Proclamar Libertação – Volume 36
Prédica: 2 Pedro 3.8-15a
Leituras: Isaías 40.1-11 e Marcos 1.1-8
Autora: Fabiani Appelt
Data Litúrgica: 2º Domingo de Advento
Data da Pregação: 04/12/2011
O texto de 2 Pedro 3.8-14 já foi refletido em outros três volumes de Proclamar Libertação (17, por Aline Steuer; 23, por Baldur van Kaick; e 25, por Claudete Beise Ulrich). A motivação das duas primeiras reflexões foi o Dia de Finados. A terceira foi para o 2° Domingo de Advento, que também é a motivação para esta reflexão.
As leituras que acompanham 2 Pedro 3.8-15 nesta reflexão (Is 40.1-11 e Mc 1.1-8) são textos que chamam a atenção para a necessidade de preparar o caminho do Senhor. O profeta Isaías fala do poder de Deus. O que acontece quando o sopro de Deus passa sobre a erva? Ela seca, caem as flores. Toda carne é como a erva. O povo é como a erva. Tudo passa, porém a palavra e o poder de Deus permanecem para sempre. O Deus que castiga o pecado também é poderoso para erguer e consolar o pecador. É como o pastor que cuida de suas ovelhas e, quando preciso, carrega-as no colo. O Evangelho de Marcos, por sua vez, traz o anúncio de João. João Batista anuncia aquele que é vida e traz a vida. Quer que nós o acolhamos. Ele prega o arrependimento, a mudança de atitude, enfim, a conversão. Não quer que ninguém perca a oportunidade. Somos chamados para uma esperança ativa que coloca sinais do reino de Deus por onde passa. Assim nos surgem as perguntas: Como estamos nos preparando? Estamos preparando o caminho para o Senhor? Partindo dessas perguntas, queremos meditar sobre o texto de 2 Pedro 3.8-14.
O assunto principal da carta de 2 Pedro é a questão escatológica. Os hereges gnósticos, para os quais aponta o capítulo dois, abandonaram a esperança escatológica. Questionam a veracidade da promessa da vinda de Cristo. Querem saber o que aconteceu com a promessa, visto que os pais já dormiram e tudo continua como sempre foi. O capítulo três aborda a questão colocada no capítulo dois, mostrando que o dia do juízo final não tardará: mesmo que para os seres humanos pareçam mil anos, para Deus é como um dia (v. 8). O texto descreve o que acontecerá no dia do juízo final, quando tudo será consumido pelo fogo. Profetiza também que, na mesma época, as pessoas serão muito irônicas, não darão a mínima para a fé. Em resposta a esse questionamento, o autor defende a escatologia da cristandade primitiva com as palavras de 2 Pedro 3.8-14.
O contexto mostra as circunstâncias da carta: os falsos mestres, quando falam do final dos tempos (2.1), ridicularizam a promessa profética da vinda do Senhor (1.19-21), levando em consideração o aparente atraso. Os apóstolos já haviam morrido, as primeiras gerações cristãs também, e Jesus não havia cumprido a sua promessa de voltar. Por isso, dentro da comunidade cristã, alguns falsos “doutores” andavam zombando da fé dos membros da comunidade (3.4), não só debochando da demora, como também negando a vinda de Cristo. Esses falsos “doutores” atacam a convicção cristã de que Deus tem um projeto para o mundo: realizar o seu reino. Esses doutores negam a convicção de que Deus caminha com seu povo, levando-o a realizar uma sociedade de paz, justiça e fraternidade. Esses doutores dizem que tudo será como sempre foi e está, que nada muda (v. 3.4), que as nossas vidas e mortes não têm sentido. Então, por que se esforçar para ser justo, para lutar pela dignidade e pela paz? Bobagem! Aproveitem-se da vida e dos outros!
A perspectiva divina sobre a passagem do tempo encontra-se a partir do versículo 5 e responde à crítica dos céticos nos versículos 3 e 4. O “atraso” da vinda do Senhor é uma reação humana à forma como Deus concebe o tempo. Uma explicação para o atraso é atribuída ao caráter de um Deus misericordioso. Embora a crueldade da humanidade exigisse ação imediata, Deus detém sua ira justa e adia o julgamento. Deus não é lento para voltar (3.9), mas lento para a cólera e cheio de amor (Êx 34.6). Essa paciência de Deus para com o seu povo visa à sua conversão. O tempo que assim temos permite-nos testemunhar a todas as pessoas que o nosso Deus, o Deus da vida, ama todos e todas, quer vida para todas as pessoas e chama-nos à transformação pessoal e comunitária, essencial à vinda de seu reino.
A volta do Senhor será repentina e inesperada, como a chegada de um ladrão (Lc 12.39). Os crentes ainda confiam na promessa de Deus, apesar dos escarnecedores dizerem que é tempo perdido. Pedro, por sua vez, dá garantia de que uma nova terra habitável surgirá, seguindo a destruição da terra atual. “O Senhor construirá novos céus e nova terra onde habita a justiça” (2Pe 3.13). A justiça ainda não habita aqui, mas ela está sendo preparada pelo perdão dos pecados e pela restauração da vida das pessoas.
