1 Coríntios 8.1-13
Prezada Comunidade:
Vimos na leitura do Evangelho que Jesus estava interessado na situação particular de cada ser humano: em seus sofrimentos, nas ideias que o atormentavam, naquelas coisas que lhe impediam de ser livre e espontâneo. Este interesse não obedecia a um interesse político, mas a uma genuína valorização de cada pessoa que encontrava no caminho. A luta de Jesus foi contra os demônios, contra as ideologias instaladas nas sinagogas, que buscavam um messias glorioso, um militar implacável, um reformador religioso. Jesus nunca se identificou com estes propósitos. Por esta razão, ordena aos espíritos imundos ou ideologias opressoras a guardar silêncio e a não tratar de seduzi-lo com falsas aclamações e reconhecimentos.
O apóstolo Paulo nos relata um problema na Comunidade de Corinto. Comer ou não comer a carne dos animais oferecidos como sacrifício aos ídolos? A questão da comida e da bebida foi um tema de muita discussão nas primeiras comunidades cristãs.
Mas, afinal, por que questões gastronômicas – como comida e bebida – foram motivos de discussão tão forte nas igrejas?
Na cidade de Corinto havia muitas religiões. Nessa realidade multi-religiosa era costumeiro para várias religiões oferecer sacrifícios de animais aos ídolos, de forma cerimonial. Até a religião judaica no Antigo Testamento – na Biblia – fazia isso com frequência. Em tais ocasiões, pedaços de carne da vítima sacrificial eram colocados sobre o altar; outra parte era entregue para os sacerdotes, uma terceira parte era assada e o churrasco era comido pelos próprios adoradores ali mesmo no templo. Contudo, ainda sobrava carne, que então era vendida para as pessoas da cidade. Por isso, os açougues estavam ao lado dos templos. Portanto, a carne que se comprava nos açougues era carne que vinha dos animais sacrificados nos templos.
No Antigo Testamento havia restrições com comer certo tipo de carne (como carne de porco ou de alguns animais marinhos). No mais não havia restrições a comer carne sacrificada. A única recomendação era que se tirasse da carne todo o sangue.
Gênesis 9:4
Mas não comereis a carne com sua alma, isto é, o sangue.
Deuteronômio 12:16
Contudo não poderás comer o sangue; tu o derramarás por terra como água.
Para Jesus esse tema não é mencionado. Mas para as primeiras comunidades cristãs havia forte divergência entre a opinião do apóstolo Paulo e a opinião do apóstolo Tiago – que era o líder da igreja em Jerusalém. Dizia o apóstolo Tiago
Atos 15:20
todavia, escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos ídolos, da imoralidade, da carne de animais sufocados e do sangue.
Atos 21:25
Entretanto, quanto aos gentios que se converteram, já lhes escrevemos a nossa determinação para que se abstenham de comer qualquer alimento oferecido aos ídolos, do sangue, da carne de animais estrangulados e de todo tipo de imoralidade sensual”.
Essa radicalidade também se observa em Apocalipse:
Apocalipse 2:14
Tenho, contudo, contra ti algumas admoestações, porquanto tens contigo os que seguem a doutrina de Balaão, que ensinou Balaque a armar ciladas contra os filhos de Israel, induzindo-os a comer alimentos sacrificados a ídolos e a se entregarem à prática da prostituição.
Apocalipse 2:20
No entanto, tenho contra ti o fato de que toleras Jezabel, aquela mulher que se diz profetisa, porém, com seus ensinos induz os meus servos à imoralidade sexual e a comerem alimentos sacrificados aos ídolos.
Como vimos, comer ou não comer carne sacrificada aos ídolos dividiu as opiniões nas primeiras comunidades cristãs, com fortes discussões.
Hoje esse tema não é mais importante para as pessoas. Hoje comer ou não comer carne é uma questão gastronômica pessoal. Não é mais um tema de discussão.
Nos últimos anos o tema de discussão tem sido o tema político. E nessa semana que passou todos vimos ou ouvimos algo sobre o julgamento e a condenação do ex-presidente Lula. Esse filme começou a dois anos atrás, no dia 2 de dezembro de 2015, quando um homem pediu publicamente que a misericórdia divina intercedesse pelo Brasil, e então acatou o pedido de impeachment da ex-presidente Dilma. Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, era ali o homem mais poderoso do país, com o dedo ao alcance da bomba atômica política. Ele acabou explodindo junto com essa bomba dois meses depois (talvez atendido pela misericórdia divina).
