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Johann Jakob Zink

Em lembrança pelos 100 anos de seu falecimento

Martin N. Dreher1

Ao chegar ao Brasil, em 1869, passou a apresentar-se como “João Jacó Zink” e expressou-o também no carimbo, do qual se valia para marcar livros e correspondência. Era mais fácil para a população do país expressar seu nome. Vinha de origem humilde. Seus pais eram tecelões. Preparavam o fio e depois o tecido, de cuja venda alimentavam a família. Os filhos e também João Jacó, o mais moço deles, tornaram-se tecelões. A vida dos tecelões à época já se tornava difícil, pois a industrialização avançava, deixando muitos artesões em situação de miséria.

A aldeia onde nasceu a 20 de agosto de 1844 localiza-se a poucos quilômetros da cidade Stuttgart, na Alemanha, e leva por nome Unterensingen. Quando de seu nascimento pertencia ao Reino de Württemberg, pois a unidade da Alemanha só veio a acontecer em 1871. Foi ali que frequentou a escola. Criança franzina, passou por muita doença, o que fez com que os pais temessem por sua vida. Fiando e tecendo permaneceu na casa paterna até o vigésimo ano de vida. A família vinha de tradição religiosa luterana, marcada por devoção especial que designamos de Pietismo. Oração, muita leitura da Bíblia, reuniões na aldeia com a finalidade de estudo conjunto da Bíblia marcaram esses anos, ao cabo dos quais tomou importante decisão: quis ser missionário. Pensava em atuar na África. Para obter a formação necessária dirigiu-se a Basileia, na vizinha Suíça, sendo matriculado na Casa de Missão da Sociedade Missionária de Basileia. A instituição permitia a conclusão do que hoje designamos de ensino médio, com forte acento nas humanidades: além do alemão, estudou o francês, o latim, o grego e o hebraico. Didática e pedagogia não eram deixados de lado, pois no campo de missão, o missionário também deveria atuar como professor, além de evangelista. Importantes eram também conhecimentos de medicina e de enfermagem que possibilitariam auxílio humanitário nas regiões para as quais o missionário seria enviado. As obras de Hahnemann, o pai da homeopatia, sempre faziam parte da bagagem dos missionários de então. Na Casa de Missão, a saúde continuava frágil e houve épocas em que passou semanas da enfermaria, havendo muito temor em relação a sua vida. Talvez essa fragilidade na saúde, além do atestado médico que recomendava que fosse de imediato enviado para clima subtropical, tenha contribuído para a decisão dos dirigentes da casa de formação para declará-lo apto para o envio a campo missionário antes da conclusão do todo do estudo. Cinco anos após o início dos estudos, estava então com 25 anos de idade, recebeu comunicado do diretor de que estava sendo enviado ao Império do Brasil, mais precisamente à Província de São Paulo. Não era enviado à África, mas ao Brasil, onde se esperava que o clima daquela província o viria a fortalecer. Não era o que pretendia ao iniciar seus estudos. Obediente, foi ordenado a 6 de junho de 1869, na localidade de Nürtingen, despediu-se da família e dirigiu-se com mais um colega até Le Havre, na França, onde tomaram veleiro rumo ao Brasil. As despesas de viagem foram assumidas pela instituição de Basileia. No mais, recebeu as bênçãos de Deus e dez dólares, que estavam praticamente zerados ao desembarcar no Rio de Janeiro. Não lhe deram carta de recomendação; apenas a indicação de que do Rio de Janeiro seguisse para São Paulo. O Pietismo, não raro, era literalista na leitura da Bíblia e no caso de João Jacó Zink seguiu a palavra de Jesus: “Não vos provereis de ouro, nem de prata, nem de cobre nos vossos cintos; nem de alforje para o caminho, nem de duas túnicas, nem de sandálias, nem de bordão; porque digno é o trabalhador do seu alimento.” (Mateus 10.9).

A Sociedade Missionária de Basileia teve o mérito de enviar muitos missionários para o Brasil e sua contribuição cultural é inegável. Deixa-nos, porém, pensativos sua decisão de enviar jovem adoentado, debilitado, sem recursos para ser missionário e pastor dos alemães e suíços protestantes da Província de São Paulo. Além disso, vinha solteiro. O que tinha de informação sobre o Brasil era muito precário. Os suíços haviam sido informados sobre o Brasil por causa de conflito surgido no interior de São Paulo, relacionado à Fazenda Ibicaba de propriedade do Senador Vergueiro, idealizador do sistema de parceria. As fazendas importavam trabalhadores rurais da Europa Central, assentavam-nos nas fazendas e com eles dividiriam o resultado da produção, em geral de café. Houve muita exploração e, por fim, levante de colonos, liderados por Thomas Davatz que nos deixou importante obra sobre a vida de imigrantes nas fazendas de café durante o Segundo Império. A Confederação Helvética enviou, então, o embaixador Johann Jakob von Tschudi que viajou pelo Brasil, buscando descrever a situação dos suíços que para cá haviam emigrado, sem deixar de relatar também a situação em que se encontravam imigrantes de língua alemã. De sua descrição resultou monumental obra em seis volumes, publicada em Leipzig na década de 1860. Foi von Tschudi que solicitou à Sociedade Missionária de Basileia o envio de missionários para acompanhar os protestantes entre suíços e alemães, pois não existia no Brasil, ainda, organização religiosa não católica capaz de acompanhá-los sob o aspecto religioso.

