Amados irmãos, amadas irmãs,
o evangelho quebra a lógica do mundo. A lógica do mundo é a lógica da meritocracia, do fazer por merecer; esta é a lógica do merecimento, da conquista, da vitória, do sucesso. A lógica do mundo é a lógica da aparência, do status, do andar na “alta sociedade”, estar perto de gente conhecida; a lógica do mundo é a lógica do poder, da glória e do prestígio.
Da mesma forma acontecia com os fariseus e os escribas no tempo de Jesus. Os fariseus e os escribas eram “gente da alta sociedade”, pessoas com status, poder, prestígio, enfim, pessoas com notoriedade e que eram reconhecidas por causa de seus méritos. Os fariseus e os escribas acreditavam serem capazes de cumprir o rigor das leis do Antigo Testamento. Por isso, não se misturavam com os fracos, pobres, ignorantes, enfim, os desprezados pela sociedade da época.
Por isso, não é nada estranho que Jesus incomodasse profundamente os fariseus e os escribas. Enquanto eles buscavam o mérito, Jesus doava misericórdia; enquanto eles buscavam a ambição, Jesus doava da graça; enquanto eles queriam fazer por merecer, Jesus buscava quem não tinha nada a oferecer; enquanto eles escolhiam a dedo com quem iriam ter suas refeições, Jesus aceitava a todos, até os mais humildes; enquanto os fariseus e os escribas queriam ser a régua moral da sociedade para medir os outros a partir de si mesmos, Jesus olhava com misericórdia até para quem se perdeu na lama do pecado.
Por isso, “os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: – Este recebe pecadores e come com eles”. (Lucas 15.2). Enquanto os fariseus e os escribas enxergavam o ser humano apenas naquilo que poderia oferecer de bom, Jesus olhava para o ser humano como ele é. Para Jesus, o valor de alguém não depende dos próprios méritos, mas da graça e do amor do seu Pai. Enquanto os fariseus e os escribas queriam prender o próprio Deus em seus sistemas religiosos, Deus – em Jesus – se mostrou livre para agir com quem quiser, independentemente dos critérios humanos. Enquanto os fariseus só se sentavam com gente “do seu tipo”, Jesus decidiu fazer uma refeição com pecadores, uma afronta ao sistema farisaico.
Percebendo a arrogância dos fariseus, Jesus contou três parábolas que figuram entre as mais conhecidas de toda a Bíblia. Ele inicia com a parábola da ovelha perdida (cf. Lucas 15.1-7), seguindo pela parábola da moeda perdida (cf. Lucas 15.8-10) e concluindo com a parábola do filho perdido (cf. Lucas 15.11-32). As três parábolas possuem uma mesma ordem de acontecimentos em comum: perder, achar e alegrar-se. O texto previsto abrange apenas as duas primeiras parábolas e nós iremos obedecer ao trecho indicado. Porém, recomendo que em casa você tire um tempo para ler e reler todo o capítulo 15 de Lucas.
Diante dos “grandes méritos” dos fariseus e dos escribas, qual é a mensagem presente nestas parábolas? Qual é o grande ensinamento presente nestas histórias tão parecidas entre si? Quais são as novas formas de farisaísmo presentes em nossa sociedade ou igrejas hoje? E, então, quais são as lições destas parábolas a nós? Para descobrirmos, vamos passar pelos três verbos principais das parábolas:
1 PERDER
As parábolas iniciam falando de algo bem comum em nosso dia a dia: perder algo. Todos nós sabemos o quanto é perturbador perder algo importante e não conseguir encontrar onde deixou. Muitas vezes, quando mais se precisa de algo, aquilo não é encontrado de jeito nenhum; então, de repente, quando a necessidade já passou, o objeto reaparece no lugar mais óbvio da casa.