A decisão de Cunha, porém, tinha o apoio de muitas pessoas nas ruas do Brasil. Pessoas que nunca gostaram do PT. Outras que gostavam no passado e se desencantaram depois. E outras ainda que nunca chegaram a odiar o PT, mas detestavam saber que a Petrobras havia virado a mina de ouro de esquemas corruptos. Também havia aquelas pessoas que reclamavam de pobres nas universidades, de muita gente nos aviões ou que eram contra o Bolsa Família.
Olhando para trás, hoje podemos ver que o Brasil encarou uma realidade bem menos aprazível do que se esperava. Assumiu o vice Michel Temer com seu superministério masculino. Estabeleceram-se reformas a toque de caixa, gastos públicos foram congelados, um bom pedaço da Amazônia quase foi rifado. O Congresso deu marcha ré para conquistas sociais importantes, voltou a discutir o direito ao aborto em caso de estupro e engavetou duas denúncias de corrupção contra Temer.
Saiu uma presidente condenada por pedaladas fiscais e entrou um mandatário, sobre quem pesam suspeitas monstruosas de corrupção que passam por propina da JBS e Odebrecht, favorecimento de uma empresa no porto de Santos, uma mala de dinheiro de seu principal assessor, Rocha Loures, uma montanha de 51 milhões de reais no apartamento de seu ex-ministro Geddel Vieira Lima e até o conluio com o próprio Cunha, preso desde outubro de 2016 em Curitiba.
Todo mundo viu esse mesmo filme, e as manobras bem sucedidas de deputados, senadores, do próprio presidente e até de juízes federais para evitar que a Justiça se aproximasse dessa nova cúpula no poder. Ou seja, mudaram os personagens, mas não as práticas.
Com isso não quero dizer que Lula é inocente. Penso que nem Lula, nem nenhum político nesse Brasil é inocente. Mas, a sua condenação baseada apenas em fortes evidências (sem provas concretas), deixa no ar a sensação que essa condenação foi necessária e suficiente para acabar com a Lava Jato, enquanto outros políticos no poder encontraram seus artifícios para fugir das garras da lei.
Talvez por causa desse mal-estar que ficou no ar, contavam-se apenas em dezenas ou centenas, e não por milhares ou milhões, os manifestantes que celebravam o julgamento e a condenação no dia 24. Nem as panelas, símbolo do fim do Governo Dilma, soaram.
Portanto, assim como no tempo do apóstolo Paulo e do apóstolo Tiago, quando as comunidades cristãs discutiam sobre comer ou não comer a carne sacrificada aos ídolos, assim também hoje nós convivemos com temas fortes e difíceis. Mas, a Bíblia nos revela os problemas de antigamente para nos dar uma orientação em relação aos problemas de hoje.
Talvez – daqui para frente – devêssemos pensar sobre as divergências da mesma maneira como o apóstolo Paulo, sobre a questão do comer carne. Enquanto o apóstolo Tiago era o mais radical e intransigente, para o apóstolo Paulo o importante era preservar a boa convivência comunitária, é ser tolerante e respeituoso com quem pensa diferente. É claro que cada pessoa vai formando a sua opinião com o que vê nos jornais e nas redes sociais. Mas, isso não deveria ser o mais importante – nem mesmo colocar em risco a boa convivência comunitária. Certamente podemos/devemos dizer a nossa opinião – mas devemos fazer isso com cuidado, para não ofender e nem desrespeitar o direito de cada pessoa.
Para nos ajudar nessa atitude, o apóstolo Paulo recomenda que pensemos em Jesus, da seguinte maneira: No meu lugar, o que Jesus faria? Qual foi a atitude de Jesus nos temas conflitivos? Ou como dizia Martin Lutero: o que promove a Cristo? E a resposta está: o que promove a Cristo é a lei do amor. Se a discussão chegar ao ponto de colocar em risco a boa convivência comunitária, então é melhor silenciar. O meu amor e o meu respeito pelos familiares, o meu amor e o meu respeito pelas pessoas da comunidade – esse amor e esse respeito devem ser sempre mais importante e mais forte do que minha opinião pessoal.
E assim como Jesus não se deixou enganar pelo espírito mau que o chamou até de “Santo que Deus enviou”, assim também não nos deixemos seduzir pelas opiniões partidárias que apenas se alimentam do ódio. Conhecer primeiro a vontade de Deus – isso nos vai ajudar muito nesse ano eleitoral.
Que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus nosso Pai e a comunhão do Espírito Santo esteja com você.
Amém.