Proclamar Libertação – Volume 41
Prédica: Joel 2.1-2, 12-17
Leituras: Mates 6.1-6, 16-21 e 2 Coríntios 5.20b- 6.10
Autoria: Ângela Lenke
Data Litúrgica: Quarta-Feira de Cinzas
Data da Pregação: 01/03/2017
Estamos na Quarta-Feira de Cinzas, período de abertura da Quaresma. Neste dia, queremos lembrar o tema arrependimento. Alguns dados sobre o livro de Joel são importantes para nossa mensagem. Não se tem muita certeza de quem foi e onde viveu o profeta Joel. Na análise literária, algumas indicações mostram que ele pregou depois do exílio babilônico (por volta de 400 a. C.). A mensagem central do livro é o Dia do Senhor (2.2) que virá, ou seja, a expectativa escatológica do profetismo exílico/pós-exílico da derrocada do povo, da bênção, da salvação e redenção de Jerusalém. Conforme Werner H. Schmidt, “a estrutura geral forma uma espécie de composição litúrgica, constituída de lamentações (1.4-20; 2.1-17) e promessas de salvação (2.9ss; 3ss)” (1994, p. 270). Depois do acontecimento com a praga de gafanhotos (cap. 1), o profeta solicita ao sacerdote que convoque o povo de Judá a uma assembleia no templo para buscar o arrependimento sincero do povo com jejum e pranto (2.13).
1. Devastação pelo gafanhoto: o “Dia do Senhor” (1.1-2.2a)
2. Novo anúncio do “Dia do Senhor” (2.2b-11)
3. A misericórdia do Senhor (2.12-27)
4. Derramamento do Espírito de Deus (2.28-32)
5. Juízo do Senhor sobre as nações (3.1-15)
6. Libertação de Judá (3.16-21)
Toque da trombeta ou chifre de carneiro – A trombeta era tocada pela sentinela e indicava que o perigo de invasão ou alguma atividade cósmica estava chegando ou sinalizava a convocação da assembleia no templo.
Sião – Era o nome da fortaleza que Davi conquistou para fazer dela a capital de seu reino. Também era o nome da colina ao norte onde Salomão construiu o templo de Deus. Mais tarde, passou a designar o nome de toda a cidade de Jerusalém.
Dia do Senhor – Um dia com dimensões cósmicas e miraculosas (trovões – 1Sm 7.10; pedras que caem do céu – Js 10.11; trevas – Êx 14.20, Js 24.7; nuvens que gotejam – Jz 5.4ss). As nações serão julgadas pelos males que fizeram ao povo de Deus, mas quem invocar o nome do Senhor será salvo.
Dia de Javé – Em Joel, o Dia do Senhor traz todos os sinais de que Deus está pronto para a guerra. No caso do texto de 2.1-11, percebe-se que a guerra é contra a invasão dos gafanhotos. O profeta é perspicaz em descrever como será essa invasão e mostrar a desgraça. Ele utiliza imagens da tradição passada e compreensível para o povo.
Joel 2.1-2 identifica os gafanhotos como o exército que avança para combater o Dia do Senhor, com o que se lhe tornam disponíveis todos os lugares-comuns dos eventos bélicos que caracterizam o Dia de Javé. Em seguida, os versículos compõem a liturgia que indica o arrependimento e um convite ao jejum (Gerhard von Rad, Teologia do AT, p. 554).
Rasgar as vestes – Sinal de dor e luto.
Entre o pórtico e o altar – A fachada do edifício do templo e o altar de bronze situado no átrio onde se ofereciam os sacrifícios.
V. 1 – O fato das trombetas serem tocadas significa que o profeta está convocando toda a nação (coletivo) e não de forma individual, ou seja, toda a nação era culpada diante de Deus. O povo tinha seus cultos e cerimônias, mas sem a sinceridade almejada por Deus (2.12-13). O anúncio é um pedido ao povo por arrependimento, humilhação e reforma de conduta.
Lugar do alarme – Em Sião, lugar de culto a Deus, de onde saem a palavra e o juízo de Deus. Nesse tempo, o ritualismo dizia que, enquanto existissem as celebrações, o povo era inexpugnável. O povo confiava no templo e não no Se- nhor do templo.
Significado do alarme – O alarme deveria ser para fora dos muros e para dentro, mas nesses casos é para dentro, para o povo. Nesse texto, o próprio Deus está se armando contra seu povo; sendo assim, o anúncio de graça dá lugar ao juízo e à condenação da desobediência.
As razões do alarme – Primeiro, o perigo é iminente no caso da recordação dos gafanhotos e com a possibilidade de exércitos vindo em direção à cidade santa. Segundo, o povo está perturbado e desamparado diante da iminência do Dia do Senhor.
V. 2 – Contém o anúncio do Dia do Senhor, que chama o povo ao arrependimento (v. 12-17). Esse dia, mesmo contendo o juízo, quer levar o povo ao arrependimento e à mudança de atitude diante de Deus. Será um dia de calamidade com trevas, escuridão, ao qual o povo não poderá resistir, pois Deus é Deus. Na segunda parte do versículo, Joel descreve como é o exército que será enviado por Deus: poderoso e veloz – “alva sobre a montanha […] grande e poderoso”.