Da mesma forma acontece nestas parábolas: na primeira, um homem que tinha cem ovelhas acabou de perder uma delas. Ele poderia ter se conformado com as noventa e nove ovelhas; poderia pensar em adquirir outra quando possível. Porém, essas ideias nem passaram pela sua cabeça: a primeira coisa que ele pensa e faz é deixar as noventa e nove no aprisco para buscar aquela que se perdeu! O mais interessante é que a motivação dessa ação não é a cobiça ou a ambição, mas a misericórdia, pois seu coração está doído por aquela ovelha que se perdeu.
Qual o valor de uma ovelha perdida? Será que ela é mais amada que as outras? Em uma pregação sobre a Parábola da Ovelha Perdida,
Lutero compara a ação de busca a uma mãe que tem muitas crianças e ama a todas elas da mesma forma. Quando uma das crianças cai ou fica doente, este fato cria uma diferença entre as crianças. A mãe faz de tudo por aquela criança, que neste momento especial é a que recebe mais cuidado. Isto não significa que as outras crianças sejam abandonadas. Da mesma forma, não se diz que as 99 ovelhas são deixadas desprotegidas. Possivelmente ficaram no curral ou alguém tomou conta delas enquanto o pastor procurava.1
Deus tem uma paixão muito grande pelas pessoas perdidas e quer que tenhamos essa mesma paixão por sua missão. Os fariseus e os escribas são as noventa e nove ovelhas no aprisco que julgam, apontam o dedo e falam mal daquela que se perdeu. As noventa e nove ovelhas do aprisco são aquelas que xingam, fazem fofoca, pintam a pior imagem possível daquela que as deixou. No lugar do coração, as noventa e nove ovelhas possuem uma pedra. Por isso, são desumanas em seu julgamento e completamente incapazes da misericórdia.
O falecido pastor norte-americano Billy Graham certa vez disse: “A Bíblia não manda que os pecadores procurem a igreja, mas ordena que a igreja saia em busca dos pecadores”. Ele está certo! A evangelização e a missão não é tarefa apenas do/a ministro/a, embora receba o nome de pastor/a. É tarefa de todos/as os cristãos/ãs trazer as pessoas que se afastaram do batismo de volta à comunhão cristã.
Deus se entristece profundamente com o pecado do ser humano. Assim diz o Senhor por meio da boca do profeta Jeremias: ““Fortalecem-se na terra, mas não para a verdade, porque avançam de maldade em maldade e não me conhecem”, diz o Senhor”. (Jeremias 9.3). Conforme Isaías 59.2, “as iniquidades de vocês fazem separação entre vocês e o seu Deus”. Ou seja: o pecado nos separa de Deus; mesmo assim, “Eis que a mão do Senhor não está encolhida para que não possa salvar; e o seu ouvido não está surdo para não poder ouvir”. (Isaías 59.1). Deus não deixa o seu coração se tornar pedra, pois Deus sempre está disposto ao perdão, ao recomeço e à misericórdia.
A nossa tarefa como igreja de Jesus é resgatar os perdidos, pregar o arrependimento, denunciar a injustiça e a opressão, clamando por conversão! Deus não espera que apontemos o dedo para aqueles que se perderam, mas que estendamos as mãos para a acolhida, para o abraço e para a misericórdia. A intenção de Deus não é que o pecador se perca ainda mais e seja castigado, mas que seja encontrado pela graça. E nós, como cristãos e cristãs, temos essa missão.
Da mesma forma aconteceu com a moeda perdida. Uma dracma equivalia na época a um dia inteiro de trabalho. A mulher não buscou a moeda por egoísmo ou ambição, mas por necessidade. Provavelmente aquela moeda compraria o seu pão daquele dia. Ela precisava daquela moeda para viver. E não há maior alegria que encontrar aquilo que se perdeu. Por isso, vamos ao nosso próximo ponto:
2 ACHAR
Há um alívio quando o que estava perdido é encontrado, tanto para a ovelha quanto para a moeda. Esse fato mostra algo importante sobre a graça de Deus: ele está à procura do ser humano pecador. O ser humano nunca encontraria a Deus se o próprio Deus não o procurasse primeiro. Antes do ser humano pecador procurar a Deus, Deus já o procura.
