Proclamar Libertação – Volume 34
Prédica: Apocalipse 1.4-8
Leituras: João 20.26-31 e Atos 5.27-32
Autor: Günter Adolf Wolff
Data Litúrgica: 2º Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 11/04/2010
1. Introdução
O Apocalipse é o livro da esperança, que situa o povo cristão no tempo, para que possa resistir à perseguição do império romano. Os cristãos perseguidos pelo poder do império romano estavam desorientados por causa da repressão romana, e o livro do Apocalipse novamente os situa na história de Deus com seu povo. A perseguição era feroz e já havia levado muitos para a prisão e morte. As comunidades estavam desorientadas, e algumas já estavam entregando os pontos, dizendo que tudo estava perdido, pois os romanos venceram e que contra eles não dava para fazer nada. Eles dominavam tudo. Para esse povo desorientado e apavorado João escreve esse livro de esperança para mostrar que Deus continua sendo senhor sobre tudo, assim como foi no passado e continuará sendo no futuro.
Apocalipse significa revelação, tirar o véu, descobrir os acontecimentos e o que está por de trás deles, é fazer uma análise da estrutura e da conjuntura do passado e do presente e também apontar para o futuro. Revelação de quê? João nos revela a ação de Deus na história para mostrar que Deus continua sendo o senhor da história.
Nesse sentido, o Apocalipse é muito atual, pois os neoliberais sempre diziam que com o neoliberalismo chegou o fim da história, que não haveria futuro, pois ele já seria o presente. Mas de um dia para o outro a máscara caiu e o neoliberalismo desmoronou com todas as suas mentiras em 2008. No tempo de João, o império também dizia que o futuro era o presente, mas no auge do império João afirma que ele iria desaparecer; e foi o que aconteceu 400 anos depois. O poder romano era tido como imbatível; quem ousasse contestar esse poder político, econômico e militar era esmagado. Nada se igualava ao poderio militar romano. Roma era uma ditadura militar que reprimia ferozmente qualquer tentativa de oposição. A máquina de guerra romana era eficiente para reprimir revoltas e invadir outros países para saquear e fazer escravos a fim de alimentar a economia romana. O poder romano era tal que o próprio governante se autoproclamava deus. Parecia que nada poderia ofuscar o poder do império romano. Nesse contexto, o livro do Apocalipse assevera que o poder de Roma não era total nem eterno (Ap 18.2-3).
De acordo com João, quem de fato tem todo o poder não é César, mas Jesus Cristo.
O livro de Apocalipse é o livro da análise da estrutura e da conjuntura do império e das comunidades. O livro mostra-nos como devemos fazer análise também da sociedade atual. João nos dá uma visão panorâmica da igreja e do império. Jesus revela o presente, o passado e o que vai acontecer (Ap 1.8), mas o revela apenas a seus servos, não mostrando nada aos inimigos. A linguagem simbólica somente os cristãos tinham condições de entender. Bem-aventurados os que leem, ouvem e guardam as palavras aqui escritas.
No meio do sofrimento e da perseguição que a primeira comunidade cristã sofria, João sonhava com o novo que Deus iria criar. João estava preso na ilha de Patmos. A prisão, porém, não lhe tirou o sonho que está embutido no evangelho: o nosso mundo, assim como está organizado, não vai durar para sempre. O nosso futuro ainda não é o presente. João estava sonhando o sonho de Deus. O sonho de Deus é transformar tudo de forma radical: ele vai recriar o universo para que possa haver a vida eterna. Subversivamente, João afirma que o mundo é de Deus Pai e de seu Cristo e que César, em Roma, não é nada e não manda nada.
Essa confissão de fé é importante para nós, que, às vezes, achamos que não há saída para os problemas do mundo. Há saídas. No tempo da ditadura militar, muitos achavam que ela nunca iria terminar, mas caiu de madura após 21 anos. Se Jesus é o Cristo, por que sujeitar-se a fazer o que este mundo diz? O sistema deste mundo, o capitalismo, não tem a última palavra e não é eterno. No início do neoliberalismo, Fukuyama disse que estávamos no fim da história; só que em 2008 o neoliberalismo quebrou e mostrou que toda a propaganda capitalista é engodo. Somente Deus e seu Cristo são eternos. Por isso o desafio é viver segundo o evangelho de Jesus Cristo e não segundo as normas e dinâmicas do capital.
