Amados irmãos, amadas irmãs,
mais de 400 pessoas morreram ao passarem por um rigoroso jejum religioso no Quênia. Encorajadas pelo líder religioso Paul N. Mackenzie, seus seguidores foram atraídos para uma floresta crendo na salvação religiosa por meio da morte por inanição – quando as células do organismo não têm mais nutrientes para a preservação da vida. Algumas das vítimas, incluindo crianças, foram estranguladas, agredidas ou asfixiadas, de acordo com as autópsias. O número de mortos é alto porque as atividades da seita passaram despercebidas por muito tempo.[1]
A busca pelo sagrado está no cerne da humanidade. Quem nunca se encantou com um mistério? Quem nunca se perguntou pelo sentido da vida? Quem nunca foi atrás de respostas para as diversas perguntas da vida? Como seres humanos, precisamos do sagrado, de rituais de passagem, de símbolos e outros elementos que nos fazem transcender da vida cheia de sofrimentos que vivemos.
É para oferecer a experiência com o sagrado que existe a Igreja. Assim diz Jay Kim, autor do livro “Igreja Analógica”:
Pessoas estão com fome por experiências humanas e a igreja é perfeitamente posicionada para oferecer exatamente isso. De fato, a igreja é fundamentalmente designada e intencionada para esse trabalho – para criar espaços e oportunidades para as pessoas de todas as esferas da vida experimentarem o verdadeiro florescimento humano. Ao contrário de qualquer outra coisa em nossa cultura atual, a igreja pode convidar pessoas a se reunirem pessoalmente na esperança que Jesus Cristo oferece.[2]
Hoje, muitas pessoas estão a busca de Deus. Querem encontrá-lo em diversos lugares. E quando uma experiência já não causa tanto êxtase, passa-se para a próxima experiência. Enfim, como podemos encontrar a Deus? Como chegar a Deus? Onde buscar a Deus? Ou, para ficar com a sabedoria do apóstolo Paulo em seu discurso na cidade de Atenas na Grécia Antiga, “para buscarem Deus se, porventura, tateando, o possam achar, ainda que não esteja longe de cada um de nós; pois nele vivemos, nos movemos e existimos, como alguns dos poetas de vocês disseram: “Porque dele também somos geração”. (Atos 17.27-28). “Tateando” (ψηλέαφήσειαν – psēlaphēseian) transmite a sensação de uma procura ou de uma exploração incerta, no escuro. Na sabedoria de Paulo, o ser humano está no escuro (ou como um cego) tateando a procura do sagrado e do próprio Deus.
Assim diz o missionário prof. Dr. Euler Renato Westphal:
A religião é a expressão da apreensão do sagrado na experiência humana. O ser humano sabe diante do fascinante e do tremendo, que é o sagrado. Diante do sagrado o ser humano sente que está diante do mistério, embora não consiga compreender a extensão do mistério da vida, da morte e de Deus.[3]
Hoje, vivemos o pluralismo religioso. Há praticamente estilos religiosos para cada estilo de vida pessoal. Religiões passam a ser “roupas que são usadas e trocadas”. O grande problema é que nessa busca, o próprio ser humano fez de si um critério para a busca de Deus – não deixando Deus ser Deus! O ser humano é uma fábrica de ídolos e cria cada vez mais ídolos à sua imagem e semelhança, ou à imagem e semelhança dos seus desejos (na pós-modernidade). E, no fim das contas, o próprio Deus cristão é transformado em só mais um ídolo – só mais uma opção – diante das tantas possíveis.
Isso está ligado à história do povo de Deus. Para entendermos melhor o nosso texto bíblico e o tema proposto, vamos trabalhar a pregação em três pontos:
1 O POVO DE DEUS E A PLURALIDADE RELIGIOSA
O povo de Deus que outrora havia recebido a terra prometida se encontra agora no exílio babilônico. O povo de Deus agora está em uma terra estrangeira. Se antes eles estavam em um território onde deveriam confessar e crer somente no único Deus – o Deus de seus pais Abraão, Isaque e Jacó –, agora, na Babilônia, eles estão em um contexto em que é normal haver a crença em várias divindades. Na Babilônia, o sol é um deus, a lua é um deus, a terra é um deus, assim por diante. Agora, o povo de Deus vive no meio de um povo que confessa crer em uma pluralidade de divindades.
É nesse contexto histórico de uma pluralidade de divindades que foram escritos os relatos da criação do livro de Gênesis. Em um território onde as pessoas acreditavam que a terra, o sol, a lua e outros elementos da natureza eram divindades, os relatos da criação se tornaram a confissão de fé de que os judeus creem no único e verdadeiro Deus que criou os céus, a terra etc.
Por isso, cristão não acredita em horóscopo! Os astros não possuem influência alguma na direção da vida humana. Crer/confiar que um alinhamento de astros pode fazer você ter sorte em relacionamentos, prosperidade financeira ou felicidade significa desacreditar/desconfiar e até mesmo diminuir o poder de Deus – que realmente tem a nossa vida em suas mãos! Quem acreditava nos astros eram os babilônios; o povo de Deus confessava crer no único e verdadeiro Deus.