Os próximos versículos continuam descrevendo esse exército mandado por Deus: poderosos para devastar (v. 3); poderoso, por sua comparação com os cavalos (v. 4-5); poderoso, pelo terror que coloca sobre os povos (v. 6); poderoso, pela invasão ameaçadora (v. 7-9); poderoso, pelo impacto que produz na natureza (v. 10); e poderoso, pelo seu comandante (v. 11).
V. 12 – Depois dos últimos versículos em que o profeta fala da destruição poderosa, eis que surgem dois caminhos: arrependimento ou devastação (v. 11b). “Arrependimento é o único caminho da restauração. É a única porta de escape do juízo. O arrependimento é o único portal da vida. É arrepender-se e viver ou não se arrepender e morrer. Dionísio Pape ressalta o fato de que não era suficiente ser o povo do Senhor. Não bastava morar na terra santa. Era necessária a conversão integral ao Senhor” (LOPES, 2009, cap. 4).
Nesse versículo, Deus chama seu povo para a conversão, mas também explica como deve ser esse voltar-se. Primeiro é uma volta para um relacionamento pessoal com ele: “convertei-vos a mim”. O povo precisava voltar a firmar o pacto, a aliança com o Deus verdadeiro e confiar nele e não nos seus cultos místicos no templo, nos rituais religiosos. Em segundo lugar, é preciso voltar de todo o coração, o centro da vida. Depois, em terceiro lugar, com jejum, nesse caso começando com o indivíduo e envolvendo todo o povo. Em quarto lugar, com choro e pranto. Colocar-se diante de Deus com lágrimas é algo que caracteriza também a vida do cristão. Jacó, Neemias, Pedro e tantos outros colocaram-se diante de Deus, reconhecendo quem eram e quão grande era o Senhor.
V. 13 – E, por último, com arrependimento, “rasgando os corações e as vestes”: colocar-se na presença de Deus com sinceridade, tendo um coração rasgado, quebrantado, arrependido e transformado. Agora é hora de voltar para Deus, que é “misericordioso e compassivo”, que em todo o tempo mostra essas características a seu povo arrependido. Ele é “tardio em irar-se e se arrepende do mal”. Deus coloca-se ao lado do ser humano em seus sentimentos e, quando existe o arrependimento, transforma a morte pela vida.
V. 14 – O versículo inicia com uma pergunta retórica: “Quem sabe?”. Dessa forma, o profeta está dizendo que a aliança feita há tantos anos com Deus, demonstrada na fidelidade descrita no versículo anterior, não mudou, muda ou mudará. Cabe agora ao povo voltar-se ao Senhor e ter o castigo removido e as bênçãos de Deus serão restituídas (manjares e libação).
V. 15-16 – Esse chamado mostra a urgência da convocação de todo o povo para o anúncio da culpa e a consequência do arrependimento. O povo é convocado não para a luta contra os inimigos externos, mas contra seu próprio pecado. Joel denuncia o pecado coletivo, buscando a conversão e posturas transformadas de um povo condenado por eles. Sendo assim, de um jejum individual é preciso atingir todo o povo de Deus.
V. 16-17 – Todos devem fazer parte dessa volta para Deus, começando pelos anciãos, que têm sabedoria e experiência. Os líderes devem ser os primeiros a chamar o povo para mostrar o caminho da conversão. Os filhinhos e os jovens são os que têm confiança em Deus e com sua vitalidade e compromisso encaram as adversidades da vida em nome do Senhor. As crianças também eram atingidas pelos pecados dos seus pais e foram convocadas para vê-los rasgando suas vestes e chorando por seus pecados. Recém-casados – na cultura da época, os recém–casados eram dispensados dos serviços militares por um ano. Aqui os casais são chamados para transformar a alegria das núpcias na tristeza da culpa. Sacerdotes – foram convocados para chorar não por seus pecados, mas de todo o povo. O líder espiritual deve chorar por sua comunidade e orar por ela para que não seja envergonhada pelas nações vizinhas e vire chacota.
O Dia de Javé está muito perto e será terrível, porém Deus se coloca ao lado de seu povo, pronto para agraciá-lo com o perdão a partir do arrependimento e da conversão.
É cada vez mais comum a busca por espaços de silêncio, meditação e a busca pelo sentido da vida por vivermos numa sociedade estressante, que só corre, que quer lucro e não pensa em suas ações.
A Quarta-Feira de Cinzas tem um significado todo especial. Cinzas lembram arrependimento. Na Bíblia, esse termo aparece inúmeras vezes. Jó jogou cinzas em si e fi cou no meio delas como sinal de arrependimento e tristeza. Jesus também faz referência às cinzas: “Ai de ti, Corazaim! Ai de ti, Betsaida! Porque se tivessem sido feitos em Tiro e em Sidom os milagres que foram feitos em vosso meio, há muito tempo elas se teriam arrependido sob o cilício e as cinzas” (Mt 11.21).