Os suíços e alemães residentes na Província de São Paulo, que à época contava com população próxima aos dois milhões de habitantes concentravam-se em cidades como São Paulo, Campinas e Santos, mas principalmente em pequenos núcleos formados por cinco, dez ou no máximo trinta famílias, distribuídos em pequenas propriedades, fazendas ou vilas. No campo religioso protestante tudo estava por ser organizado. As pessoas tinham que ser reunidas em congregações; para seus filhos tinham que ser fundadas escolas, construídas igrejas. É a partir dessa situação que devemos estudar a atividade monumental desenvolvida por João Jacó Zink em 49 anos. Foi pastor, professor, cura d’almas … e para manter a família teve que desenvolver outras atividades como fabricar sabão. Por trás desses anos esteve palavra bíblica que lhe foi confiada quando de sua ordenação: “ Não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu” (Isaías 43,1). Existem palavras que servem de diretriz e marcam uma vida.

Chegado a São Paulo com pouca bagagem, muita confiança em Deus, dirigiu-se ao único lugar ao qual podia se dirigir e para o qual tinha referências: os poucos missionários presbiterianos que se encontravam na Província. Zink jamais deixou de acentuar o acolhimento do qual foi alvo de parte dos missionários presbiterianos. Deles recebeu conselhos valiosos e auxílio para sobreviver. Também retribuiu o auxílio, dando atenção aos suíços calvinistas de fala alemã que vagavam por São Paulo. Por ter estudado em Basileia conhecia a teologia e a ordem do culto calvinista. Seu alvo principal e mandato era o de reunir imigrantes luteranos em congregações na Província de São Paulo. Em São Paulo capital inteirou-se, pois, do que ia pela província e após algumas semanas dirigiu-se a Limeira, onde passou a residir. Limeira pode ser considerado centro a partir do qual irradiaria sua atuação.

Ao chegar a Limeira era o único pastor luterano a atuar na Província de São Paulo. Sua área de atuação estendia-se por 28 léguas. De um lado, a cavalo, ia até Pirassununga e Jaú; de outro ia a São Paulo e Santos. Seus relatórios dão conta das seguintes localidades por ele visitadas (mantivemos sua grafia): Jeronymo, Philippi, Cresciumal, Sete Quedas, Araras, Piracicaba, Rocinha, Louveira. Nessas suas visitas, verificou que era de suma importância fundar escolas. Foi por isso que, ao lado de sua atividade pastoral sempre fundou escolas, evidenciando ser também excelente pedagogo que sabia conquistar as crianças. Todo esse trabalho foi desenvolvido de forma abnegada. Tanto assim que, não raro, lhe faltavam os recursos materiais para a própria subsistência. A esse fato se deve outro: sempre de novo teve que transferir seu local de residência. Seus paroquianos, pobres imigrantes trabalhadores rurais também não possuíam os meios que lhes permitissem manter um pastor. Por isso, as escolas por ele fundadas eram “suas” e ele própria tinha que reunir os recursos para pagar os professores, igualmente imigrantes sem recursos.

Pelos relatórios que deixou para a posteridade, verificamos que residiu em Limeira (1869-72), Jeronymo (1872-73), Rocinha (1873-76), São Paulo (1876-1877), Rio Claro (1877-91), Campinas (1891-99), Juiz de Fora (1899-1908) e Campinas (1908-1918). As distâncias a percorrer, as múltiplas atividades logo levaram-no a verificar que era impossível continuar a atividade sozinho. Por isso, dirigiu-se à Casa de Missão de Basileia que o enviara, pedindo que fossem enviados mais colaboradores para São Paulo. Em 1875 chegava o Pastor Frederico Müller que passou a residir no Bairro dos Pires, em Limeira, e com o qual Zink desenvolveu bela parceria que duraria 44 anos. Com ele Zink pode dividir o amplo campo de atuação. Laços familiares também os uniriam, pois filha de Frederico Müller casar-se-ia com um dos filhos de João Jacó.