2. Os sete conteúdos do texto
1. João, às sete igrejas que se encontram na Ásia
João escreve às sete igrejas e através delas a todas as igrejas. Para o povo hebreu, sete é o número que significa totalidade. João acentua que Deus não morreu, mas continua agindo em favor de seu povo como sempre. Deus é aquele que era, que é e que será, ou seja, sempre agirá em favor de seu povo.
2. Da parte daquele que é, que era e que há de vir. Eu sou o Alfa e o Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-Poderoso
O texto fala no v. 4: “daquele que é, que era e que há de vir” e mostra como Deus agiu no passado, onde estamos hoje, o que Deus está fazendo e o que fará no futuro. O Apocalipse analisa conjuntura para entender a realidade do mundo e o projeto de Deus e para não confundir os dois. Na verdade, ele mostra a história como sendo algo parecido a um jogo de futebol, no qual estamos perdendo por 4 x 0, mas iremos vencer o jogo no final. As palavras de João representam um ânimo para que os cansados resistam, pois Deus continua sendo o Senhor da história; é só uma questão de tempo para que ele vença o embate.
3. Da parte dos sete Espíritos que se acham diante do seu trono
Os sete Espíritos são a presença total do Espírito Santo no meio do povo. Deus está sentado no trono, portanto é o Senhor. A seu lado está Jesus, a Fiel Testemunha, o Soberano dos reis da terra. Conforme João, Jesus manda sobre os reis da terra. O imperador de Roma, que persegue os cristãos, está abaixo de Jesus e não é um deus.
4. Da parte de Jesus Cristo, a Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos e o Soberano dos reis da terra
Nos v. 5 e 6, João descreve o que Jesus faz: ele nos ama, pelo seu sangue nos libertou dos pecados e nos constituiu reino, sacerdotes para Deus Pai. Por isso damos glória a Deus – e não ao imperador – pelos séculos dos séculos.
Esses dois versículos são um hino de louvor a Jesus, o rei, que está acima dos reis da terra. Essa é uma palavra subversiva, pois afronta o poder político de Roma. O imperador tem que sujeitar-se a Jesus, e não o contrário. O Estado não é abençoado por Deus; Jesus tem uma outra proposta para organizar o povo.
5. Aquele que nos ama e, pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados
Não é o imperador que nos ama, mas Jesus, o Cristo. O imperador não morre por ninguém, apenas mata nas guerras para conseguir mais escravos; ele muito menos vai libertar o povo da opressão do pecado estrutural da sociedade.
6. Constituiu-nos reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai, a ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém
Jesus nos constituiu reino, ou seja, nós somos parte integrante do reino de Deus; portanto vivemos esse projeto em oposição ao projeto do capitalismo. Somos subversivos, pois viabilizamos o projeto do reino à medida que lutamos contra o projeto do mundo. Somos as pedras com as quais ele constrói o seu reino, que é o oposto do capitalismo. E, sobretudo, somos sacerdotes de seu Deus e Pai, somos pessoas importantes e especiais. Acabou o sacerdócio hereditário em Israel, em que somente quem nascia numa família sacerdotal podia ser sacerdote. Nós não somos sacerdotes por herança, mas pelo batismo, na medida em que vivemos esse batismo.
7. Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá, até quantos o traspassaram. E todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Certamente. Amém
O juízo perpassa todo o Apocalipse, como vemos nessa palavra. Juízo haverá! Todo o livro é uma grande liturgia que celebra o novo que virá após o juízo final.
3. Meditação
“João, às sete igrejas que se encontram na Ásia.” Como sete é o número da totalidade, essa mensagem é para todas as igrejas do mundo. O Apocalipse luta contra o deus César, a besta, que recebeu o poder do dragão: o diabo (Ap 13.4: “adoraram o dragão porque deu a sua autoridade à besta; também adoraram a besta”). João fala da autoridade de Jesus e do porquê ele ser o nosso Salvador e da luta contra a idolatria, pois se Jesus é “o Soberano dos reis da terra”, então não é o imperador. Aqui se define quem Jesus é para contrapô-lo ao imperador. É a luta contra a idolatria.
Hoje a idolatria continua, pois o grande deus é o mercado. A gente ouve a TV dizer que o mercado exige isso e aquilo, que temos que seguir as leis do mercado. Como se o mercado fosse deus e nós devêssemos obedecer cegamente às suas leis. Hoje as pessoas estão a serviço do mercado, são dominadas pelo mercado, como se ele fosse onipresente e regulasse tudo com mão invisível.
