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Proclamar Libertação – Volume 37
Prédica: Lucas 11.1-12
Leituras: Gênesis 18.20-32 e Colossenses 2.6-15 (16-19)
Autor: Evandro Jair Meurer
Data Litúrgica: 10º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 28/07/2013

 

1. Introdução

O texto de Lucas 11.1-13 já foi contemplado nos PL 23, p. 145, e 29, p. 223; o de Lucas 11.5-13, no PL 6, p. 184. As distintas delimitações do texto em anos anteriores apontam para um mesmo enfoque: não tanto o aspecto do aprender/ ensinar a orar (v. 1-4), mas sim a questão da insistência na oração e o aspecto dela ser ouvida e atendida por Deus (o bom Amigo, o bom Pai). Para comparar, a versão do Pai-Nosso em Mateus (6.9-13) é antecedida pelo tema da oração hipócrita de quem ora só para aparecer (6. 5-6) e da questão das vãs repetições (6.7-8) e sucedida pelo tema do perdão (6.14-15). A questão da insistência e da garantia de atendimento pelo Pai aparece só no capítulo seguinte (Mt 7.7-11). Cito isso tanto para indicar que em outros volumes também se podem encontrar subsídios sobre a versão de Mateus (PL 2, p. 57; 14, p. 247; 6, p. 53; e 8, p. 192) como para apontar que tais subdivisões textuais são indicativos de enfoques temáticos possíveis.

Nesse sentido, os textos de leitura auxiliarão (ou não) de acordo com o enfoque que dermos à pregação. Caso se opte por abordar mais detalhadamente os temas presentes nos v. 5-13, o texto de Gênesis 18.20-32, que trata do insistente pedido de Abraão por Sodoma, contribui como unidade temática. Já o texto de Colossenses 2.6-15 será mais adequado como leitura bíblica complementar para o enfoque que estou propondo, qual seja, os v. 1-4. A união com Cristo propagada por Paulo tem tudo a ver com o discípulo que pede a seu mestre que o ensine a orar (v. 1).

 

2. Exegese

A estrutura do texto é simples:

v. 1 – O pedido do discípulo;

v. 2-4 – O padrão de oração ensinado por Jesus;

v. 5-12 – A motivação para a oração.

Surpreendeu-me e inquietou-me o detalhe exclusivo registrado pelo evangelista Lucas de que, em certa ocasião, quando os discípulos observavam que Jesus estava orando num certo lugar, um (anônimo) de seus discípulos lhe pediu: “Senhor, nos ensina (!) a orar, como (!) João ensinou (!) os discípulos dele” (v. 1). Um aspecto fascinante dessa passagem é que esse é o único momento relatado nos evangelhos em que Jesus foi convidado a ensinar sobre o tema específico da oração.

De forma semelhante, chama atenção que as Escrituras não registram nenhuma indicação de como João ensinou seus discípulos a orar. Contudo, o interessante sobre o pedido é que se confirma que os discípulos já sabiam orar. O povo judeu era um povo de oração. Muitos tinham sido ensinados a orar desde a infância. Talvez até pela prática observada dos pais, como por exemplo nas orações diárias em diferentes momentos do dia (de manhã, de noite, nas refeições): orações que expressavam a grandeza de Deus, especialmente nas manifestações da natureza (tempestades, mares, montanhas, rios e desertos); orações para quando as coisas corriam bem e orações para tempos de dificuldade e dor. Isso tudo especialmente a partir do livro dos Salmos.

Assim, à luz do testemunho de que João e Jesus ensinaram seus discípulos a orar, torna-se relevante a constatação de que a oração faz parte do processo de ensino-aprendizagem, faz parte do discipulado, faz parte do processo de educação cristã contínua. Defendemos que esse processo é condição para a edificação de uma igreja viva. Por isso minha proposta é não entrar na questão específica da oração, e sim na questão do discipulado.

