Proclamar Libertação – Volume 37
Prédica: Amós 6.1a, 4-7
Leituras: Lucas 16.19-31 e 1 Timóteo 6.6-19
Autor: Sigolf Greuel
Data Litúrgica: 19º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 29/09/2013
1. Introdução
Amós é contemporâneo de cada geração que está diante de seu próprio fim.
Hans Walter Wolff
A palavra de Amós 6.1a,4-7, como de resto todo o seu escrito, é dirigida às elites do povo de Deus em Jerusalém e Samaria. Nesse período, verifica-se um estado de paz e de bem-estar econômico e de prosperidade para boa parte da população. Essa situação gerou uma postura de autoconfiança, orgulho e autossuficiência nas elites, que viviam uma vida luxuosa, enquanto grande parte da população vivia à margem dos benefícios da prosperidade.
A leitura bíblica prevista de Lucas 16.29-31 é uma palavra de Jesus endereçada aos fariseus, que consideravam a riqueza e o bem-estar como prova da justiça de uma pessoa e como sinal do favor de Deus. O homem rico vivia uma vida esplendorosa, ignorando, no entanto, a Deus e, por consequência, também o próximo necessitado que jazia à sua porta. Ao morrer, ele vai para o inferno, evidentemente não por ser rico, mas por viver longe de Deus. Ali ele clama por ajuda, mas recebe um não. O que aqui ele ignorou lá não pode mais ser corrigido. Já o homem pobre, apesar de todas as suas privações, coloca sua confiança no Senhor. Seu nome, Lázaro, significa: Deus ajuda. Ao morrer, ele vai para o céu, não por causa de sua pobreza, mas por causa de sua fé em Deus.
A leitura bíblica de 1 Timóteo 6.6-19 é dirigida por Paulo ao jovem discípulo Timóteo, que muito provavelmente se encontra em Éfeso. Éfeso era uma cidade com uma boa situação econômica, e a igreja possivelmente tinha membros abastados. Assim, Paulo aconselha Timóteo a ensinar que a posse da riqueza acarreta uma grande responsabilidade e até risco. Os irmãos precisam cuidar para não depositar sua confiança no dinheiro. É preciso exercitar o contentamento seja qual for a situação econômica na qual se encontram. Assim, ela aponta para o vazio de uma vida que se concentra naquilo que é de natureza temporal, acentua que o contentamento precisa do mínimo para o sustento e adverte que cobiça egoísta tem resultados trágicos.
2. Exegese
2.1 – Quem é Amós?
Amós era natural de Tecoa (1.1), uma pequena cidade no topo de um monte a cerca de 20 km de Jerusalém e 10 km ao sul de Belém. Quando Deus o chamou para o ministério profético, ele estava cuidando do gado e colhendo fi gos silvestres (7.14), o que aponta com boa probabilidade para sua ocupação profissional.
Importante ressaltar que ele não é sacerdote nem filho ou descendente de sacerdotes, mas é chamado ao ministério na condição de “leigo”.
2.2 – Contexto do texto
Amós atuou durante o reinado de Jeroboão II, filho de Jeoás, que reinou sobre Israel (Reino do Norte) de 786 a 746 a.C. Essa foi a época em que o Reino do Norte atingiu sua época de maior prosperidade e paz. Havia paz com Judá, o Reino do Sul. Uzias era rei em Judá. A expansão crescente e o comércio em desenvolvimento trouxeram riqueza para o país, mas, simultaneamente às riquezas crescentes, houve um crescimento de males sociais: os ricos ficaram mais ricos, e os pobres ainda mais pobres.
Amós pinta um retrato da época: destaca as muitas belas construções da capital Samaria (3.10), mas também aponta para o fato de que os proprietários dessas construções, os ricos mercadores e outros, eram homens que não se intimidavam com nada para aumentar os seus lucros. Eles ansiavam pelo fim do sábado para que pudessem voltar a fazer negócios (8.5). Os ricos apreciavam sua vida luxuosa e toleravam a voracidade de suas mulheres, que exigiam mais e mais luxo (4.1-2). Suas casas estavam repletas de tudo o que pudesse significar uma vida opulenta e confortável (6.4), enquanto os pobres eram sujeitados a uma ímpia exploração econômica (2.6-8; 4.1; 5.10-12; 8.4-6). O negociante pequeno era forçado a abandonar os negócios pelos grandes monopólios e não conseguia obter nos tribunais reparação alguma pelas injustiças sofridas. Testemunhas eram subornadas e juízes comprados (2.6; 8.5-6; 5.10).
