|

Lucas 18.1-8

Querida Comunidade!
Jesus nos conta uma parábola, que tem sido usada muitas vezes para explicar que é preciso orar sempre, sem nunca desanimar. A parábola da viúva e do juiz tem sido usada como um chamado a perseverar na oração e nunca desanimar.
No entanto, se observamos bem o conteúdo dessa parábola, veremos que a chave dessa parábola está numa mulher (viúva) que tem sede de justiça. Além de ser um modelo de oração, essa parábola nos quer animar a lutar por justiça dentro de uma sociedade injusta, corrupta e cruel que não se interessa pelos mais pobres.


Leitura do texto….. Lucas 18.1-8

O primeiro personagem dessa parábola é um juiz não liga para nada, não acredita em Deus e nem se importa com as pessoas. A parábola o descreve como alguém centrado em si mesmo. Podemos imaginar que ele tem poder, ganha um bom salário, tem estabilidade e não pode ser demitido, ninguém pode com ele, não deve satisfação a ninguém pelo que faz ou deixa de fazer. É a encarnação de um sistema de corrupção que denunciam repetidamente os profetas: os poderosos não temem a justiça de Deus e não respeitam a dignidade, nem dos direitos dos pobres.

Ai dos que chamam de mau aquilo que é bom e que chamam de bom aquilo que é mau; que fazem a luz virar escuridão e a escuridão virar luz;
que fazem o amargo virar doce e o que é doce ficar amargo. Ai dos que…justificam o ímpio por suborno, e ao justo negam justiça”. (Is 5.20-23)

Ai de vocês que fazem leis injustas, leis para explorar o povo. Vocês não defendem o direito dos pobres nem as causas dos necessitados e exploram as viúvas e os pobres (Is 10.1-2)

Todos estão prontos para fazer o que é mau. Autoridades exigem dinheiro por fora, juízes recebem presentes para torcer a justiça. Os poderosos contam como vão fazer para satisfazer seus maus desejos (Mq 7.3)

Esses não são casos isolados. Os profetas continuamente denunciam a corrupção do sistema judicial em Israel e a estrutura machista daquela sociedade patriarcal.

O segundo personagem dessa parábola é uma viúva indefesa dentro dessa sociedade injusta. Por uma parte, ela sofre por causa do conflito com seu “adversário”. A parábola não diz qual é a causa que a viúva lhe traz. Mas, sabe-se que, no tempo de Jesus, juízes julgavam causas econômicas. Portanto, é muito provável que está em jogo o seu direito à herança, uma hipoteca ou algum dinheiro ainda devido ao seu falecido marido. Mas ao que parece, esse adversário é mais poderoso que a viúva. Por outro lado, a viúva indefesa sofre com a desconsideração do juiz a quem não lhe importa sua situação nem seu sofrimento. Desta mesma forma, vivem milhões de mulheres na maioria dos países do mundo.

A viúva é pobre, não tem nem pra viver nem pra morrer, está na rua da amargura. No AT e no NT as viúvas não tinham nada em seu nome. Elas são mencionadas geralmente junto com os órfãos e os estrangeiros como exemplos das pessoas mais vulneráveis e necessitadas de direitos da sociedade antiga. Os profetas chegam a fazer da sua vulnerabilidade um indicador, para se medir, se um governante era justo ou não. Um governante era considerado justo – se ele tratava os pobres, os órfãos e as viúvas com justiça.

O juiz não dá atenção à viúva, fica protelando a sua causa. Pra que se incomodar com gente que não tem onde cair morto? Na sua posição de juiz não cabe uma viúva que vem fazer protesto todo o dia, onde ele atende.
A viúva teima, insiste, ela tem sede de justiça, sua única forma de luta é a perseverança. Ela não tem outra alternativa. Ficar em casa, rezando pra Deus resolver sua questão, esperando quieta e ordeira pela justiça. Ela sabe que desta forma a justiça nunca irá acontecer. Ela sabe que além de confiar em Deus ela precisa também lutar para que a justiça seja feita. Também hoje é assim. Não basta ter boas leis para proteger as pessoas. Além das leis é preciso lutar para que essas leis se cumpram. Caso contrário, não adianta nada ter uma boa lei se ela não se cumpre. Por exemplo, os jornais mineiros publicaram recentemente uma reportagem dizendo que aqui em Minas Gerais um processo relacionado à Lei Maria da Penha prescreve (perde a validade) a cada hora. São milhares de casos não julgados. A alegação é que a Polícia Civil não tem estrutura e nem pessoal suficiente para fazer as investigações. Essa situação é desanimadora para as mulheres vítimas —- e encorajadora para os homens agressivos —– e certamente isso contribui para que sejamos hoje o estado brasileiro campeão em feminicídios.

A viúva da parábola de Jesus sabe que se ela mesma não sair as ruas, expor sua situação publicamente e exigir justiça, se ela não fizer isso, o tempo vai correr e nada acontece. Ela sabe que sua única chance é lutar. Ela não tem vergonha de ir atrás do seu direito. Não lhe resta outra coisa do que exigir que sua situação seja julgada pelo juiz. Dá para imaginar que essa cena foi se repetindo por semanas, meses. Tem lutas que duram anos. A demora já é uma injustiça! Na prática é uma condenação silenciosa das partes mais fracas num processo!

Já na conclusão da parábola, Jesus conta que finalmente o juiz julgou a questão daquela viúva que insistentemente buscava por justiça. Mas o juiz não tem nenhum mérito nisso. Ele julgou a causa da viúva para se livrar dos gritos, das manifestações, da perturbação daquela viúva. Quando a causa é vital, a gente não deve desistir nunca!

E Jesus termina a parábola dizendo: Se até os juízes desonestos e corruptos acabam tendo que julgar a causa dos que lutam por justiça, quanto mais Deus, que é bom, acaso não fará justiça a favor do seu próprio povo, que grita por socorro dia e noite? Eu afirmo a vocês que Deus julgará a favor do seu povo e fará isso bem depressa. (João 18.7-8)

E então Jesus faz um desafio final para @s discípul@s e também para tod@s nós.
Quando o Filho do Homem vier, será que ele vai encontrar essa fé na terra? (v. 8). Jesus está pensando na fé daquela viúva e na sua sede por justiça, que produz indignação e resistência ativa, coragem para reclamar justiça aos corruptos. Hoje chamamos isso de Teologia Pública. Quando o Filho do Homem vier, será que ele vai encontrar essa fé na terra?

Um teólogo alemão chamado Johann Baptist Metz, ao ler essa parábola da viúva e do juiz injusto, disse que na igreja cristã ouvimos muitos hinos, mas poucos gritos de indignação, na igreja somos muito complacentes com a maldade e pouco interessados em construir um mundo mais humano, que na igreja falamos muito em consolo, mas falamos pouco em buscar o Reino de Deus e a sua justiça.

Hoje essa parábola nos fez olhar para uma pessoa (uma viúva) que lutou insistentemente por justiça. Assim devemos continuar ainda hoje olhando para as pessoas que se manifestam publicamente, lutando por justiça através dos movimentos sociais. A fé que Jesus elogia é aquela fé que sabe que além de orar também é preciso lutar. Orar e lutar: essas duas coisas devem ser feitas com a mesma intensidade e perseverança. 

Que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus nosso Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam entre nós. Amém.