No ano passado (2023), por ocasião do “Dia Mundial do Meio Ambiente”, foi emitido o Manifesto do Conselho da Igreja e da Presidência da IECLB. Um ano depois, sob o impacto da maior tragédia climática ambiental de nosso país, reafirmamos o seu conteúdo e aprofundamos a reflexão.
Passado mais de um mês, a tragédia ambiental que se abateu sobre o Rio Grande do Sul revela números trágicos. Ela atingiu 476 municípios e afetou mais de 2,3 milhões de pessoas, sendo que 572.781 ainda se encontram desalojadas e 30.442 estão em abrigos. Contabilizam-se também 172 óbitos e 41 pessoas desaparecidas. Um incontável número de casas, pontes e trechos de estradas precisarão ser reconstruídos. Há bairros que não poderão mais existir no lugar em que estavam, e terão que ser realocados por completo. Há propriedades rurais nas imediações dos rios que foram arrasadas ao ponto de não se ter certeza de suas condições de produção. As pessoas necessitarão de todo apoio para que possam superar o abalo sofrido em suas estruturas emocionais, psicológicas, materiais e espirituais.
Diante deste cenário, é imperativo que a administração pública, nas esferas municipal, estadual e federal, atue em sintonia, buscando mitigar os sofrimentos. Esta atuação também precisa ser urgente, no sentido de executar obras emergenciais que permitam que as pessoas tenham garantidas as condições para refazerem suas vidas e perspectivas.
No processo de reconstrução, é necessário considerar a questão das áreas de risco. É inaceitável que continuemos a insistir em manter residências em áreas que são constantemente atingidas por enchentes e inundações. Não podemos ignorar a necessidade de tomar decisões que possam parecer impopulares ou que, num primeiro momento, possam parecer mais onerosas. É necessário atuar de forma preventiva. Exortamos o poder público e pedimos às lideranças de nossas Comunidades e Paróquias para se envolver neste acompanhamento e discussões em cada contexto, visando garantir a adoção de políticas e medidas em diálogo com as populações das áreas de risco e especialistas de diferentes áreas de conhecimento, como ecologia, geologia e urbanismo, entre outras.
A situação, hoje enfrentada no Rio Grande do Sul, não é isolada. Conforme o Serviço Geológico do Brasil, de 2004 a 2013 o Brasil teve 182 cheias. Nos últimos 10 anos, entre 2014 e 2023, foram 314. Um aumento de mais de 70%. A situação é ainda pior quando falamos de secas. São 406 de 2014 a 2023. O número é mais de quatro vezes maior do que a década anterior, quando tivemos 92. Em diferentes regiões do Brasil e em diversos países no mundo, temos presenciado diferentes tragédias climático-ambientais. Os dados dos últimos anos apontam para uma maior incidência de situações extremas. Secas e enchentes têm sido cada vez mais constantes. Não é mais possível ignorar a urgência da questão climático-ambiental. Assim sendo, cabe-nos refletir sobre a nossa responsabilidade ante o tema. É preciso se perguntar: como a nossa Comunidade e família pode se envolver e proporcionar novas atitudes e ações de precaução e proteção? Que compromisso podemos adotar?
É indiscutível que todas as pessoas querem respirar ar puro, comer alimentos sem substâncias tóxicas e desfrutar a beleza da biodiversidade. Ninguém, em sã consciência, irá dizer que é contra o meio ambiente. Entretanto, ser a favor e agir a favor são coisas muito distintas. “Mas alguém dirá: Tu tens fé, e eu tenho obras; mostra-me essa tua fé sem as obras, e eu, com as obras, te mostrarei a minha fé” (Tiago 2.18). Cabe lembrar que não basta só falarmos a favor do meio ambiente e da sustentabilidade. Nossa fé se concretiza em atitudes de prevenção e proteção.
Em 2010, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), emitiu o “Manifesto Pelo Fim da guerra santa nas eleições”. Neste manifesto, afirmou: “Um princípio fundamental da Reforma, no século XVI, e parte integrante da confessionalidade luterana, é também o total respeito à consciência de cada pessoa e a suas próprias decisões de fé, ainda que a Igreja deva proclamar sempre e em todos os lugares os valores da Palavra de Deus. Entre estes se destacam o cuidado para com toda a criação…”. Enquanto Igreja de Jesus Cristo, compreendemos que a Escritura aponta para a nossa responsabilidade diante de Deus, da criação e do ser humano. Lutero afirmou: “A criação toda é o mais belo livro da Bíblia, onde Deus se inscreveu e desenhou.” Essa criação está ao nosso cuidado e perante ela temos que assumir responsabilidades e ações de transformação.