Havia nos tempos bíblicos um movimento de discipulado e uma relação intensa entre mestre e discípulo. Evidencia-se no v. 1 que João Batista tinha discípulos (cf. Jo 1.35-42) e que ele os havia ensinado a orar. Jesus, por sua vez, também tinha discípulos, e um deles pediu que ele os ensinasse a orar. Além disso, sabe-se que até os fariseus tinham discípulos que oravam e jejuavam (Lc 5.33). Ou seja, o v. 1 constata que os discípulos de Jesus sabem sobre o ensino que João passou a seus discípulos sobre oração, mesmo que não tenhamos nenhuma informação ou registro sobre esse orar de João. Fica evidente que os discípulos de Jesus gostaram da ideia e da prática dos discípulos de João e por isso pediram que Jesus, como seu Mestre, os ensinasse a orar. Ou seja, a educação contínua andava às soltas nos tempos anteriores ao cristianismo. O processo de ensino-aprendizagem da fé andava a galope. Com certeza, os discípulos que procuravam seguir seu mestre levavam a sério o que haviam herdado da prática dos antigos (Dt 6.7), dos sábios (Pv 22.6) e agora de João Batista e de Jesus (Lc 11.1). Confirma-se assim que o evangelista Lucas foi o que melhor reconheceu em Jesus o ministério do ensinar ao lado do ministério do fazer (At 1.1).

O discipulado implicava ouvir e viver o que o mestre falava e praticava (Lc 3.3;7.22). E isso incluía o batismo (Lc 3.7), ações concretas (Lc 3.10-11), além de orações e jejuns (Lc 5.33; 7.33). A fidelidade dos discípulos de João Batista a seu mestre, por exemplo, iniciou no rio Jordão (Lc 3.3) e estendeu-se até Éfeso (At 19.1-7). Sobre a forma como João ensinou seus discípulos a orar não há registros nas Escrituras. Mas como Jesus ensinou – em palavras e na prática – há diversos exemplos. Jesus inaugura uma nova prática de discipulado, que inicia com a inversão da forma de adesão. Era comum que o discípulo escolhesse o seu mestre. Jesus, ao contrário, é quem chama e vocaciona os seus discípulos (Lc 5.1-11). Esse discipulado culmina com a radicalidade do seguimento: a cruz (Lc 9.23; 14.27).

Em um nível mais profundo, o desejo dos discípulos de aprender a orar veio quando eles viram Jesus em oração. Eles perceberam desde o início que Jesus era diferente dos outros rabinos. Eles estavam observando e aprendendo que sua vida de oração era o coração de seu ministério e sua fonte de poder. Sua conexão com Deus era real e íntima, e eles queriam saber o segredo desse tipo de oração. Se Jesus passasse apenas um pouco do que ele sabia, eles sabiam que suas vidas seriam transformadas. Eles já conheciam algumas orações. Agora eles queriam amadurecer no discipulado. Eles queriam saber o caminho realmente certo não só para a oração, mas para o seguimento do mestre, para a missão.

Comparado a outros evangelhos, o Evangelho de Lucas dá forte ênfase à oração. Há até quem o chame de “o evangelho da oração” (Plummer). A vida de oração que caracteriza Jesus caracteriza também os discípulos nos relatos de Atos dos Apóstolos (4.31; 6.6; 8.15; 9.11,40; 10.2; 10.9; 12.12; 13.3; 14.23; 16.25; 20.36; 21.5; 22.17; 28.8). Lucas está lançando as bases para que a comunhão constante com Deus em oração seja uma marca do discipulado de Cristo.

 

3. Meditação

O discipulado inclui aprender e ensinar a orar Jesus estava orando num certo lugar. Nosso Senhor estava tomando um tempo para a oração, como sempre fazia. Os discípulos puderam observar essa “temporada de oração”. Aparentemente, eles perceberam que, assim como a oração teve um papel vital na vida de João Batista, também tem na vida de Jesus e, por isso, deve ser algo importante para a sua própria vida. Algumas coisas chamam atenção nesse contexto:

1 – Jesus conhecia o poder de um bom exemplo e que o exemplo é mais forte do que um discurso: Não é por acaso que o discípulo pediu a Jesus para ensiná-los a orar logo após Jesus ter reservado um tempo para sua própria oração. A vida de oração de nosso Senhor levou o discípulo a pedir-lhe para ensiná-los a fazer o mesmo. Como é fácil pedir a quem tenha demonstrado algo na prática poder compartilhar com os outros essa experiência.

2 – A questão da oração não é levantada por Jesus, mas o sujeito do pedido é um dos discípulos: Por quê? Creio que foi porque o Senhor queria que os discípulos buscassem por eles mesmos descobrir o quanto a oração é importante. Creio que Jesus estava pronto e disposto a ensinar sobre a oração, mas somente quando os discípulos estivessem prontos e desejosos de aprender. A motivação para o aprendizado é maior quando o aluno pede ao professor para ensinar.