Sem Jesus, o ser humano está completamente perdido. A única coisa que de fato o ser humano merece é a condenação eterna. Porém, este não é o desejo de Deus. Ao contrário, Deus decidiu não realizar a condenação ao efetuar seu julgamento em seu próprio e unigênito Filho. Na cruz, o Filho foi condenado para que o pecador fosse inocentado; em outras palavras, o Filho foi morto para que o perdido fosse encontrado.
Deus não lança o ser humano pecador para fora do seu Reino, como queriam os fariseus e escribas. Ao contrário, o que Deus mais deseja é a conversão do pecador. Jonathan Edwards, um pregador norte-americano e primeiro reitor da Universidade de Princeton, afirmou em uma das suas mais conhecidas pregações: “O pecado é a ruína e a miséria da alma; é destrutivo por natureza e, se Deus o deixasse sem restrições, não haveria mais nada para tornar a alma perfeitamente miserável”2.
O pecado é uma desgraça e é o destino de todo ser humano. Nisso, todos são iguais. Não há diferenças. Diante de Deus não há “pecadinho” ou “pecadão”; não! Diante de Deus só há o pecado! E embora as leis humanas tenham consequências diferentes para crimes diferentes, diante de Deus o pecado é sempre o mesmo pecado. Isso nos ensina que “não há um justo sequer”. (Romanos 3.10). Ou seja: há quem possa se achar melhor que aqueles que estão perdidos. Porém, diante de Deus, todos são igualmente pecadores!
O apóstolo Paulo foi um dos que foram encontrados pelo amor de Deus. E ele, enquanto perseguidor da Igreja de Jesus, era um dos mais perdidos. O próprio Paulo disse a seu irmão na fé Timóteo: “Dou graças a Cristo Jesus, nosso Senhor, que me fortaleceu e me considerou fiel, designando-me para o ministério, a mim, que, no passado, era blasfemo, perseguidor e insolente. Mas alcancei misericórdia, pois fiz isso na ignorância, na incredulidade. Transbordou, porém, a graça de nosso Senhor com a fé e o amor que há em Cristo Jesus. Esta palavra é fiel e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal. Mas, por esta mesma razão, me foi concedida misericórdia, para que, em mim, que sou o principal pecador, Cristo Jesus pudesse mostrar a sua completa longanimidade, e eu servisse de modelo para todos os que hão de crer nele para a vida eterna. Assim, ao Rei eterno, imortal, invisível, Deus único, honra e glória para todo o sempre. Amém!” (1 Timóteo 1.12-17). Presta atenção: o pecador principal não é o outro, mas eu mesmo. Se eu não for o maior pecador que eu conheço, então, definitivamente, ainda não entendi o Evangelho. Tem ovelhas no aprisco que podem estar mais perdidas dentro que aquela que se perdeu para fora, pois pelo menos aquela não é hipócrita, falsa e orgulhosa.
Deus tem interesse na nossa salvação – nesta vida aqui e na eternidade. E quando a graça de Deus encontra ao pecador perdido, vivenciamos o terceiro verbo do nosso texto:
3 ALEGRAR-SE
Embora o mundo possa apontar o dedo para aquele que se perdeu, Deus o espera de braços abertos e lhe prepara um banquete. Por isso, Jesus foi muito claro em suas palavras, dirigidas aos soberbos fariseus e escribas: “Digo a vocês que, assim, haverá mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento”. (Lucas 15.7); e continua: “Eu afirmo a vocês que a mesma alegria existe diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende”. (Lucas15.10).
Preste atenção: não há festa no céu para gente que acha que tem auréola na cabeça; também não há festa no céu para quem se acha mais santo/a que outras pessoas; não há festa no céu quando “cristãos” apontam o dedo para aquele/a que se perdeu. Não! Há festa no céu quando o pecador se arrepende! Quando alguém reconhece a sua miséria diante de Deus e clama por graça e misericórdia, ali há alegria e comemoração.
