Proclamar Libertação – Volume 36
Prédica: Amós 5.6-7, 10-15
Leituras: Marcos 10.17-31 e Hebreus 4.12-16
Autora: Evandro Jair Meurer
Data Litúrgica: 20º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 14/10/2012
1. Introdução
O livro de Amós, do qual vem o texto previsto para pregação, está cotado entre os “Doze Pequenos Profetas”, compilados no final do Antigo Testamento. Desses, nove já receberam alguma atenção nas edições anteriores de Proclamar Libertação. Amós teve, inclusive, oito perícopes comentadas. Mas a de 5.6-7,10-15 aparece agora pela primeira vez. Tematicamente, ela recebe apoio das demais passagens bíblicas previstas para o domingo.
O Evangelho de Marcos colabora quando nos traz a lembrança da escolha que o moço rico teve que fazer diante do imperativo ao discipulado. O texto da Epístola aos Hebreus é um verdadeiro ícone da argumentação sobre o poder da palavra de Deus – imperativo de anúncio e de denúncia – e sobre o “Grande Sacerdote” Jesus Cristo – exemplo para nosso sacerdócio cristão.
Podemos concordar que o período litúrgico (20º Domingo após Pentecostes) não nos oferece um grande desafio concreto para a pregação. Contudo, o calendário civil brasileiro, esse sim, é desafiante: estamos em meio a um período eleitoral (do 1º para o 2º turno) de escolha de novos (ou velhos?) governantes e legisladores municipais. Nesse sentido, a profecia de Amós, anunciada por volta de 760 a.C. no norte de Israel, pode renovar-se neste outubro de 2012 em nosso contexto.
2. Exegese
Em âmbito maior, o texto está inserido nos ditos proféticos de Amós de Tecoa (cap. 3-6), com palavras de juízo contra Israel. No contexto mais imediato, poderíamos dar uma atenção aos ditos presentes em 5.1-20. A delimitação proposta (5.6-15, excluindo os v. 8-9) coloca-nos diante de ditos proféticos de admoestação (5.6 e 5.14-15), mediados por acusações, denúncias (5.7-13).
Os versículos 8-9 estão fora da indicação, presume-se, pelo motivo de ser considerados parte de tradições da era de Josias, também presentes em outras partes do livro de Amós. Na Nova Tradução na Linguagem de Hoje, a leitura bíblica fica facilitada visualmente se optarmos pela não leitura dos v. 8-9, pois esses versículos estão em parágrafo destacado como um hino doxológico. Contudo, não vejo problemas em incluí-los na leitura bíblica comunitária, especialmente porque apresentam, com novos detalhes, esse “SENHOR, o Deus Todo-Poderoso”, citado nos v. 14 e 15.
Numa estruturação simplificada, o texto de pregação ficaria assim:
v. 6 – Admoestação
v. 7 + 10-13 – Acusações
v. 14-15 – Admoestações
De saída, nas admoestações sobressaem-se os imperativos. No total são cinco, que assim se apresentam (conforme as duas traduções mais em uso em nossas comunidades):
ALMEIDA: buscai (v. 6 e 14), aborrecei, amai e estabelecei na porta (v. 15).
NTLH: voltem (v. 6), procurem fazer (v. 14), odeiem, “amem” e façam (v. 15).
Todos eles estão ligados a um substantivo e são como que especificações desse imperativo.
ALMEIDA: ao Senhor (v. 6), o bem (v. 14), o mal, o bem e o juízo (v. 15).
NTLH: para o SENHOR (v. 6), o que é certo (v. 14), aquilo que é mau, o que é bom e os direitos de todos (v.15).
Logo em seguida, seguem complementações que expressam a finalidade da ordem anteriormente dada, uma espécie de informação.
ALMEIDA:
– e vivei, para que não irrompa na casa de José como um fogo que a consuma, e não não haja em Betel quem o apague (v. 6);
– e não o mal, para que vivais; e, assim, o SENHOR, o Deus dos Exércitos, estará convosco, como dizeis (v. 14);
– talvez o SENHOR, o Deus dos Exércitos, se compadeça do restante de José (v. 15).
