Proclamar Libertação – Volume 35
Prédica: Amós 5.18-24
Leituras: Mateus 25.1-13 e 1 Tessalonicenses 4.13-18
Autor: Euler Renato Westphal
Data Litúrgica: 21º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 06/11/2011
1. Introdução
A cidade natal de Amós, Tecoa (7. 12), situada em Judá, não aceitava seu título de profeta. O profeta vivia da criação de animais e era produtor de sicômoros, que é uma espécie de figueira brava com galhos fortes e raízes profundas (7. 14). Amós não era um pastor de ovelhas, mas um criador de gado de toda es- pécie. A partir disso deduz-se que ele poderia ser uma pessoa de posses. Ele também era culto, porque era conhecedor da realidade de seu tempo. Seus horizontes estendiam-se além do mundo que Tecoa proporcionava. Amós testemunhava que fora Deus quem atuara em sua vida. Por isso ele fala somente palavras de Deus. A palavra do Senhor forçou-o a pregar (3.8; 7.15), e isso pareceu semelhante ao rugido surpreendente e assustador de um leão. Sua atuação não está baseada em seus desejos, mas no falar do Senhor Deus. A perspectiva da proclamação de Amós é o juízo de Deus, o dia do Senhor.
Também os textos do Novo Testamento nos colocam diante da realidade do juízo de Deus. Em Mateus 25.1-13, as virgens néscias e as prudentes tinham tudo em comum: tinham lâmpadas, sentiram sono, adormeceram, ouviram o noivo. Entretanto, algumas não estavam preparadas para encontrar-se com o noivo. Faltou azeite. Viver diante da perspectiva da eternidade faz-nos viver de modo responsável. A fé obediente nutre-se da perspectiva de que Deus vai nos encontrar em algum momento e que não temos domínio sobre o dia e a hora em que Deus vai nos chamar.
O texto de 1 Tessalonicenses 4.13-18, que trata dos crentes que morreram, coloca-nos diante do evangelho de que Jesus Cristo morreu e ressuscitou e que ele venceu a morte. A esperança cristã está fundamentada no agir soberano de Deus. O consolo é saber que, para os que estão em Cristo Jesus, não há mais nenhuma condenação. Diante da perspectiva da eternidade, não faz diferença se aguardamos a ressurreição ou aguardamos o arrebatamento. Importante é que somos do Senhor.
2. Exegese
V. 18 – Deus anuncia ameaça por meio da interjeição “Ai”, que vem sendo anunciada desde o v. 16. Aqui se trata de uma nota de falecimento, que foi mencionada em Amós 5.1. Os ouvintes são os cadáveres sobre os quais se lamenta a morte, “ó casa de Israel”. O profeta é o carpideiro. Essa não era somente a função das mulheres, mas a de homens também (5.16). Muitos tinham a função de lamentar os mortos. Em 2 Samuel 3.31, Davi ordena a Joabe e ao povo o lamento fúnebre. Veja também 2 Crônicas 35.25. A função das carpideiras era, mais tarde, específica das mulheres. O dia do Senhor é um dia fúnebre, que precisa ser lamentado e não desejado. O lamento dirige-se àqueles que buscam pela vinda do Senhor e não percebem que será um dia de juízo e de desolação.
V. 19 – O dia do Senhor será cheio de surpresas. Pensa-se que se escapa do leão; no entanto, a pessoa torna-se presa do urso. Se pensa escapar ao entrar em casa, acaba sendo mordida pela serpente. As armadilhas estão colocadas em todos os lugares e não há escapatória. Faz parte da natureza de Deus nos surpreender. Não podemos colocar Deus nos moldes de nossos desejos e expectativas.
V. 20 – Ninguém deve desejar a vinda do Senhor, pois ele virá para trazer destruição. O dia do Senhor significa noite, escuridão, terror e não será luz, dia e claridade. Israel pensa que o dia do Senhor será em favor de seu povo com a destruição de seus inimigos e a salvação de Israel. Deus não se presta a cumprir as expectativas egoístas e nacionalistas de seu povo. Muito pelo contrário, a soberba e a prepotência justificadas pela religião e pelo culto serão destruídas por Deus. Ele vai tirar a coberta e as máscaras de uma religiosidade criada pelos seres humanos para satisfazer seus desejos. O profeta vê-se na obrigação e na tarefa de mostrar ao povo de Deus a profundidade de sua maldade. Em nome de seu Deus, o povo pratica uma religiosidade vazia e perversa. Deus não deixará isso impune. Por essa razão, volta-se a falar, neste versículo, sobre o dia do Senhor como um dia de juízo. O profeta pronuncia-se contra aqueles que pregam coisas boas para justificar a maldade humana. De fato, esses profetas falam da justificação do pecado e da maldade humana. Entretanto, a justificação do ímpio transforma o coração do ser humano. Assim, a obediência da fé, a esperança, a justiça e o amor tomam conta daquele que foi justificado.