Para nós cristãos, o mercado não é deus; o mercado um dia também vai acabar. O mercado é manipulado por alguns poucos grupos multinacionais que são os mercadores, dos quais Apocalipse 18.3 diz que enriqueceram à custa do sistema. Também o sistema capitalista vai desaparecer, pois foi construído pelas pessoas. Tudo o que é feito por pessoas é passageiro. Eternos são apenas Deus e a sua vontade.
O mercado mostra-se todo-poderoso porque tem o Estado para protegê-lo e perpetuá-lo; isso nós vimos na crise neoliberal que começou em 2008. Deus é contra a constituição de uma sociedade que necessita do Estado, pois o Estado é o resultado das desigualdades sociais para defender sempre os mais ricos, que também controlam o Estado. A Bíblia já fala disso em Gênesis 11, onde Deus impede a construção da cidade, ou seja, o Estado, e continua dizendo o mesmo nos relatos do Êxodo e na tomada da terra, repete isso através dos profetas e, no final da Bíblia, no livro do Apocalipse, continua repetindo que ele é contra o Estado opressor, porque esse recebe a sua legitimação do diabo (Ap 13). O Estado faz parte de uma necessidade de toda a sociedade dividida em classes sociais antagônicas. Foi o Estado, o governador Pôncio Pilatos, que mandou crucificar Jesus e matar os primeiros cristãos. Essa sociedade Deus não aprova e propõe através de Jesus Cristo uma nova sociedade, que ele chama de reino de Deus, em contraposição ao reino do mundo, hoje dominado pelo capitalismo. Os dois excluem-se mutuamente; não há nada de comum entre eles, para escândalo de muitos “cristãos”.
Mas esse mundo não admite outra proposta e, por isso, quer acabar com a proposta do reino de Deus pela força, perseguindo e matando aqueles que ousam viver e construir o sonho de Deus. Isso não apenas no tempo de João, lá pelo ano 95 d. C., mas também hoje o mundo não quer saber de ouvir falar do sonho de Deus nem de que esse sonho é possível. Muitos cristãos deixam-se levar pela conversa de que um outro mundo é impossível de ser realizado. Muitos que se dizem cristãos já se deixaram convencer de que a forma como o nosso mundo está organizado é a única possível e, por isso, o negócio é tentar tirar vantagem enquanto der.
Por isso, como cristãos, nós temos que dizer que o capitalismo (o mundo) não presta e é o oposto do reino de Deus, é coisa do diabo, como diz Lutero: “Por isso o pregador deve conhecer o mundo muito bem e reconhecer que ele é desesperadamente mau, propriedade do diabo, na melhor das hipóteses” (“Reflexões em torno de Lutero” v. I – uma edição especial da revista Estudos Teológicos de 1981 na página 77, num texto de Nelson Kirst). Nós temos uma outra proposta: a proposta do reino de Deus anunciado e vivido por Jesus Cristo. Além disso, esse reino já começou, é viável e vai ser construído por Deus, quer queiramos ou não. Nada vai impedir que Deus termine a construção de seu reino; nem a morte o conseguiu, pois Jesus foi ressuscitado por Deus como contestação de uma decisão do Estado romano. Nós somos os convidados especiais para participar dessa construção e de usufruir das bênçãos desse reino, se formos fiéis como Jesus o foi: “a Fiel Testemunha”.
A palavra do livro do Apocalipse fala do dia do juízo e do fato de muitos cristãos terem sidos assassinados por causa de sua fé em Jesus. Por que a fé em Jesus é tão perigosa que pessoas são mortas por causa dela? Porque a fé em Jesus requer mudanças na vida da pessoa e na sociedade toda. Sabemos que as pessoas, nós, não queremos mudar, e a sociedade que nós ajudamos a construir também não quer mudar.
No império romano, os cristãos eram perseguidos porque se negavam a adorar o imperador como Deus. Negavam-se a adorar o Estado, César, como Deus, num gesto subversivo a partir da fé. Esse era seu posicionamento político e com isso deslegitimavam toda a ação do Estado. Assim como Jesus foi morto porque ameaçou com a proposta de seu evangelho os poderosos e as estruturas de sua época (Lc 23.2 e 5), assim também muitos cristãos foram mortos porque viveram esse evangelho na prática diária, questionando a religião, a cultura, a organização da sociedade e o sistema econômico classista, baseado na exploração de uma pessoa sobre a outra.