NTLH:
– e vocês viverão. Se não voltarem, ele descerá como fogo para destruir o país de Israel, e em Betel ninguém poderá apagar este fogo (v. 6);
– e não o que é errado, para que vocês vivam. Assim será verdade o que vocês dizem, isto é, que o SENHOR, Todo-Poderoso, está com vocês (v. 14);
– sejam respeitados nos tribunais. Talvez o SENHOR, o Deus Todo-Poderoso, tenha compaixão das pessoas do seu povo que escaparam da destruição (v. 15).
Belas poesias, em perfeito paralelismo! Um gênero marcante, que raramente aparece em Amós (4.4-5; 5.4-5 e 24) e que tem sido denominado de “sermão de advertência”.
Na parte das acusações, destacam-se palavras contra a deturpação da prática da jurisprudência (v. 10) e de questões sociais e econômicas fundamentais (v. 11a, 12 e 13), não ficando fora palavras de anúncio da desgraça (v. 11b).
A mensagem divina que Amós deveria trazer a Israel está bem clara: “chegou o fim” (confira as visões proféticas em 7.1-8, 8.1-2 e 9.1-4). Javé tinha, com certeza, motivos muito fortes por trás: as transgressões do povo (cf. 2.6-8, 3.9-12a, 12b-15, 4.1-3, 5.7-11, 8.4-7), as de ordem social (2.8, 3.14, 4.4-12, 21-25, 5.10-12) e as de deturpação do culto (5.18-20, 6.1-7, 8-13,13-14), fruto de uma falsa segurança proporcionada por uma má compreensão da eleição.
Ou seja, o profeta Amós atua num tempo em que Israel vinha de um período de paz, o que possibilita, naturalmente, grandes avanços no plano interno, não sendo necessário preocupar-se com inimigos ao derredor. Sobra assim muito tempo para avanços territoriais por forças militares, comércio, intercâmbio e ganhos ilícitos, os maus-tratos dos que podem e têm menos, o mau uso do culto.
Os ouvintes de Amós pareciam mostrar-se seguros frente ao anúncio de juízo contra eles. Porém estavam agarrados a uma falsa ideia. Tinham já experimentado toda a proteção de Javé, que proporcionou vida a eles. Já tinham feito a experiência de que a prática do bem, o seguir os mandamentos, o buscar a Javé haviam trazido vida a eles. Mas agora era visível que uma parte deles estava se lembrando somente da promessa de vida e esquecendo de preocupar-se em fazer o bem. E isso estava muito visível:
– praticavam o comércio, tendo muitos lucros, porém ilícitos e exploradores;
– luxuosidade, grandes casas de marfim e soberba estavam presentes;
– viviam em grandes festas de muita comida e bebida;
– eticamente, a imoralidade não estava ausente;
– relações sexuais ilícitas, maus-tratos de um para com o outro estavam à vista;
– não faltavam os que eram falsos em sua religiosidade e que, ao lado de oferendas, dízimos e sacrifícios, visitavam templos pagãos;
– injustiças no tratamento dos pobres;
– alguns acumulavam tesouros para si, fartavam-se, não se lembrando do necessitado;
– tratavam injustamente os pobres nos tribunais, levando à culpa pessoas inocentes.
Para os endereçados da profecia, não restou senão uma remota esperança: uma radical conversão ética talvez levasse a que a compaixão de Javé se revelasse ao menos para uma parte desse povo.
3. Meditação
Em meus últimos anos de pastorado, criei um “ABC Homilético” próprio, que tenho utilizado na estruturação, organização e redação de minhas prédicas, que nada mais é do que um “plágio” do nosso velho parceiro teológico: o “ver-julgar-agir”.
A = Atualmente
Imperativos do mundo pós-moderno
Por definição, na língua portuguesa, o imperativo é o modo verbal que expressa uma ordem, um pedido, uma recomendação ou, ainda, um convite. No imperativo, não existe a primeira pessoa do singular (eu). Pois, afinal, não tem sentido darmos ordens a nós mesmos… Ou seja, os imperativos nos são apresentados ou, de outra forma, impostos sobre nós.