E claro, foi um enorme desafio para os hebreus manterem sua fé diante de um contexto de pluralidade religiosa. Percebemos isso na leitura do livro do profeta Daniel: “O rei Nabucodonosor fez uma imagem de ouro que tinha vinte e sete metros de altura e dois metros e setenta de largura, que ele levantou na planície de Dura, na província da Babilônia. (…) Nisto, o arauto proclamou em alta voz: – Ordena-se a vocês, pessoas de todos os povos, nações e línguas, que, no momento em que ouvirem o som da trombeta, da flauta, da harpa, da cítara, da lira, da gaita de foles e de todo tipo de música, vocês se prostrem e adorem a imagem de ouro que o rei Nabucodonosor levantou. Quem não se prostrar e não a adorar será, no mesmo instante, lançado na fornalha de fogo ardente.” (Daniel 3.1, 4-6). No decorrer da história, lemos que Sadraque, Mesaque e Abede-Nego se negaram a adorar a prestar culto aos deuses de Nabucodonosor (cf. Daniel 3.14) e que os três foram lançados na fornalha ardente, sendo protegidos e salvos por Deus sem sofrerem nenhum dano.
Esse é o contexto em que o povo de Deus está inserido. Há uma grande busca pelo sagrado na Babilônia. O exílio deixou profundas marcas no povo judeu. Uma dessas marcas diz respeito ao contado com diferentes religiões e diferentes deuses.
2 A RESPOSTA DE DEUS AO SEU POVO
E então, Deus respondeu ao seu povo. “O exílio foi consequência do pecado e da desobediência das autoridades e do povo de Israel. Mas não há outro Deus que seja tão misericordioso a ponto de tomar a iniciativa de perdoar a maldade do seu povo”[4]. Os judeus estavam passando por um período de provação em meio à pluralidade religiosa e em meio ao sofrimento de estar distante da sua própria terra. Mas isso não significa que foram abandonados por Deus.
No capítulo 43 de Isaías, encontramos as palavras de resgate, libertação e misericórdia de Deus ao seu povo. O Senhor fala com alento e carinho ao seu povo. Agora, no capítulo 44, “a conversa ficou mais séria”. Lutero interpreta esse texto bíblico, dizendo:
Primeiro, Deus falou palavras de consolação para que eles suportassem, para que não perdessem a esperança, já que Deus está com eles. Agora Deus refuta os idólatras, aqueles que se opõem à justiça da fé, para que não nos ofendamos por causa deles.[5]
Deus estava com o seu povo, mas eles precisavam abandonar a idolatria – que foi a causa de terem sido levados para o exílio babilônico. Através da boca do profeta Isaías, Deus fala de si mesmo ao seu povo. Deus faz o povo se lembrar quem ele é! “Assim diz o Senhor, o Rei e Redentor de Israel, o Senhor dos Exércitos: “Eu sou o primeiro e eu sou o último, e além de mim não há Deus”. (Isaías 44.6). O que significam essas palavras? Deus ser o primeiro e o último significa a presença e o agir de Deus na história! Ele não é um deus novo! É o mesmo Deus dos seus antepassados Abraão, Isaque e Jacó; o Deus que os retirou da escravidão no Egito; o Deus que os conduziu pelo deserto rumo à terra prometida! Além dele não há Deus! Ele é único e verdadeiro!
Deus continua a falar de si mesmo por meio do profeta, dizendo: “Quem, assim como eu, fez predições desde que estabeleci o mais antigo povo? Que o declare e o exponha diante de mim! Que esse anuncie as coisas futuras e as coisas que hão de vir!” (Isaías 44.7). Deus fala de si mesmo para convencer o seu povo que ele não é apenas mais um deus diante das tantas divindades babilônicas, mas o único e verdadeiro Deus. Lutero explica que é como se Deus dissesse: “Não sou um novo Deus, mas o mesmo Deus antigo sobre quem vocês ouviram falar suficientemente contra a ofensa da carne e dos judeus. Eu lhes contei as coisas vindouras e futuras, mas eles se recusam a acreditar”[6].
Além disso, em sua resposta, Deus consola o seu povo. Sim! A intenção de Deus não é castigar, mas salvar e consolar: “Não fiquem apavorados, nem tenham medo. Por acaso não revelei e anunciei isso a vocês muito tempo atrás? Vocês são as minhas testemunhas: Será que há outro Deus além de mim? Não, não há outra Rocha que eu conheça”. (Isaías 44.8). Não precisamos ter medo de Deus. Ele é o mesmo! Ele não mudou! Lutero diz: “caminharemos ilesos se nos apegarmos à Palavra, porque ele é o mesmo Deus, e a Palavra à qual nos apegamos é dele”[7].
Só o Deus verdadeiro é a nossa Rocha! Lutero traduziu a palavra “rocha” para o alemão “Hort” que significa “refúgio”. Achei muito interessante esse pequeno detalhe. Uma rocha firme é um lugar de refúgio e segurança em meio às tempestades da vida e da história. E apenas no único e verdadeiro Deus é que encontramos a rocha firme e inabalável capaz de sustentar a nossa frágil vida.