Nós hoje temos que continuar repetindo o discurso de João: Deus vai construir o reino de Deus, conosco ou sem nós. Nós temos que repetir sempre de novo: o reino de Deus é possível e é essa a nossa proposta em oposição à proposta que o mundo tem na forma do capitalismo. Muitos chamados cristãos esqueceram o primeiro mandamento e adoram o deus capital e não permitem que esse deus seja questionado, inclusive perseguindo quem o ataca. Isso, porém, é a prova de sua idolatria.
O que esse texto tem a ver conosco e com a comunidade?
Quais são as nossas obras como sacerdotes e sacerdotisas a partir do batismo e como comunidade? Não dá para dizer que cremos em Jesus Cristo e viver e pensar conforme o sistema em que nosso mundo está organizado. Não dá para dizer que cremos em Jesus Cristo e defender o sistema deste mundo, o capitalismo, como o único modelo possível e resistir em participar de um processo de mudança.
As nossas obras são fruto de nossa fé ou estão alinhadas ao sistema deste mundo? O texto faz-nos perguntar pela base de nossa vida e pelos objetivos de nossa vida. Se basearmos a nossa vida no evangelho de Jesus Cristo, então não iremos nos alinhar com as propostas de vida que o sistema capitalista nos propõe, mas iremos nos organizar como comunidade contra esse sistema e propor em lugar dele uma nova sociedade baseada nos preceitos do evangelho do reino de Deus. Esse evangelho tem outras propostas para a nossa vida e para a comunidade; ali o amor, a partilha, a igualdade, a solidariedade, a fraternidade e a comunhão são o forte e o decisivo.
Se olharmos para as pessoas que faziam parte da comunidade cristã, veremos que eram mulheres, estrangeiros, escravos, pessoas empobrecidas e marginalizadas. Tudo gente frágil e sem poder, que ameaçava o poderoso império romano pelo poder da fraqueza (2Co 12.10). Esse império foi vencido por esses fracos, como vemos na história. O poderoso império romano tinha medo de pessoas fracas que tinham uma nova proposta de vida: amar a Deus acima de tudo, amar o próximo como a si mesmo, acolher os outros fracos e integrá-los numa nova proposta de convivência na qual todos eram considerados concidadãos (Ef 2.19), que construíam uma nova sociedade a partir de uma nova economia (At 4.32-35) e de novas relações de poder: o poder-serviço (Mc 10.42-44; Lc 9.48 diz: “aquele que entre vós for o menor de todos, esse é que é grande”).
Vemos que historicamente os poderosos sempre tiveram medo dos fracos que eles subjugavam: o faraó tinha medo dos escravos (Êx 1.9-10), Herodes tinha medo de crianças (Mt 2.13) e o César de Roma tinha medo de mulheres, estrangeiros e escravos que compunham a comunidade cristã (Ap 6.9-10; 1Co
4.11-13: “nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos […] até agora, temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos”). Hoje os capitalistas têm medo da classe trabalhadora e necessitam do Estado para reprimi-la (pelo poder judiciário e policial) e controlá-la pelos aparelhos ideológicos de que dispõem (TV, jornais, rádio, igrejas, escolas, grandes cooperativas, sindicatos pelegos etc).
4. Imagens para a prédica
A estória abaixo faz uma análise da estrutura da sociedade e do Estado capitalistas com sua ideologia bem como do papel social da religião. A tarefa que o Apocalipse nos dá é aprender a fazer análise da estrutura e da conjuntura de nosso mundo e da igreja, para que possamos ter clareza do projeto de Deus frente à proposta do mundo.
Se os tubarões fossem homens
“Se os tubarões fossem homens”, perguntou ao Sr. K. a filha da sua senhoria, “eles seriam mais amáveis com os peixinhos?” “Certamente”, disse ele. “Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal como vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca e tomariam toda espécie de medidas sanitárias. Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, então lhe fariam imediatamente um curativo, para que ele não lhes morresse antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem melancólicos, haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres têm melhor sabor do que os tristes. Naturalmente também haveria escolas nas gaiolas. Nessas escolas, os peixinhos aprenderiam como nadar para as goelas dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar. O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente e que todos deve- riam crer nos tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. Os peixinhos saberiam que esse futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam evitar toda inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista e avisar imediatamente os tubarões se um dentre eles mostrasse tais tendências.
Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras, eles fariam lutar os seus peixinhos e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos, eles iriam proclamar, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes e por isso não podem se entender. Cada peixinho que na guerra matasse alguns outros, inimigos, que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de sargaço e receberia o título de herói.