Esperava-se a destruição do mundo pelo fogo ou pela água (v. 5-7). Os céus, que são o firmamento, serão desfeitos, se dissolverão e se despedaçarão. Os elementos (possivelmente as estrelas) derreterão nas chamas, e o mundo será posto à prova. Esse é o jeito que o autor usa para caracterizar a profundidade da transformação que Deus propõe. Esses versos não são profecias exatas daquilo que virá no futuro. Se nós fôssemos descrever o Dia do Senhor hoje, provavelmente usaríamos imagens diferentes.
O tempo, concebido no mundo grego e na cabeça dos falsos “doutores” como chronos, como um ritmo repetido periodicamente, faz do mundo e da vida humana um circulo vicioso sem finalidade. Contra esse pensamento, o Dia do Senhor está colocado como kairós, como plenitude do tempo, como um tempo oportuno, nada menos do que “novos céus e nova terra onde habitará a justiça” (3.13). A figura do ladrão que vem na hora inesperada (Mt 24.43) é usada para animar a participação ativa dos cristãos na antecipação da vinda do Dia do Senhor. Os tempos de Deus são imprevisíveis, mas não o seu projeto. Portanto os cristãos não devem ficar paralisados, esperando que o Dia do Senhor caia dos céus. Confiantes na presença de Deus em sua luta, são chamados a ser testemunhas dessa verdade a partir da coerência de suas vidas.
A lógica por si só não pode nos levar à efetiva vida cristã; é necessário ter fé. A vida cristã é resultado de escutar a palavra de Deus, de confiar nela e de aplicá-la no dia a dia por meio da obediência fiel. A fé pode não render dividendos imediatamente. Seu retorno definitivo será realizado na eternidade. O comportamento cristão adequado apressa a vinda do Dia do Senhor. De maneira não definida claramente pelo Novo Testamento, o momento da volta do Senhor está diretamente relacionado com a condição e a atividade da igreja. Nesse tempo de espera ativa, a tarefa é viver de tal forma que ninguém tenha motivo para queixa contra o povo de Deus, que trabalha pela paz, que se baseia na justiça e no amor.
Advento é espera. Advento é tempo de preparação, é sem dúvida tempo de agir pela vinda do Príncipe da Paz. Não apenas esperamos e nos preparamos para a festa do Natal, mas agimos para que esse tempo traga o Príncipe da Paz ao mundo.
Advento é tempo de abrir o coração. É tempo de mudança. É estar disposto a ajudar um irmão e uma irmã a encher-se de esperança. Advento é tempo de avaliação, de unir caminhos e acertar o passo. É tempo certo para pedir perdão e perdoar.
É tempo de espera. Esperar alguém requer preparação. Quem espera confia. Esperar envolve expectativa e alegria. O melhor da festa é esperar por ela. Deus nos ensina a esperar por Ele, por sua vinda, diariamente na Palavra e no sacramento. Esperar é demonstração de firmeza, determinação e confiança. Na visão do mundo, de nosso dia a dia, quem espera é fraco, dependente. O forte não espera. Quem tem poder deve demonstrar poder. No reino de Deus, quem espera é que é forte. O cumprimento da esperança está em Deus. Na aparente demonstração de fraqueza é que está a fortaleza. Cristo veio ao mundo para demonstrar que quem serve é que se torna forte por meio dele: Cristo Jesus.
O primeiro advento já aconteceu, e Cristo nos ensinou com sua vida o sentido profundo da vida verdadeira. Nós estamos vivendo entre o primeiro e o segundo adventos de Cristo. Existem aqueles que duvidam do segundo advento, e outros tantos que fazem especulações e cálculos a esse respeito. Aqueles que fazem especulações e apontam para sinais dos fins dos tempos querem, na verdade, igualar-se a Deus. Deus, no entanto, mostra que para Ele os critérios são outros. Ele entende o tempo de maneira diferente que nós.
O passar de anos, décadas, séculos e milênios é apenas uma compreensão humana do tempo. Para Deus, um dia é como mil anos, e mil anos são como um dia. Não são os anos que contam, mas a maneira como são vividos. Cada momento é especial e único e precisa ser vivido com sabedoria, na esperança ativa da paz, da justiça e do amor. Deus é fiel em sua promessa. Ele veio a nós em Jesus Cristo. Assim não quer que ninguém se perca, mas que todos cheguem ao pleno conhecimento da verdade. O tempo que Deus nos dá para viver é tempo de avaliação, vigilância, arrependimento e conversão.