Será que vivemos num período em que temos uma justifi cativa para cada atitude errada? Será que é justo abandonarmos Deus como o povo de Judá? Eram outra realidade e outras dificuldades, mas eram pessoas com suas preocupações, assim como hoje. Ouvimos dizer que antigamente não era assim. No entanto, eram outras as dificuldades que ameaçavam a vida sobre a terra e o relacionamento das pessoas com Deus. Chegamos à conclusão de que não importa o espaço de tempo: as pessoas afastam-se de Deus porque outras ocupações e preocupações ganham morada no coração.
Talvez seria interessante perguntar: Do que precisamos nos arrepender, pessoal e socialmente? Podemos apontar a ganância humana que tem gerado divisões, destruição da natureza, violência, comunidades com confl itos, pessoas que se afastam de Deus devido às atitudes e palavras de outras, falta de tolerância, desobediência ao primeiro e segundo mandamentos, com venerações a ídolos e partidos. Ninguém é tão santo que não tenha do que se arrepender. Sim, nós temos do que nos arrepender! E Joel faz muito bem em convocar toda a nação, desde crianças até líderes governamentais e sacerdotes. Por que arrepender-se? Porque longe do Senhor, o caminho é cheio de devastação e morte. Longe de Deus, erramos os caminhos e as escolhas da vida. Longe de Deus, a disputa será pelos poderes, e ninguém quer servir aos outros. Longe de Deus, outros deuses disputarão o coração do ser humano. Em alguma coisa sempre haverá fé ou crença/confiança. Como arrepender-se? Joel diz que Deus não quer qualquer arrependimento. Precisa ser de todo o coração, com lágrimas e prantos. Sinal de percepção da escolha errada que se fez e agora voltar-se como filhinho e filhinha para seu Criador. Arrependimento é contrição, é vergonha, é encarar Deus de frente e abaixar o olhar diante dele, porque ele é que tudo sabe.
Relacionando ao texto do evangelho, pergunto: Como é a prática do jejum, da caridade e da oração em nossa vida? Abordar o significado do símbolo que as pessoas receberam na porta (com cinzas, um coração rasgado: ver abaixo).
E a boa-nova é que Deus está ao nosso lado. Ele caminha junto no sofrimento do arrependimento. Ele condena as escolhas erradas, mas diz: “Estou contigo, agora faz diferente por amor a mim”. E mais do que caminhar com as pessoas, ele vem e doa-se em Jesus Cristo. Ele valoriza nosso arrependimento, pois sabe que nos livrará de sofrimentos posteriores, contudo sabe que somente nos abraçando em Cristo e lavando-nos com seu sangue é que nossos pecados são perdoados.
Quarta-Feira de Cinzas lembra-nos das nossas responsabilidades enquanto filhas e filhos de Deus; lembra-nos do quanto Deus espera humildade de nós e o reconheçamos como o único Deus. Ele faz isso cobrando, mas também caminhando conosco e doando-se por nós. Que esse tempo seja de silêncio, reflexão e de transformação da mente. Amém.
Penso que poderíamos fazer uso de alguns elementos litúrgicos neste dia, por exemplo: cinzas, folhas e galhos secos e um desenho de coração rasgado. Desenha-se um coração com cinzas em cada pessoa à medida que for chegando para o culto. No altar e abaixo dele, folhas e galhos secos, um pouco de cinza e, no meio, um coração rasgado (de tecido camurça fica bem bonito).
L: O profeta Joel diz: “Voltem para o Senhor, nosso Deus, pois ele é bondoso e misericordioso, paciente e muito amoroso” (Jl 2.13b). Voltemos nossa face para Deus e peçamos perdão. No final da confissão, façamos silêncio: Senhor, nosso Deus! Compadece-te de nós, segundo a tua boa vontade e grande misericórdia. Apaga nossos pecados, lava nossa iniquidade e purifica nossas maldades. Porque reconhecemos nossos pecados e temos sempre diante de nós nossas culpas. Pecamos contra ti e contra as pessoas e fizemos o que não te agrada. Cria em nós um coração puro e faze nascer dentro de nós um espírito puro. Não nos afastes da tua presença. Dá-nos de novo a alegria da tua salvação e sustenta-nos com teu Espírito. Abre nossa boca para cantar o teu louvor. Tem misericórdia, Senhor! Amém (silêncio).
L: O bondoso Deus acolha tuas súplicas e tenha misericórdia de ti. Ele te ouça nos momentos de angústia e acalme teu coração. Ele te conduza nos caminhos certos e te dê a sabedoria necessária. Ele sempre te traga de volta para que recomeces com novo ânimo. Assim te abençoem Deus, o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Amém.
LOPES, Hernandes Dias. Joel: o profeta do pentecostes. São Paulo: Hagnos, 2009.
SCHMIDT, Werner H. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1994.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).