3 A EXCLUSIVIDADE DE JESUS CRISTO
Esse Deus que falou com o povo judeu por meio da boca do profeta Isaías é o mesmo Deus que se revelou a nós em Jesus Cristo. O Deus criador é o Pai de Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. O Pai de Jesus Cristo não é um Deus diferente do Deus Criador. O Pai e o Filho são Deus, mas o Filho não é o Pai e o Pai não é o Filho, assim como o Espírito Santo é Deus, não sendo, porém, o Espírito Santo o Pai e o/ou Filho.
Nesse sentido, Jesus é o Filho do Pai. O filósofo brasileiro Clóvis de Barros Filho escreveu as seguintes palavras sobre Jesus:
Um divino encarnado. Um Deus pessoal. Que podíamos encontrar na rua. Com quem podíamos bater um papo. Aparentemente, sem frescura. Afinal, dava prosa a qualquer um. E grande atenção aos carentes. Não só de riqueza, mas também de notoriedade, de capital simbólico de afeto etc. Nada a ver com os reis da época. Ou com as pessoas importantes de hoje. De difícil aproximação.[8]
Jesus é um Deus pessoal! Diante da diversidade de crenças e credos, a religiosidade humana cria ídolos, afastando-se do Deus revelado em Jesus Cristo. Nós, porém, como povo de Deus, confessamos a Jesus Cristo como único e suficiente Senhor e Salvador. Euler Westphal diz:
No testemunho do NT não há nada mais claro do que a afirmação da exclusividade de Jesus Cristo. Ele não é apresentado como um Senhor, mas como o Senhor, ele não é um salvador, mas o salvador. Ele é a luz, o caminho, a verdade, a vida. Não há nada mais cristalino do que a afirmação de que somente no nome de Jesus há salvação para toda a humanidade.[9]
Esse é o cerne do Evangelho! Jesus Cristo é o único salvador, ou então ele não é o salvador. A cultura prega que todos os caminhos levam a Deus; o cristianismo prega que só Jesus Cristo é o caminho para Deus; a cultura prega que o importante é ser feliz; o cristianismo prega que não há felicidade sem Jesus; a cultura prega que Deus está em tudo e que tudo é Deus; o cristianismo prega que o rosto de Deus só pode ser encontrado na fronte ensanguentada do Deus crucificado!
Não podemos negociar ou “personalizar” a nossa fé: ou cremos no Deus criador ou cremos no horóscopo; ou cremos na ressurreição dos mortos ou cremos na reencarnação; ou cremos na exclusividade de Jesus Cristo para a salvação ou cremos na salvação por obras – que é a religião e a religiosidade!
Amados irmãos, amadas irmãs,
O ser humano busca por Deus; o que o ser humano precisa descobrir é que é buscado por Deus! É Deus quem vem ao nosso encontro! É Deus quem realiza a obra da salvação! É Deus quem age com misericórdia para salvar o ser humano pecador! Quem está buscando a Deus pode ter a certeza e o consolo de que é buscado/a por Deus!
E assim, que possamos viver a nossa fé com convicção. Claro, a fé em Jesus Cristo não deve fechar as portas para o diálogo interreligioso. Mas dialogar com pessoas de outras crenças não significa abandonar a exclusividade de Jesus, tal qual outras religiões também não abandonam suas próprias crenças. Onde todos concordam, não há respeito e tolerância. A discordância é boa e é pressuposto do respeito e da tolerância. Portanto, para respeitar e tolerar, precisamos ser quem somos – ao invés de vestir a identidade do outro.
Assim, ao confessarmos o Trino Deus, não precisamos atropelar quem “crê de uma maneira diferente”. Isso também não significa abandonar a nossa fé para assimilar a fé alheia. Ao invés de criticar os outros e apontar o dedo, que nós mesmos possamos melhorar o nosso testemunho do Evangelho.
Para fortalecer a nossa fé, precisamos melhorar o testemunho da nossa confiança em Deus, precisamos dedicar mais atenção ao testemunho convincente do Evangelho de Jesus Cristo e demonstrar com nossas atitudes o compromisso que temos de viver de acordo com os ensinamentos de Jesus.[10]
Testemunhar não significa apenas falar, mas principalmente agir. O ministério de Jesus foi um ministério prático! Ele não apenas ensinou, mas também agiu! Como Igreja, precisamos falar do Evangelho, mas também precisamos fazer com que o nosso testemunho seja acompanhado da dinâmica da ação! É isso que faz diferença!
Assim, sejamos abençoados por esse aprendizado. Nosso contexto não é tão diferente do contexto do exílio babilônico. Portanto, Isaías 44 tem muito a nos dizer hoje – mesmo que muitos considerem a Bíblia um livro irrelevante para os dias atuais. Assim como Deus respondeu ao seu povo, Deus continua respondendo a nós através de Jesus Cristo, seu Filho Unigênito, o único caminho para o Pai. Que possamos testemunhar em palavras e ações com alegria e disposição. Amém.