Esperamos o Dia do Senhor, que virá como um ladrão, de surpresa. Haverá mudanças no céu e na terra, pois todo o universo pertence a Deus. As coisas antigas passarão; nós, porém, segundo a promessa de Deus, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita a justiça. Esperar e apressar o Dia do Senhor é buscar, já agora, um mundo com mais justiça para toda a criação de Deus. É voltar-se para Deus, mudar de vida, de pensamento e de atitude. Somos convidados a buscar e lutar por vida digna e paz para todas as pessoas.
Esperar o Senhor hoje é intensificar nossa vocação de testemunhas da esperança. “Esperamos novos céus e nova terra, onde habita a justiça” (2Pe 3.13) – esperar com engajamento na edificação do reino de Deus, aguardando a segunda vinda de Cristo numa esperança ativa em amor.
É hora de dar meia-volta e caminhar na contramão da história de injustiças e violências que estamos vivendo. É hora de voltar-se contra as falsas ideologias, pois o reino de Deus está próximo, e precisamos vivenciar isso em nosso dia a dia. “Portanto, sempre que pudermos, devemos fazer o bem a todos, especialmente aos que fazem parte da nossa família na fé” (Gl 6.10). É hora de olhar para o lado e reconhecer no outro um irmão, uma irmã que muitas vezes está precisando de ajuda, enquanto nós, em nossa correria, não temos tempo para parar e ajudar. Assim tão atarefados, com coisas que nem sempre são tão importantes, perdemos maravilhosas oportunidades de fazer a nossa parte na edificação do reino de Deus. Desperdiçamos chances verdadeiras de ajuda, como esta que nos conta a história a seguir.
Em algum lugar existe um túmulo. O homem que nele jaz participou uma vez de um estudo bíblico. Era o homem mais rico da vila. A mensagem tocou-o visivelmente, pois, quando se despediu, seus olhos e seu aperto de mãos me diziam: necessito de socorro urgentemente! Imediatamente, segurei-lhe a mão e disse:
– Nos próximos dias, pretendo visitá-lo e tomar um café.
Ouvi um suspiro de alívio.
– Sim, senhor pastor, isso seria muito bom.
No dia seguinte, eu queria fazer essa visita. Mas em minha escrivaninha continuavam aqueles documentos importantes referentes à igreja, e as estatísticas teriam que ser terminadas. Assim adiei a visita para o outro dia. No dia seguinte, vieram parentes nos visitar. Um motivo forte para me justificar. No terceiro dia, comecei a me inquietar e decidi fazer a visita na parte da tarde. Poucos minutos antes de o sino da igreja tocar meio-dia, chega o vizinho dizendo:
– Senhor pastor, não dá para acreditar, mas o senhor Kramm acabou de se suicidar.
Tive a impressão de que o chão se abria sob meus pés e me engolia. Depois ouvi que esse homem, antes de se suicidar, esteve muito tempo parado na frente de minha porta. Por muito tempo ele estava com o trinco da porta na mão. Por que não abriu a porta? O que o impedia de me procurar? Chance desperdiçada. Chances desperdiçadas tornam-se acusações mudas.
O maior pecado do povo de Deus é justamente desperdiçar, com pressão exagerada ou com sonolenta indecisão, as chances que tem para servir a Deus no mundo (P. Heinrich Kemmer, extraído de Wandsbeker Hefte 5/73).
Acolhida:
A cor dos paramentos indica que estamos no tempo de Advento. Lilás é a cor que convida para a reflexão e análise da vida, especialmente para a penitência, o arrependimento, a transformação. Neste Domingo de Advento, a palavra do Senhor alerta: “Preparem o caminho para o Senhor passar! Abram estradas retas para ele” (Mc 1.3b). Com o Advento inicia um novo ano da igreja. O tempo de Advento é o período de quatro semanas antes do Natal. É um tempo que nos fala do passado, do presente e do futuro.
Advento lembra-nos o menino Jesus que veio.
Advento lembra-nos o Cristo que vem e está em nosso meio.
Advento lembra-nos que o Cristo virá para julgar.
Oração do dia:
Todo-poderoso Deus, estamos no 2° Domingo de Advento, tempo especial que tu nos dás para viver. Tempo no qual somos perguntados pela razão de nossa esperança. Será que realmente esperamos, segundo a tua promessa, um novo céu e uma nova terra, onde habita a justiça? Muitas vezes, estamos tão preocupados e inquietos, que nos deixamos levar por previsões e esquecemos que o tempo pertence a ti. O tempo que nós estabelecemos passa depressa. Pedimos-te que fortaleças em nós a certeza de que tu já vieste em Jesus Cristo e queres estar presente a cada novo dia através do Espírito Santo, fortalecendo-nos para uma vida de justiça, paz, fraternidade e amor. Dá-nos coragem e fé para estar sempre preparados e vigilantes, colocando em prática em nossas vidas o que a tua Santa Palavra nos ensina. Dá-nos um coração humilde que reconhece o pecado e busca sempre o teu perdão e a tua companhia. Sê tu conosco, Senhor, e fortalece a nossa fé. Amém.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).