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No dia 23 de agosto de 1948 o Conselho Mundial de Igrejas-CMI era oficialmente chamado à vida. Era o coroamento de esforços que vinham sendo feitos desde o começo do século 20 no sentido de unir as igrejas em torno de alguns objetivos comuns. Chegar a este ponto não foi nada fácil.

Uma longa história de divisões entre os cristãos foi sendo caprichosamente construída desde aquele primeiro grupo de seguidores de Jesus, que já digladiavam entre si as divisões do judaísmo. Continuou com os apóstolos, cujo primeiro concílio da igreja primitiva em Jerusalém, no ano de 70d.C., foi convocado para resolver pendengas entre os cristãos de origem judaica e os gentílico-cristãos em torno da manutenção da circuncisão.

Desentendimentos, diferenças de interpretação e lutas por poder levaram ao primeiro grande cisma da igreja em 1054, que dividiu a cristandade em igreja oriental (com sede em Constantinopla) e igreja ocidental (com sede em Roma).

O movimento da Reforma levou ao segundo grande cisma em 1520, dividindo a igreja ocidental mais uma vez, entre católicos romanos e os protestantes da Reforma.

Em seguida, os próprios protestantes foram se dividindo como num mosaico. Pendengas e picuinhas crescentes só causaram dor, sofrimento, perseguições, guerras e muitas condenações mútuas, sem contar a velha e inaceitável prática da pescaria em aquário alheio, conhecida como proselitismo.
Entre as principais correntes de pensamento dentro e fora da igreja que começaram a questionar este estado de coisas destacaram-se os humanistas, os iluministas e os pietistas. Para os humanistas, uma reaproximação mínima poderia ser alcançada através de um CONSENSUS QUINQUESECULARIS, que propunha a volta aos acordos mínimos dos primeiros cinco séculos da cristandade. Os iluministas, a partir do racionalismo e do liberalismo do século 18, deram espaço crescente à ideia da liberdade religiosa. Frederico da Prússia, por exemplo, defendia que “cada um se torne salvo segundo a sua escolha”.

Destaque especial nessa caminhada deve ser dado ao movimento pietista, que é a base sobre a qual se ergueu o ecumenismo moderno. Eles defendiam a ideia de que a fé é fruto de um novo nascimento (conversão), não da filiação a uma denominação (igreja). Fé não se herda. A partir desta visão, Zinzendorf criou a BRANCH-THEORY (Teoria dos Ramos), afirmando que a igreja Una, Santa e Apostólica é integrada pelos vários ramos em que se divide, ou seja, todos são como ramos da mesma árvore.

Inspirados por essas ideias, a juventude cristã pietista começou a articular encontros entre as igrejas oriundas da Reforma. A Associação Cristã de Moços e a União de Estudantes Cristãos articularam as primeiras Conferências Internacionais de Missão a partir de 1870, que culminaram na grande conferência de 1910 em Edimburgo-Escócia.

Foi em Edimburgo que se iniciaram as tratativas que levaram à proposta de uma assembleia constituinte de um Conselho Mundial de Igrejas. Esta assembleia estava marcada para 1941, mas não aconteceu por causa da segunda guerra mundial. A guerra e suas terríveis consequências esfriaram os ânimos até 1948.

Assim, a assembleia constituinte do CMI ocorreu apenas em 1948 em Amsterdã-Holanda. Foi neste encontro que 351 delegados de 147 igrejas constituíram o CMI oficialmente no dia 23 de agosto de 1948. Em sua definição, o CMI se auto define como “Uma comunhão de igrejas que confessam o Senhor Jesus Cristo, segundo as Escrituras, como Deus e Salvador e procuram juntas cumprir o chamado a que são vocacionadas, para a glória de Deus, o Pai, o Filho e o Espírito Santo”.

Hoje o CMI reúne 348 igrejas do mundo todo (protestantes, anglicanos, ortodoxos, católicos antigos e igrejas livres, num total de 560 milhões de pessoas cristãs. A sede da entidade é em Genebra-Suíça, no Centro Ecumênico de Bossey (que abriga também a Federação Luterana Mundial). Por que Genebra? Porque é bom para a entidade diplomática das igrejas estar na capital diplomática da Europa.

A Igreja Católica Romana não é filiada ao CMI, mas tem estreita parceria em diversas áreas desde os anos 1960, através do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos. O principal argumento para não efetivar uma filiação está no tamanho da ICAR, que congrega 1,4 bilhão de cristãos no mundo (ou seja, o CMI é pequeno para acomodar uma igreja deste tamanho). Assim, trabalhar em parceria tem se mostrado bem melhor.

Não é possível imaginar o atual estágio mundial do ecumenismo sem o duro trabalho do Conselho Mundial de Igrejas. Entre idas e vindas, os ganhos foram muito ricos, apesar do constante movimento iô-iô. Sua maior marca é o DIÁLOGO. Esta é a conditio sine qua non do ecumenismo. Não há alternativa ao diálogo. Ele é o único caminho. Foi em volta da mesa de negociações que aconteceram reconciliação, acordos bilaterais importantes e projetos comuns das igrejas.

Uma de suas marcas mais visíveis é a celebração conjunta, onde as diferentes igrejas se encontram para ouvir a palavra de Deus em conjunto e refletir, permitindo a ação do Espírito Santo para a construção da unidade visível da Igreja de Jesus Cristo. E foi no encontro, no olho no olho, que se estabeleceram metas comuns como a PAZ, a JUSTIÇA, e a INTEGRIDADE DA CRIAÇÃO.

No dia de hoje, 70 anos depois, apesar dos percalços, cabe-nos ser gratos e gratas a Deus pela existência do Conselho Mundial de Igrejas e interceder para que sua trajetória rumo à unidade não seja interrompida, mas fortalecida. Obrigado a todos e todas que se engajaram e se engajam nesta grande causa do Ecumenismo. O CMI é a prova viva de que o que nos separa não são doutrinas ou nuances confessionais. A principal causa da divisão é o PRECONCEITO.

(A imagem mostra o ato de fundação do CMI em 23.08.1948)
Clovis Horst Lindner (pastor da IECLB)