V. 21-23 – O profeta fala contra a perversão do culto, ou seja, aquilo que é a expressão mais autêntica da fé em Deus transforma-se em um sentimento de repugnância a Deus. O profeta não está falando do culto aos ídolos; também não fala contra a mundanização do culto e nem mesmo a falta de respeito no culto. O profeta simplesmente rejeita os cultos festivos, porque o sangue da injustiça cola nas mãos dos “cabeças de Israel” (Am 5.10-12). O processo no portal (Am 5.12) é corrompido. Os anciãos teriam a obrigação de coibir a injustiça. O livro da aliança contém muitas dessas normas de convivência e de justiça entre o povo (Êx 23.6; Dt 16.19; 24.17). O direito pode ser ferido através de sentenças erradas, promulgadas por meio do suborno (Êx 23.7) e através de favores (Dt 16.19). De um lado, vê-se a injustiça gritante e, de outro, uma religiosidade muito bem elaborada e formalmente correta. Entretanto, nessa dicotomia é que residem o engano e a perversão do culto. A vida religiosa é, por vezes, caracterizada por uma piedade profunda. Trata-se de um culto avivado com corais, muitas ofertas; os cultos estão lotados com pessoas. Tudo extraordinariamente bem elaborado para um culto dominical. Entretanto, Deus rejeita tudo isso. Ele debocha dos sacrifícios com animais perfeitos, dos hinos, da piedade. Deus não se coloca contra o culto, a liturgia e os cânticos. Deus manifesta-se contra o uso do culto e de seus elementos como forma de influenciar Deus e manipulá-lo. O culto torna-se reprovável, porque ele não leva os crentes ao arrependimento, mas leva à justificação da maldade e do pecado. Assim, o pecado é justificado, e o pecador não se coloca debaixo do juízo de Deus. A impiedade na época de Amós deve ser entendida no contexto da política de Jeroboão II (782/1-753 a.C.), rei em Israel. Jeroboão II levou o povo e os camponeses à miséria e preparou a invasão da Assíria. O povo era pobre, mas a economia era forte. O comércio florescia, e as relações internacionais expandiam-se por meio do comércio. De outro lado, a ganância e a trapaça são usadas para aumentar os lucros. A construção civil (3.15) expandia- se para as camadas sociais melhor situadas (5.11; 6.8). A decoração interna das casas era extremamente luxuosa (3.10; 3.12b; 3.15b; 6.4). Esse era o palco no qual os governantes usufruíam do luxo e promoviam orgias (4.1-3; 5. l-20; 6.1-14). O culto a Deus bem como a moral (2. 7-8) estavam corrompidos. O culto fora usado como meio de autojustificação para as classes abastadas, que exerciam o poder. Elas usavam a prosperidade como meio para legitimar seu modo de vida pecaminoso (4.4-5; 5.1-2). Havia o aspecto sombrio dessa época: a proliferação da pobreza e a injustiça social. Os ricos tornavam-se cada vez mais ricos, e os pobres cada vez mais pobres. As pessoas mais pobres foram vergonhosamente extorquidas pelos mais fortes (4.1; 8.4). Os poucos direitos dos pobres lhes são tirados por meio da corrupção dos juízes e das ameaças feitas às testemunhas.
V. 24 – O culto festivo deveria ser o lugar no qual a justiça e o direito tivessem seu lugar. Diante da presença de Deus não é possível viver oprimindo e destruindo pessoas. Israel pensava que a obediência aos aspectos formais da religião garantiria a segurança material e a existência do Estado. A partir do culto se queria reivindicar os seus direitos sobre Deus e fazer dele um servo dos desejos do povo. Com isso Deus foi destronado. Houve um “golpe de Estado”: Deus foi feito servo do povo, e o povo se fez deus. Deus é Senhor sobre seu povo, e por isso ele tem direito de reivindicar para si o direito de ser Deus. “O dia do Senhor” é o dia no qual Deus colocará um fim ao senhorio e à glória reivindicada por seu povo. Nesse dia, Deus se mostrará Senhor e fará valer o seu direito de ser Deus. Para Amós, Deus é o Senhor do culto de Israel. Por isso todo tipo de opressão é injustiça e pecado contra Deus. Nesse particular, ele lembra do êxodo do Egito como intervenção de Deus (9.7). A eleição de Deus (2.9; 3.2) coloca Israel em responsabilidade muito maior e não justifica qualquer segurança falsa que pudesse legitimar o pecado.