“‘Ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam’ (Salmo 24.1). A criação não é nossa propriedade. Não podemos fazer com ela o que bem entendemos. Dono da criação é Deus. Ele criou os seres humanos com a tarefa de cuidar, guardar e cultivar a boa criação de Deus. Somos, portanto, capatazes apenas e teremos que prestar contas diante do Criador” (Manifesto Alerta sobre transgênicos – 1999). Esta responsabilidade nos é dada pelo Criador na Gênese da Criação. No livro de Gênesis há dois relatos da criação: Gn 1.1-2.3 e Gn 2.4-25. Os dois relatos provêm de tradições diferentes do judaísmo. Surgiram em épocas diferentes e possuem acentos distintos. Mas em um aspecto os dois são exatamente iguais: ambos são uma profissão de fé. Ambos os relatos apresentam a convicção de que o universo todo é criação de Deus. O mundo é obra de Deus e pertence a Ele.
Leituras ingênuas ou mal-intencionadas têm levado, muitas vezes, a uma compreensão distorcida do que significa dominar e sujeitar. O domínio do ser humano corresponde ao domínio de Deus. A função de domínio não inclui matar, capturar, maltratar, destruir. Ou seja, o domínio não é uma carta em branco que autoriza desrespeito com a criação e ausência de cuidados básicos para com ela.
“A ganância alimenta o nosso coração e o consumo engorda os nossos corpos. É necessário ver que a criação foi colocada por Deus para que ela fosse preservada e que fosse responsavelmente utilizada. A utilização dos recursos naturais deve garantir a vida desta e das futuras gerações para que também estas possam viver de forma digna” (Manifesto sobre Bioética – 2008). A “administração” da natureza implica em responsabilidade para com ela. Qualquer dano que a natureza sofrer será cobrado do ser humano, que recebeu a tarefa de cuidar e cultivar (Gênesis 2.15).
Tendo este pressuposto, animamos as Comunidades, Conselhos, Setores de Trabalho e Instituições ligadas à IECLB, assim como todas as pessoas cristãs, a:
– Assumir o cuidado com a Criação em toda a sua dimensão;
– Promover e/ou participar de debates que tratam com seriedade a questão climático-ambiental, na busca de propostas concretas;
– Cobrar dos poderes legislativo municipal, estadual e federal a não aprovação de projetos que flexibilizem ainda mais as leis ambientais;
– Cobrar de candidatos e de políticos no exercício do mandato posicionamento claro quanto ao cuidado com a Criação e em defesa da preservação do meio ambiente;
– Priorizar ações diaconais em Comunidades com empatia para as situações de necessidades materiais, emocionais e psicológicas das famílias no processo de reconstrução das casas, empreendimentos e das suas vidas.
“Deus nos fez à sua imagem e semelhança não por acaso. Ao fazê-lo, ele nos convida, como homem e mulher, a vivermos uns com os outros o que de mais belo e maravilhoso nos é dado na sua criação: o amor. É o amor de Deus que dá vida ao universo, que nos convida à solidariedade, à fraternidade, à partilha e à comunhão uns com os outros. É esse amor que nos chama à reconciliação e nos leva a contemplar e cuidar da criação de Deus com paixão e amor. É o amor de Deus que nos faz ver com ele que tudo o que ele fez é bom” (PAMI – Plano de Ação Missionária da IECLB).
Nestes termos, subscrevemos:
P. Afonso Adolfo Weimer (Sínodo Rio Paraná)
P. Me. Alan Sharle Schulz (Sínodo Vale do Itajaí)
P. Alfredo Jorge Hagsma (Sínodo Paranapanema)
Pa. Betina Schlittler Cavallin (Sínodo Planalto Rio-Grandense)
P. Carlos Eduardo Müller Bock (Sínodo Rio dos Sinos)
P. Dr. Claudir Burmann (Sínodo Norte Catarinense)
P. Décio Weber (Sínodo Centro-Campanha Sul)
P. Me. Eduardo Paulo Stauder (Sínodo Nordeste Gaúcho)
P. Elisandro Rheinheimer (Sínodo Mato Grosso)
P. Fábio Bernardo Rucks (Sínodo Noroeste Riograndense)
P. Fábio Steinert (Sínodo Sul-Rio-Grandense)
P. Ismar Schiefelbein (Sínodo Espírito Santo a Belém)
P. Joel Schlemper (Sínodo Centro-Sul Catarinense)
P. Luis Henrique Sievers (Sínodo Vale do Taquari)
P. Me. Marcos Jair Ebeling (Sínodo Sudeste)
Pa. Mônica Barden Dahlke (Sínodo Uruguai)
Pa. Patrícia Bauer (Sínodo Brasil Central)
Pa. Vera Lúcia Engelhardt (Sínodo da Amazônia)
P. Dr. Mauro Batista de Souza (Segundo Vice-Presidente)
P. Odair Airton Braun (Primeiro Vice-Presidente)
Pa. Sílvia Beatrice Genz (Pastora Presidente)