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Irmãos e irmãs,

Desde o último fim de semana, o povo capixaba está experimentando a dor e o medo, causados pela falta de segurança pública, em decorrência da paralisação da Polícia Militar em todo o estado. As notícias dão conta de que vários estabelecimentos comerciais foram saqueados; carros e motos roubados; pessoas assaltadas na rua; facções rivais de traficantes trocando tiros; pessoas sendo assassinadas. Em consequência, o transporte público na Grande Vitória está paralisado, impedindo os trabalhadores a chegar aos seus postos de trabalho; as escolas, bancos, órgãos públicos e comércio em geral estão fechados; as ruas estão desertas; e as pessoas recolhidas em casa, com medo. Instaurou-se no meio do povo uma insegurança total e uma violência sem precedentes.

A legitimidade ou não da greve dos militares, com suas implicações, que vão desde a inconstitucionalidade da paralisação, até o diferente tratamento dado a outros tipos de manifestações; a reação do governo e sua nítida demora em dar resposta à crise, com pouca abertura para diálogo; a questão salarial da polícia militar, que de fato é baixa para os parâmetros nacionais, mas que está na mesma situação de outras categorias dos servidores estaduais em termos de reajustes; o que vale refletir com a crise é o seguinte:

Como pode o tecido social romper-se em tão pouco tempo? Percebemos que, em menos de uma semana, não só a atuação de bandidos assusta a população, como também se percebe que a ocasião fez o ladrão, em várias situações de saques a lojas, na certeza da impunidade, o que mostra o lado “bandido” também daquelas pessoas que são chamadas “pessoas de bem”.

O estado do Espírito Santo passou por duas grandes tragédias nos últimos quatro anos: as enchentes do final de 2013 e o rompimento da barragem da Samarco, com grave comprometimento do Rio Doce e do litoral capixaba, em 2015. Mais uma vez refletimos sobre a violência em nosso estado, que já tem o triste destaque nos rankings de violência contra mulheres e jovens negros, e de cidades mais violentas do país.

O número de vítimas diretas da crise atual, no entanto, já supera em muito as das duas últimas tragédias somadas: as enchentes de 2013 causaram 23 mortes; o rompimento da barragem de Mariana, 19; e desta vez, com a paralisação da PM, o número de assassinatos já passa de 100 em menos de uma semana.

Considerando que temos uma população majoritariamente cristã, sendo inclusive um dos estados mais evangélicos do país, nos perguntamos: onde estão a expressão da paz de Deus e do amor ao próximo nesses momentos?

Considerando que vivemos o sentimento de uma guerra civil, que em nada deve aos conflitos típicos do mundo atual em outros contextos, onde estão os valores universais de respeito ao próximo?

Como igreja de confissão luterana, repudiamos todo e qualquer tipo de violência e reforçamos a mensagem cristã da promoção da paz entre as pessoas. Em meio a esse cenário de dor e medo, clamamos pela misericórdia de Deus e desejamos que o sonho de Zacarias se realize: “Mais uma vez, os velhinhos e as velhinhas, com as suas bengalas na mão, vão se sentar nas praças de Jerusalém. E as praças ficarão cheias de meninos e meninas brincando”. (Zc 8.4-5).

Pedimos aos irmãos e às irmãs na fé que intercedam pelo povo capixaba, para que a paz volte a reinar entre nós, pois o sonho de Zacarias também é o nosso sonho, de fazer da cidade e dos espaços coletivos um lugar de segurança e de convivência. Infelizmente, ainda não conseguimos fazê-lo sem a polícia e a lei.

Vitória, 09 de fevereiro de 2017.

Pastor Joaninho Borchardt
Pastor sinodal

Pastor João Paulo Auler
Presidente do conselho sinodal