3. Meditação
Amós preocupava-se com o fraco. Trata-se de pessoas inocentes e necessitadas que são feitas escravas. O motivo da venda é a cobrança de dinheiro emprestado. A dívida por causa de um par de sandálias é muito pequena para que alguém pobre seja feito escravo. Amós rejeita completamente a venda de pessoas, bem como a punição desproporcional de pobres e necessitados que devem pequenas somas. Amós é alguém que toma posição em favor do inocente e do injustiçado (Pv 31.1-9; Êx 22.16-31; 23.6-9; Dt 15.7-11). É possível que Amós tenha tido algum sucesso para que a prática do escravagismo, por causa de dívidas, fosse coibida. A injustiça praticada contra o pobre é mencionada como “opressão, estupro” (Pv 14.31; Pv 22.16-22). Injustiça é como roubar violentamente e pisotear. Amós condena aqueles que “pisam na cabeça dos que não têm ajuda”. Os pobres são aqueles corcundas e oprimidos. O Senhor é o único Deus. Ele não teme concorrentes. Ele é Deus sobre Israel, sobre os arameus, os filisteus, os amonitas e os moabitas. Ele é o único Deus dos povos, e Israel tem um compromisso de vida com ele. O único Deus que julga os povos, e ninguém pode fugir de seu juízo. Deus faz o seu pacto com seu povo. Todos os povos tornam-se culpados por ter pecado contra seus semelhantes. Em Amós, a culpa é medida no relacionamento com o próximo. Atitudes desumanas são pecado contra Deus. É pecado tratar pessoas como se fossem objeto, vendendo-as como mercadoria, cometer aborto ou comercializar cadáveres ao preço de mercado. Israel será submetido a condenações mais duras do que os povos pagãos. Israel não peca somente contra outros povos, mas contra seu próprio povo. O povo de Deus é explorado e oprimido pelas injustiças. Não obedecer a vontade de Deus no cuidado com o oprimido e o empobrecido e o solitário era o mesmo que romper a aliança com Deus. Deus não habita nos castelos e no sucesso material, mas ele se encontra entre os aflitos e os pobres. Ele se volta àqueles que foram injustiçados pelos líderes religiosos inescrupulosos. A igreja evangélica brasileira tem a tarefa de ser sal e luz. Ela não pode pactuar com a corrupção e a injustiça, que são muito comuns em nosso país. Amós condena aqueles que exploram os que estão em situação econômica falida. Amós procura entendê-los. Multas seriam cobradas quando homens, ao brigar, ferissem uma mulher que levasse ao aborto ou a uma anomalia (Êx 21.22). Além disso, existiria a possibilidade de cobrar multa se uma mulher fosse difamada (Dt 22.13-30). As indenizações deveriam acontecer nesses casos, mas não para angariar fundos para promover festas com bebedeiras e orgias (Am 6.6). Muitas pessoas pobres e ignorantes foram exploradas por causa de seus erros e seu desconhecimento das leis. Elas frequentemente são induzidas ao erro.
O profeta rejeita o culto hipócrita, que se baseava nas aparências. Veja Salmo 34.18 e Amós 5.21-27. Assim, a religião pode tornar-se um instrumento para fugir das exigências do senhorio de Deus. Temos a admoestação apostólica em Romanos 12.1-2, que chama os cristãos à obediência da fé como culto a Deus. Quem sabe os cultos de louvor e adoração que conhecemos hoje não consideram suficientemente o arrependimento, a confissão de pecados, a equidade e a justiça! A palavra de Deus nos vem como lei e evangelho. A lei condena sempre; também condena as coisas boas que fizemos. O evangelho nos absolve e dá-nos a certeza do perdão. Quem não se coloca sob o juízo de Deus e quer viver a partir de sua justiça para manipular Deus, sobre esse vem o dia do Senhor, promulgado por Amós. Cristo assumiu o juízo de Deus sobre nós. A rigor, “o dia do Senhor” aconteceu na cruz, sobre o maldito, que é Jesus Cristo (Gl 3.13; 2Co 5.21).
4. Imagens para a prédica
As imagens para a prédica não são tão difíceis de encontrar. Sugiro que se tomem exemplos de injustiça, lamentavelmente comuns em nosso país, que estão na ordem do dia. Também sugiro cautela no uso de tais exemplos para que eles não se sobreponham à mensagem. O exemplo deve servir para exemplificar a atualidade do texto de Amós. De qualquer forma, a obediência da fé leva-nos a olhar para a boa criação de Deus e para a necessidade de justiça entre nossos povos. O perdão de Cristo também é oferecido aos opressores, e a mudança de vida é decorrente do evangelho. Não se trata somente de enfatizar os grandes opressores, mas é necessário dizer que cada um de nós, à sua maneira, é o “lobo de seu semelhante”. Cada cristão precisa colocar-se sob a palavra como lei, que condena, e o evangelho, que absolve.
5. Subsídios litúrgicos
Diante dos escândalos de toda sorte que acontecem nas igrejas cristãs, seria recomendável um momento reservado à confissão de pecados e ao arrependimento. A palavra do profeta Amós do “dia do Senhor” seria o dia de arrependimento do pecado pessoal e coletivo. Nesse mesmo momento, a súplica dirigida a Deus para que o evangelho transforme a vida das pessoas, para que exista justiça, equidade e o direito na vida dos cristãos. O testemunho do evangelho acontece pela vida que levamos.
Bibliografia
KUNSTMANN, Walter. Os profetas menores: comentário bíblico. Porto Alegre: Concórdia, 1983.
SCHWANTES. Milton. Amós: meditações e estudos. Petrópolis; São Leopoldo: Vozes; Sinodal, 1987.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).