Se os tubarões fossem homens, naturalmente haveria também arte entre eles. Haveria belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores soberbas e suas goelas como jardins onde se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos nadando com entusiasmo para as gargantas dos tubarões, e a música seria tão bela, que a seus acordes todos os peixinhos, com a orquestra na frente, sonhando, embalados nos pensamentos mais doces, se precipitariam nas gargantas dos tubarões.
Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa apenas na barriga dos tubarões. Além disso, se os tubarões fossem homens, também acabaria a ideia de que os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores poderiam inclusive comer os menores. Isso seria agradável para os tubarões, pois eles teriam, com maior frequência, bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores, detentores de cargos, cuidariam da ordem entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, construtores de gaiolas etc. Em suma, haveria uma civilização no mar, se os tubarões fossem homens.”
Bertolt Brecht em “Histórias do Sr. Keuner”. (Obs.: provavelmente em alemão, o termo homens seja Menschen, ou seja, seres humanos, pessoas.)
5. Subsídios litúrgicos
Versículo de entrada:
“Estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e do inferno” (Ap 1.18).
Confissão de pecados:
Confessamos, Senhor, que não conseguimos orientar-nos pela utopia do teu reino. Continuamos a cair nas armadilhas do sistema deste mundo e achamos que não há outra forma de organizar a nossa vida e a vida da comunidade a não ser a partir das orientações que o capitalismo nos dá. Confessamos que esquecemos que tu, ó Deus, és o Senhor da história e não o capitalismo, que afirma que findou a história e que o nosso futuro é o presente. Confessamos que continuamos a crer na ressurreição da alma e não conseguimos entender a ressurreição do corpo, que é o centro de nossa fé, confessada no Credo Apostólico. Aumenta-nos a fé para sermos também testemunhas fiéis do projeto do reino de Deus, que é a nossa utopia.
Absolvição:
“Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos, sabedores de que, havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte já não tem domínio sobre ele. Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus” (Rm 6.8-9,11).
Kyrie eleison:
Pelas famílias que não conseguem mais nem se encontrar no domingo, pois tem horários de trabalho diferentes e em turnos diferentes. Pelos operários que recebem um salário indigno e vil e pelos camponeses que estão sujeitos a preços exorbitantes quando compram sementes e insumos e preços degradantes quando vendem seus produtos.
Gloria in excelsis:
Deus, todo-poderoso, nós te exaltamos, pois a tua palavra nos aponta para um futuro glorioso ao lado do Salvador. Jesus Cristo, nós te exaltamos, pois nos defenderás no dia do juízo final, sendo nosso advogado. Espírito Santo, nós te exaltamos, pois és a nossa força e nossa luz nos caminhos da luta pela justiça.
Oração do dia:
Ilumina-nos, Senhor, para entendermos pela tua Palavra como podemos ser fiéis testemunhas da esperança do teu reino. Dá-nos força para poder viabilizar a partir de fé em nosso Senhor Jesus Cristo, a Fiel Testemunha, o projeto do teu reino anunciado pelo santo evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Ajude-nos pelo poder do Espírito Santo para poder fazer uma leitura correta da realidade a partir da Sagrada Escritura, que agora ouviremos, para não ser enganados pelo poder deste mundo.
Oração geral da igreja:
Oramos, Senhor, por todas as pessoas que vivem em aflição e luto, doença e solidão, ajude-nos para que nós possamos estar a seu lado. Se há desentendimento entre as pessoas, dá-nos uma palavra de reconciliação. Fortaleço-nos, Senhor, sempre de novo para a oração e a intercessão, assim como tu esperas de nós. Intercedemos, Senhor, pelas professoras e professores para que sempre tenham ânimo nessa tarefa de ensinar, educar e capacitar para a vida. Lembramos das famílias nas quais tem alguém doente e sofrendo, olhe para todos eles e nos anime a ir ao encontro desses. Intercedemos pelos governantes para que possam governar segundo as propostas do teu evangelho e nos estimule a lutar pelo direito à vida plena, proposta pelo teu reino.
Bibliografia
Evangelho de João e Apocalipse. In: Roteiros para Reflexão IX. São Leopoldo: Cebi, São Paulo: Paulus, 2000.
GORGULHO, Fr. G. S. e ANDERSON, Ana Flora. Não tenham medo. Apocalipse. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 1981.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).