O céu não estava em festa porque os fariseus e escribas buscavam cumprir o rigor da lei; também não havia festa no céu quando eles julgavam os pobres, miseráveis, enfim, os pecadores. Não soava uma voz no céu, dizendo: “É isso aí! Ou eles mudam ou vou metralhar todos eles”. Não gente! Muito ao contrário, há festa no céu sempre que alguém entende a miséria em que está e recebe do perdão, da graça e da misericórdia de Deus.
Essa é a função da comunidade: não rechaçar, julgar ou distanciar, mas orar, receber, acolher, enfim, amar! Exercer misericórdia! Ter um coração mole! Ser comunidade empática ao pecador arrependido. Ser igreja que não julga, mas ama pelo exemplo. Ser igreja que, sendo discípula de Jesus, discipula outros. Dietrich Bonhoeffer escreveu: “A resposta do discípulo não é uma confissão oral da fé em Jesus, mas um ato de obediência”3. Karl Barth escreveu na mesma direção, dizendo que Deus “requer fé em forma de obediência, obediência a ele. É este comprometimento com ele que constitui a essência do chamado ao discipulado”4. A Igreja Cristã é chamada a discipular pessoas. Por isso, a Igreja precisa ser exemplo em Cristo Jesus – não de perfeição, mas de misericórdia, graça e amor. Essa é a alegria ser Igreja – Corpo de Cristo na terra.
Amados irmãos, amadas irmãs,
nossa Igreja tem saído em busca dos pecadores? Ou temos sido igreja “encurvada em si mesma” e que só sabe apontar o dedo para os outros? Será que também nós muitas vezes não somos “fariseus ou escribas”? Na Constituição da IECLB, art. 3º, diz que a missão da Igreja é: I – propagar o Evangelho de Jesus Cristo; II – estimular a vivência evangélica pessoal, familiar e comunitária; III – promover a paz, a justiça e o amor na sociedade; IV – participar do testemunho do Evangelho no País e no mundo. Conforme o Planejamento Missionário da IECLB, isso é efetuado em diferentes dimensões da missão: Evangelização, Comunhão, Diaconia e Liturgia. Cabe a nós a reflexão se estamos sendo “igreja para os de fora” ou apenas um “clubinho dos de dentro”. Deus abençoe essa reflexão. Vamos amar e buscar aos perdidos. Vamos ser/fazer missão!
NOSSO COMPROMISSO:
Vamos colocar o que aprendemos em prática? Sem olhares de julgamento, pensemos em pessoas que a algum tempo não temos visto na comunidade. Como será que que essas pessoas estão? Onde elas estão? De quem você lembra? (Ao final do culto, cada pessoa receberá um cartão/convite que poderá ser levado a alguém em nome da comunidade, com um abraço e desejo de bênçãos e paz)5. CLIQUE AQUI PARA BAIXAR MODELO DE CARTÃO.
E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os nossos corações e as nossas mentes em Cristo Jesus, amém.
14º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | VERDE | TEMPO COMUM | ANO C
11 de Setembro de 2022
P. William Felipe Zacarias
1 MICHEL SIEGLE, Carmen. “A procura cuidadosa”. in: VOIGT, Emílio (Org.). Redescoberta do Evangelho. Blumenau: Otto Kuhr, 2018. p. 29-30.
2 EDWARDS, Jonathan. Pecadores nas mãos de um Deus irado e outros sermões. Jandira: Principis, 2021. p. 91.
3 BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Paulo: Mundo Cristão, 2016. p. 32.
4 BARTH, Karl. Chamado ao Discipulado. São Paulo: Fonte Editorial, 2006. p. 23.
5 Ideia de: MICHEL SIEGLE, 2018. p. 30. Modelo de convite em anexo nos documentos.