O mundo pós-moderno, em especial, acaba colocando sobre todos nós os seus imperativos. (No caso de se desejar uma prédica dialogada com a comunidade, pode-se abrir a palavra.) Se os anotarmos, registraremos com certeza palavras como: “compre isso… use isso… beba isso… tenha isso… faça isso… jogue isso… vista isso… fale isso… viva isso…”. São alguns dos imperativos éticos que o mundo quer apresentar-nos como ordem… pedido… recomendação… convite ou mesmo imposição…
Para cada um deles, seguem-se “belos” substantivos, que não são necessários citar aqui, pois os conhecemos muito bem – a maioria deles supérfluos objetos de prazer e autossatisfação pessoal.
Logo na sequência aparecem complementações que expressam a finalidade e uma espécie de informação sobre o que a “obediência” a esses imperativos anteriormente apresentados conduz: um perfeito paralelismo poético que convence e deslumbra muitos/as. E elas acabam conduzindo o mundo, a sociedade como um todo, mas também individualmente cada um de nós a práticas distantes do “imperativo do evangelho”.
B = Biblicamente
Imperativos pela voz dos profetas
O imperativo de Jesus ao moço rico (Mc 10.17ss), que (achava que) já cumpria os mandamentos, foi preciso e conciso: “Vá, venda tudo o que tem e dê o dinheiro aos pobres, e assim você terá riquezas no céu. Depois venha e me siga” (v. 21).
Os três imperativos presentes em Hebreus (4.10-16) são convidativos e desafiadores: “Fiquemos firmes na fé que anunciamos, pois temos um Grande Sacerdote poderoso, Jesus…” (v. 14) e “tenhamos confiança e cheguemos perto do trono divino, onde está a graça de Deus” (v. 16).
Os cinco imperativos que Amós 4.6-15 proferiu nos são anúncio e denúncia ainda hoje: “Voltem para o SENHOR…” (v. 6), “Procurem fazer o que é certo…” (v. 14), “Odeiem aquilo que é mau, amem o que é bom e façam com que os direitos de todos sejam respeitados…” (v. 15).
C = Concretamente
Imperativos à ética cristã
Em ética, um imperativo é uma regra que deve ser seguida por todo ente racional. E o imperativo categórico é um dos principais elementos da filosofia de Immanuel Kant. Sua ética e moral tem como base esse preceito. Para o filósofo alemão, imperativo categórico é o dever de toda pessoa de agir conforme os princípios que ela quer que todos os seres humanos sigam, que ela quer que seja uma lei da natureza humana. Kant anuncia-o com três diferentes fórmulas:
• O imperativo categórico: “Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, por tua vontade, lei universal da natureza”.
• O imperativo universal: “A máxima do meu agir deve ser por mim entendida como uma lei universal, para que todos a sigam”.
• O imperativo prático: “Age de tal modo que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como um fim ao mesmo tempo e nunca apenas como um meio”.
Imperativos que devemos conclamar à vivência nos diferentes âmbitos de nosso viver: pessoal, eclesiástico e social; a cidadãos urbanos e rurais, a cristãos igrejeiros ou virtuais e a homens e mulheres públicas eleitas ou voluntárias em suas ações. Isso a fim de que os imperativos políticos e econômicos de nosso tempo não se sobreponham aos imperativos bíblicos, que, desejamos, sejam implantados em nós, entre nós, por meio de nós e apesar de nós. Tudo isso antes que “desça o fogo”… ou, quiçá, “talvez o SENHOR, o Deus Todo-Poderoso, tenha compaixão…” de nós.
4. Imagens para a prédica
É bem possível que algum leitor se escandalize com a fonte da indicação de imagem para a prédica abaixo, contudo talvez outro tenha abertura para fazer uso desse subsídio. Aquilo que nos separa nos fundamentos nem sempre nos separa na prática e no diálogo inter-religioso.
Imperativos cristãos
XAVIER, Francisco Cândido. Da obra: Agenda Cristã.
Edição de Bolso. Rio de Janeiro: FEB, 1999.
Aprende – humildemente.
Ensina – praticando.
Administra – educando.
Obedece – prestativo.
Ama – edificando.
Teme – a ti mesmo.
Sofre – aproveitando.