3 – O discípulo pede a Jesus para ensiná-los a orar porque reconhece suas áreas de limite, ignorância e inexperiência: Os evangelhos não nos informam sobre a vida de oração dos discípulos ou que eles tenham sido caracterizados como pessoas de oração. Pelo contrário, até mesmo em seu último momento com o Mestre, no jardim do Getsêmani, os discípulos cochilaram durante a vigília de oração (Mt 26.40). O pedido desse discípulo era uma admissão aberta de que a oração não era apenas necessária, mas também uma deficiência em sua vida e nas vidas de seus companheiros. A capacidade de aprender começa com a capacidade de admitir a ignorância no assunto e expressar o desejo de aprender.

Constatamos que João Batista ensinou seus discípulos a orar, e, como resultado, os discípulos de Jesus também tiveram interesse em aprender a orar, ou pelo menos um deles teve. Mas o mais importante foi o desejo de um discipulado permanente com o Mestre. Nesse sentido, talvez ali estava apenas iniciando um processo em que, na sequência, os discípulos aprenderiam que:

Jesus orou pelos outros (Mt 19.13; Jo 17.9): Isso ressalta a necessidade da oração de intercessão.

Jesus orou sozinho (Lc 5.16): Às vezes, é importante para nós estarmos diante de Deus, e a única maneira de fazer isso, especialmente em nossa cultura agitada, é fazê-lo a sós com Deus.

Jesus orou com os outros (Lc 9.28): Jesus também sabia o valor da oração com os outros, como foi experimentado pelos primeiros cristãos (At 1.14).

Jesus orou na natureza (Lc 6.12): Qual o melhor lugar para comungar com o nosso Criador do que entre as maravilhas da natureza? Ele poderia ter ido a uma casa, uma sinagoga ou, se Ele estivesse em Jerusalém, ele poderia ter ido ao templo para orar. Mas houve momentos em que Jesus tomou a decisão de orar onde Ele estava, o que muitas vezes aconteceu junto à natureza.

Jesus teve breves, mas também longos períodos de oração (Lc 6.12): Nós também precisamos ser capazes de oferecer orações curtas, bem como dedicar longos períodos de nossas vidas à oração.

Jesus orava com regularidade (Lc 5.16): Ao longo dos evangelhos, lemos seguidamente sobre Jesus e a oração. Ela era parte de sua visão de mundo, integrada em todos os aspectos de sua vida. Podemos dizer o mesmo sobre a oração em nossa vida?

As orações de Jesus eram sinceras (Jo 17): Jesus não orou de uma maneira fria e distante, mas de maneira sincera, demonstrando empatia e genuíno amor a Deus. Ele orava por si mesmo, por seus discípulos imediatos e por todos os crentes.

Jesus orou com base em seu conhecimento de Deus e suas verdades (Jo 4.24; 8.32): As orações de Jesus eram baseadas em verdades reveladas por Deus e, como tais, estavam alinhadas com uma visão bíblica das coisas. Oração própria exige que tenhamos uma compreensão verdadeira de Deus e do que Ele nos revelou através da sua Palavra.

Jesus ensinou persistência na oração (Lc 18.1): A parábola partilhada aqui por Jesus pretende ensinar sobre a persistência na oração e sobre o esperar em Deus e pelo seu tempo.

Jesus sabia que nem todas as suas orações seriam respondidas como esperado (Mt 26.36-44): Essa é uma lição difícil de aprender, mas o fato é que nem todas as nossas orações são respondidas da maneira como esperamos. Oração sem resposta é um desafio para a vida cristã e mereceria uma abordagem especial em outra pregação.

 

4. Imagens para a prédica

1 – Nesta reflexão bíblica sobre Lucas 11.1, fiquei me perguntando: “O que me foi ensinado e o que tenho aprendido sobre oração? O que estou ensinando e o que as pessoas estão aprendendo de mim sobre o ora et labora? E mais: o que tenho eu a aprender ainda mais sobre orar? Num desses raros finais de tarde curitibanos, com “céu de brigadeiro” (como aprendi a chamar aqui em Curitiba quando o céu está azul e sem nuvens), recebemos a visita de nossa vizinha e sua filha. Estávamos tomando aquele tradicional chimarrão com pipoca. “Eu não tenho o hábito de tomar chimarrão, mas a filha está aprendendo a tomar chimarrão com a avó”, desculpou-se nossa vizinha, quando ensaiei encher-lhe uma cuia. E diante da frase da mãe, não hesitei em dizer: “Então espera aí que eu vou buscar uma coisa”. Voltei trazendo meu miniconjunto de chaleira, cuia e bomba, que guardo de lembrança de minha infância. “Nesta cuia, o tio já bebeu e a nossa filha e o nosso filho também, quando nós éramos pequenos como você”, disse de peito estufado e, como é do meu perfil, emocionado.

