse “SE” em relação a Deus. Até pode haver em relação ao mundo e as pessoas, pois nós fazemos as coisas e exigimos algo em troca: amamos, mas só se a outra pessoa nos amar; ajudamos, mas só se os outros também nos ajudarem; fazemos um favor, mas esperamos outro em troca. E Lutero afirmava: é somente pela fé que a pessoa é livre, pois houve a troca maravilhosa: Cristo assumiu os meus pecados e me deu a sua santidade. E esta liberdade transforma a pessoa, realizando a obra de Deus nela. A partir de então sua relação com o mundo, com os outros e consigo mesma passa por uma metanóia e tudo é visto pelos olhos de Deus, tudo mesmo: alegrias, sofrimentos, até mesmo as coisas que ela não entende. Não precisa mais garantir nada, tudo já está garantido pela fé em Cristo. Assim, diante do mundo eu sou livre para trabalhar e cuidar da natureza; diante do próximo eu sou devedor por amor, pois recebi de Deus o dom de amar e por isso eu vou amá-lo e ajudá-lo no que for preciso; diante de mim mesmo não preciso mais provar que sou bom, merecedor, pois Deus me mostrou o pecado e a minha vontade que nem sempre quer o bem para o mundo, para com os outros e para comigo mesmo. Por isso tenho humildade para me agarrar a Cristo que me livrou do mundo, dos outros e de mim mesmo, fazendo com que a tentação de sempre provar que eu sou merecedor perecesse com o velho homem afogado no Batismo.
Por que será que esta liberdade é tão difícil de ser entendida, quanto mais vivida? Por que os pastores, os membros da Igreja da época de Lutero lutavam por reconhecimento, por poder? Por que tinham o prazer em ver os outros caírem, aos quais na verdade deviam amor, e ainda ficavam contentes com a sua desgraça? Por que tinham este tipo de atitude, justamente dentro da igreja? Qualquer semelhança com a igreja de hoje é mera coincidência!
A liberdade para a qual Cristo nos libertou é interpretada por Lutero da seguinte forma:
Liberdade do pecado: as obras ou qualquer barganha não salvam. Cristo salva!
Liberdade verdadeira gera uma servidão: quem é liberto do pecado é escravo do bem e do amor! Essa é a inevitável conseqüência da liberdade cristã!
Liberdade das estruturas: sejam elas da igreja ou da sociedade. Não são elas que tem o dizer, mas Deus é senhor do mundo. Não são elas que salvam, mas o Deus que desceu aos pecadores. A cada vez que as estruturas (Igreja ou Sociedade) se rebelarem contra Deus, querendo tomar o Seu lugar, REFORMA nelas! Pois elas devem servir ao ser humano para que ele possa servir aos demais. Elas devem se prostrar perante a Palavra e a Ela responder.
E é aqui que começa o nosso problema. A gente achou que era fácil! Mas não é! O nosso problema é algo prático, envolve decisão, tanto tua como minha: liberdade cristã traz em si conseqüências. Estamos nós dispostos a encará-las?