Ao lado disso, havia a perversão da religião. Ela era uma religião divorciada da vida. Havia demonstrações religiosas exteriores com as multidões, enchendo os santuários em épocas de grandes festas (4.4-5; 5.5), sem que, a partir daí, se verificasse qualquer mudança no cotidiano. Os rituais eram bem elaborados (5.21-24), mas os necessitados continuavam sendo oprimidos, a prostituição e a imoralidade continuavam presentes na vida diária (2.7-8).
O livro de Amós como um todo é uma resposta de Deus à injustiça e à iniquidade reinante entre o povo de Deus. A revelação profética de Deus por intermédio de Amós foi dirigida contras três áreas da vida da nação: a administração da justiça nos tribunais, a afluência e a fartura dos abastados em contraposição à miséria de muitos e o culto sem frutos celebrado nos santuários. Amós denuncia uma justiça injusta; uma riqueza obtida com a opressão dos pobres; uma religião repleta de rituais sem quaisquer frutos de misericórdia, justiça social e igualdade.
Amazias, o sacerdote, tentou impedir a pregação de Amós (7.10-13). Destemidamente, no entanto, o profeta continua a denunciar a situação na qual o povo se encontra e a anunciar o futuro julgamento de Deus. O livro de Amós termina com o anúncio de uma mensagem de esperança (9.8-15).
2.3 – O texto
A expressão ai (6.1) introduz uma mensagem de ameaça e de juízo de Deus dirigida a seu povo. Embora Amós falasse ao Reino do Norte (Israel/Samaria), sua repreensão era dirigida também ao Reino do Sul (Judá/Jerusalém), denominado aqui de Sião (2.4-6). A partir de sua denominação como primeira entre as nações, as elites do povo de Deus são tomadas por um estado de orgulho e arrogância nesse momento no qual a nação se encontra em um momento de prosperidade. Há uma segurança no ar, mas ela é uma segurança falsa. A expressão homens notáveis, ao mesmo tempo em que define os destinatários primeiros da mensagem, representa uma ironia retórica. Verifica-se um orgulho que surgiu na magnificência do reinado de Jeroboão, em associação com a crença dos israelitas de que, visto que eram o povo de Deus, nenhum mal lhes poderia acontecer.
Os v. 4-6 retratam um quadro de decadência afluente que caracterizava a vida dos abastados em Israel. Era uma vida de luxo egocêntrico, marcada por glutonaria, bebedeiras e extravagâncias. Aqui são mencionadas camas de marfim (v. 4). O marfim importado era considerado uma raridade e extremamente caro; até uma pequena peça desse material simbolizava luxúria e riqueza. Algo tão extravagante quanto um leito entalhado em marfim mostrava um grande desperdício de recursos, que, se bem administrados, ajudariam muitos pobres. Elas são prova de uma opulência que não beneficiaria seus donos no dia do juízo.
Comem os melhores cordeiros (v. 4). Os banquetes eram comidos numa posição reclinada (sofás). Essa é a primeira menção na Bíblia da posição reclinada durante as refeições, que passa a ser mais comumente utilizada nos tempos do Novo Testamento. O verbo traduzido por dedilham (v. 5) ocorre somente aqui no Antigo Testamento. A palavra provavelmente significa improvisar, e a impressão é que era um canto de improviso com melodias e letras inventadas na hora, como refletem as palavras improvisam em instrumentos musicais. Amós está zombando daqueles que imaginam que suas tentativas embriagadas de cantar façam-nos parecer um novo Davi. A tragédia está no fato de que eles não se entristecem com a ruína de José (v. 6). Trata-se aqui de uma expressão que se refere aos descendentes de José: o Reino do Norte, em que predominava a tribo de Efraim, dos descendentes de José. Enquanto continuam em sua vida extravagante e egocêntrica, estão totalmente indiferentes à ruína que está se abatendo sobre toda a nação. Em vez de serem guardiões da vida e da moral do país, eles mesmos são exemplos de egoísmo incomparável e em sua vida egocêntrica não se importam com o fato de que o país todo à sua volta está caminhando rapidamente para a ruína. Por isso, diz o profeta (v. 7), os líderes de hoje serão amanhã os líderes das filas miseráveis de exilados indo para o cativeiro.
2.4 – Escopo
Por intermédio da mensagem de Amós, Deus exige justiça social e retidão de vida como manifestação indispensável da fé. Afinal, a fé sem obras é morta.
3. Meditação
A palavra de Amós não é palavra de Amós. O que sai da boca de Amós é palavra de Deus. Por essa razão, Amós entrega-a com coragem e sem qualquer desconto (2 Co 2.17). Essa palavra é uma denúncia social que escancara a estrutura social injusta que havia se instalado entre o povo de Deus e que acaba por resultar numa grande desigualdade entre pessoas que são do mesmo povo de Deus. Nesse sentido, ela é uma palavra dura e forte.