Essa vivência me fez refletir e avaliar meus processos de ensino/aprendizado/ discipulado que exerço em casa, na vizinhança, no ministério pastoral. Será que estou conseguindo também ensinar a orar? Queira Deus, da mesma forma, que eu tenha lhe passado um pouco sobre oração e ação como parte da vida. E assim estejamos nós acrescentando algo na vida de nossos vizinhos/as, amigos/as (e inimigos/as) e membros de comunidades sobre como orar e sobre tantos outros temas importantes do processo contínuo de educação cristã, que Deus realiza em cada pessoa.

2 – Ultimamente, tenho me automonitorado como pai e perguntado o que tenho ensinado e deixado a meus dois filhos. Em cada um observei uma coisa diferente nas duas últimas semanas: a filha, que reside no estado de São Paulo, visitou-nos e encomendou um presente: uma cuia e uma bomba de chimarrão. Como pai, fiquei todo orgulhoso de que a filha estava preservando e cultivando as tradições de nossa terra natal. O filho, nas duas últimas semanas, vestiu sua camiseta do time de futebol pelo qual meu pai torcia quando vivo, pelo qual eu torço e agora meu filho torce, sem perder um jogo, mesmo morando a 750 km do estádio. Como pai, fiquei todo orgulhoso de que o filho estava preservando a tradição esportiva da família. Mas então comecei a me perguntar se minha filha e meu filho estavam seguindo, com a mesma intensidade, meus ensinamentos de fé e de vida cristã e tendo a mim como referência no discipulado e na oração.

 

5. Subsídios litúrgicos

Quem sabe, antes ou depois da pregação, com um fundo musical do tipo “Luar do Sertão”, alguém possa entrar na igreja caracterizado de caipira e declamar o poema abaixo. Caso não seja possível, o/a pastor/a poderia, do púlpito, vestir um chapéu de palha e do seu jeito declamar os versos. Se tiver os recursos de multimídia, você encontrará diversas formatações no Youtube para baixar e projetar.

A que mais gostei foi uma com a interpretação de Sílvio Matos(http:// www.youtube.com/watch?v=UWBNXzOGTys).

Oração do Matuto (Fátima Irene Pinto)

Ói Deus,
Nóis tá sempre pedindo as coisas pro Sinhô.
Nóis pede dinhero,
nóis pede trabaio,
nóis pede pra chovê,
e se chove demais, nóis pede pra pará
mode a coiêta num afetá.
Nóis pede amo,
nóis pede pra casá,
pede casa pra morá,
nóis pede saúde,
nóis pede proteção,
nóis pede paiz,
nóis pede pra dislindá os nó
quando as coisa se comprica
mode a vida corrê mió.
Quando as coisa aperta,
nós reza, pedindo tudo que nos farta.
É uma pedição sem fim
e se as coisa dá certo, nóis vai na igreja mais perto
e no pé de argum santo que seja de devoção
nóis dexa sempre uns merréis
e lá nos cofre da frente
nóis coloca mais uns tostão.
Mais hoje, Meu Sinhô, me bateu uma coisa isquisita
e eu me puis a matutá.
Nóis pede, pede e pede,
mas nóis nunca pergunta
comé que o Sinhô tá,
se tá triste ou contente,
se precisa darguma coisa
que a gente possa ajudá
e por esse esquecimento
o Sinhô há de nos descurpá.
Ói Deus, nóis sempre pensa
que o Sinhô não precisa de nada.
Mais tarvêz não seja assim,
tarvêz o Sinhô precisa de mim
sim … o Sinhô precisa, sim
precisa da minha bondade,
precisa da minha alegria,
precisa da minha caridade
no trato com meus irmão.
Nóis semo o seu espêio,
nóis semo a sua Criação,
nóis num pode fazê feio
nem ficá fazendo rodeio,
nem desapontá o Sinhô
nem amargá o seu sonho,
que foi um sonho de amor
quando essa terra todinha criô.
Ói Deus, eu prometo:
Vou rezá de outro jeito,
vou pará com a pedição
de trocá milagre por tostão;
tarvez eu inté peça uma graça,
mas antes eu vô vê direitinho
o que é que andei fazendo de bão,
e se nada de bão eu encontrá,
muito vou me envergonhá
e ainda vô te pedi perdão.

 

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Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).