Especial destaque merece sua atuação em Rio Claro. Aí reuniu os luteranos em comunidade, liderou a construção de igreja e escola. Do pouco que tinha, doou alguns Contos para essa obra. A obra também pode prosperar ainda mais, quando conseguiu que jovem professor, Theodor Kölle, fosse enviado de Württemberg para permitir que se dedicasse às viagens para acompanhar seus luteranos. Assim como Frederico Müller, Theodor Kölle também se tornaria genro de Zink, ao casar com sua filha mais velha Juliane. Após estudos teológicos, seguidos de ordenação em Stuttgart, na Alemanha, Kölle também se tornaria sucessor de Zink no pastorado em Rio Claro.

Como as coisas estivessem bem encaminhadas em Rio Claro, João Jacó Zink dirigiu-se a Campinas. O número crescente de descendentes de alemães que aí se instalava requeria trabalho pastoral permanente. O início do trabalho foi complicado, pois coincidiu com epidemias de febre amarela nos anos de 1892 e 1896. Ele e a família também adoeceram. Professor que havia conseguido que viesse da Alemanha veio a falecer em sua casa. Muitos comerciantes alemães que haviam se estabelecido em Campinas migraram para São Paulo, fazendo com que o número de alemães e descendentes estabelecidos em Campinas diminuísse sensivelmente. Dificuldades houve também em relação à Sociedade Escolar de Campinas. Zink dela se retirou e fundou a “Neue Deutsche Schule”, o que lhe propiciou novas dificuldades. O melhor foi, então, retirar-se de Campinas e dividir essa área com Müller e Kölle. Deixou Campinas e rumou para Juiz de Fora, em Minas Gerais.

Após nove anos, Campinas reconvocou-o. Aí atuou por mais dez anos, vindo a falecer a 31 de março de 1918. Dois dias antes de sua morte, numa sexta-feira santa, ainda pode pregar e celebrar a eucaristia. Sua sepultura ainda pode ser visitada em Campinas.

Todo o trabalho desenvolvido por João Jacó Zink não pode ser compreendido ou apreciado sem que se mencione sua companheira que, hoje, também repousa a seu lado em Campinas. Trata-se de Sophie Höflinger. Por uma dessas coisas da vida, ela se encontrava no mesmo veleiro francês que o trouxe ao Brasil em 1869. Dirigia-se a Petrópolis/RJ, onde seu irmão atuava como pastor e onde deveria auxiliar na educação de seus filhos. O casamento dos dois aconteceu a 18 de novembro de 1870, em São Paulo. A noiva tinha vindo a São Paulo e ele se encontrava no leito de morte. A doença que não o deixara ir para a África e desviara seus caminhos para o Brasil estava de volta. Mesmo assim, receberam a bênção matrimonial. Os médicos não viam a possibilidade de cura, mas ela veio. João Jacó chegou aos 73 anos, Sophie atingiu os 90 anos. Sete foram seus filhos e filhas. Em sua sepultura podemos ler as palavras: “ Não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu” (Isaías 43,1).

Dentre os aspectos pitorescos da vida de ambos, um merece ser mencionado e tem relação com Rio Claro. Ao chegar ao Brasil, João Jacó Zink viu-se confrontado com o parágrafo 5 da Constituição do Império. Ele afirmava que a religião católica continuava a ser a religião do Império e que todas as demais religiões eram toleradas, em casas para tanto destinadas, sem qualquer forma exterior de templo. Mesmo assim, Zink construiu pequena igreja de madeira com a forma exterior de simples casa de moradia. Sobre a porta de entrada, contudo, afixou cruz de madeira. O delegado de polícia ordenou-lhe, baseado na Constituição e no Código Criminal do Império, que a cruz fosse retirada. Esperto, Zink, uniu os vértices da cruz com outros pedaços de madeira, dando-lhe forma de uma pipa. Disse, então, ao delegado que já não mais era uma cruz, mas uma pipa … e a igrejinha ficou conhecida como igreja da pipa. Quem procurar a pipa encontra-a em detalhe na Igreja Luterana de Rio Claro. A torre da atual igreja foi erguida por iniciativa da filha mais velha de Zink, Juliana, esposa do Pastor Theodor Kölle. Do movimento iniciado por ambos para angariar recursos para a construção do campanário surgiu a maior organização feminina da América Latina: A Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas (OASE). Entre as filhas mais novas de Zink encontra-se a primeira diaconisa luterana brasileira: Pauline Sophie Zink.

1. O autor é pastor luterano, Doutor em Teologia pela Universidade de München/Alemanha e professor emérito nas áreas de História e Teologia. É também trineto de Johann Jakob Zink.