Mais do que uma denúncia contra os males da sociedade de então, a palavra de Deus transmitida por Amós questiona o âmago da fé em Deus que esse povo diz ter e cultivar. Amós lembra que a retidão de vida e a justiça social são uma manifestação indispensável da fé em Deus. Implicitamente, Amós estava dizendo o que Tiago viria a dizer cerca de 700 anos mais tarde: A fé sem obras é morta (Tg 2.14-17).
Israel sentia-se politicamente seguro e espiritualmente satisfeito consigo mesmo. O povo achava que Deus nada exigia além do cumprimento de rituais cúlticos e que, uma vez realizados, sentia-se livre para fazer o que bem entendesse. O povo de Deus vivia uma vida sem compromisso de obediência à palavra de Deus.
Também em nossas comunidades há hoje pessoas abastadas. Não há nenhum pecado em adquirir riquezas e bens, desde que de modo ético e com honestidade. O problema é quando permitimos que nossa segurança existencial seja construída sobre os bens. Eles tendem a gerar em nós uma egoísta sensação de segurança. A partir da mensagem de Amós, somos exortados a viver com nossos bens (caso os tenhamos) a partir da fé em Cristo. Nenhum cristão deveria ser rico para si mesmo sem ao mesmo tempo ser rico para o Senhor e para o próximo.
4. Imagens para a prédica
a – Frases inspiradoras:
a) “Para evitar o erro da salvação pelas obras, nós caímos no erro oposto: salvação sem obediência” (A.W. Tozer).
b) “Um evangelho diluído não é evangelho de maneira alguma” (David Wilkerson).
c) “Poucas coisas testam mais profundamente a espiritualidade de uma pessoa do que a maneira como ela usa o dinheiro” (John Blanchard).
b – Ilustração para a pregação: Nisto conhecerão que sois meus discípulos No corre-corre de um terminal rodoviário, algumas pessoas derrubaram um tabuleiro de maçãs-do-amor, esparramando-as pelo chão. Somente um homem parou para ajudar a pequena vendedora.
Ao começar a recolher as frutas, ele percebeu que ela era cega. Gentilmente, ajudou-a a levantar o tabuleiro e a ajuntar as maçãs. Ao verificar que várias de suas frutas se estragaram na queda, a menina ficou visivelmente apreensiva:
– Minha mãe vai ficar muito triste.
– Não se preocupe, minha querida, disse-lhe o homem, eu pago as maçãs que estragaram.
Pagou e despediu-se dela, mas ela o chamou e perguntou:
– Moço, é você que é Jesus?
– Não, minha querida, mas sou um dos amigos dele.
5. Subsídios litúrgicos
Quando cuidamos da organização e da condução litúrgica de nossos cultos, há algo de fundamental importância que precisamos lembrar. O culto não é do ministro. Ele não é uma celebração preparada e dirigida pelo ministro à comunidade, como se um servisse para que os demais presentes apenas usufruíssem. Entendemos que, em nossos cultos, Deus serve à sua comunidade com sua presença, com sua palavra, com sua bênção. Em resposta, a comunidade serve a Deus orando, louvando, confessando, ouvindo. Por isso o culto não pode ser uma celebração de “uma pessoa só”, a que os demais presentes assistem passivamente. Assim, a liturgia do culto deveria privilegiar e permitir a participação da comunidade, e essa poderá ser planejada, mas também espontânea. Até para evitar que o culto caia na monotonia.
Considero ainda importante salientar que a resposta da comunidade ao Deus que nos serve, ainda que aconteça no culto propriamente dito, não deveria se restringir ao momento da celebração no templo. Espera-se que o culto continue no dia a dia através de uma vida de obediência ao Senhor e à sua Palavra e através de um testemunho em palavra e ação.
Bibliografia
REIMER, Haroldo. Richtet auf das Recht!: Studien zur Botschaft des Amos. Stuttgart: Katholisches Bibelwerk, 1992.
WEISER, Artur. Das Buch der zwölf kleinen Propheten 1. Göttingen: Vandenhoeck& Ruprecht, 1967.
WOLFF, Hans Walter. Dodekapropheton 2: Joel und Amos. 2. ed. Neukirchen: Neukirchener, 1975.
WOLFF, Hans Walter. Die Stunde des Amos. München: Chr. Kaiser, 1969. 215 p. (em espanhol: La hora de Amos. Salamanca: Cristiandad, 1984).
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).