Fala – construindo.
Ouve – sem malícia.
Ajuda – elevando.
Ampara – levantando.
Passa – servindo.
Ora – serenamente.
Pede – com juízo.
Espera – trabalhando.
Crê – agindo.
Confia – vigiando.
Recebe – distribuindo.
Atende – com gentileza.
Coopera – sem apego.
Socorre – melhorando.
Examina – salvando.
Esclarece – respeitosamente.
Semeia – sem aflição.
Estuda – aperfeiçoando.
Caminha – com todos.
Avança – auxiliando.
Age – no bem geral.
Corrige – com bondade.
Perdoa – sempre.
Reproduzo ainda texto de um daqueles PowerPoint que tão comumente recebemos – e reenviamos (muitos deles sem conter autoria ou fonte como esse), alguns deletáveis, outros até aproveitáveis…
ATITUDE
Um rico resolveu presentear um pobre por seu aniversário… e ironicamente mandou preparar uma bandeja cheia de lixo e sujeira. Na presença de todos, mandou entregar o presente, que é recebido com alegria pelo aniversariante, que gentilmente agradeceu e pede que aguarde um instante, pois gostaria de poder retribuir a gentileza. Joga fora o lixo, lava e desinfeta a bandeja, enche-a de flores e devolve-a com um cartão, onde está a frase: “A gente dá o que tem de melhor…”
E os slides seguiam com alguns “imperativos”:
Não perca a serenidade. A raiva faz mal à saúde, o rancor estraga o fígado, a mágoa envenena o coração.
Domine suas reações emotivas. Seja dono de si mesmo.
Não jogue lenha no fogo de seu aborrecimento. Esqueça e passe adiante, para não perder sua serenidade.
Não perca sua calma, pense antes de falar, e não ceda à sua impulsividade. “Guardar ressentimentos é como tomar veneno e esperar que outra pessoa morra” – William Shakespeare.
5. Subsídios litúrgicos
Imperativos musicais:
Amós 5.4, 14
Ivete Müller – HPD 199
“Buscai-me e vivei,
Buscai o bem e não o mal,
Para viver em meu amor:
assim diz o Senhor.”
E muitos outros no HPD que pincei para você selecionar: 63, 94, 107, 159, 164, 177, 182, 197, 285, 422, 430, 434, 435, 436, 438, 448, 458, 460, 468, 476, 480, 484, 487 e 488.
Bênção, vida e pão
Letra e música: Evandro Jair Meurer
Interpretação: Canto em canto
Arranjo: Lislie Moraes de Carvalho Koester
2º lugar no 3º Festival Luterano de Música – 25.9.10 – Sínodo Rio dos Sinos
Veja e ouça no Portal Luteranos: Bênção, vida e pão
E F#m
1. Que a bênção do bom Deus
B7 E
Permaneça sobre nós
C#m F#m
Como nuvem de amor e paz
B7 E
Protegendo no caminhar.
2. Que a bênção do bom Jesus
Seja um toque de vida e paz
E a presença de um(a) irmão(ã)
Seja amparo em nosso andar.
3. Que a bênção do bom Espírito
Nos conduza com força e paz
Pra servir, o pão repartir
Ontem, hoje e sempre. Amém!
Observação:
A canção pode ser cantada em um círculo de pessoas, onde cada uma coloca sua mão esquerda à sua frente com a palma da mão para cima e sua mão direita à sua frente com a palma da mão para baixo. Sobrepondo suas mãos nas mãos da pessoa ao lado, canta-se a primeira estrofe. Tocando a palma da mão da pessoa ao lado, canta-se a segunda estrofe e, entrelaçando os dedos da mão da pessoa ao lado, canta-se a terceira estrofe.
Caso não tiver acesso à música, você pode também fazê-la de forma falada.
Bibliografia
KIRST, Nelson. Amós – Textos selecionados. Série Exegese, Volume 1, fascículos 1 e 2, Comissões de Publicações Faculdade de Teologia-IECLB, São Leopoldo, RS, 1981.
SELLIN-FOHRER. Introdução ao AT. V. 2. São Paulo: Paulinas, 1978. p. 648-660.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).