Proclamar Libertação – Volume 37
Prédica: Apocalipse 5.11-14
Leituras: Salmo 30 e João 21.1-19
Autor: Scheila Janke
Data Litúrgica: 3º Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 14/04/2013
1. Introdução
Facilmente nós celebramos a Páscoa como um acontecimento passado, como algo que aconteceu, mas que não transforma mais a vida das pessoas hoje. Esquecemo-nos de que a Páscoa é vida, é ressurreição, é vitória sobre a morte. Sempre onde a morte é vencida, reina a Páscoa. Onde há vida transformada, é Páscoa. Nada mais será como antes depois da manhã da ressurreição.
O texto de Apocalipse 5.11-14 afirma que uma multidão de anjos, seres viventes e anciãos continua rendendo louvor ao Cordeiro, que foi morto. Toda criatura que há no céu, na terra, debaixo da terra e no mar continua atribuindo glória, louvor, honra e domínio ao Cordeiro e Àquele que está sentado no trono. Interessante observar que os v. 12-14 nos dão uma ideia de ação continuada: os verbos (proclamando e dizendo) estão no tempo verbal presente, que indica que a ação ainda está acontecendo. Ou seja, o louvor da Páscoa, o louvor ao Cordeiro que entregou sua vida na cruz para a nossa salvação e ressuscitou no terceiro dia, não é apenas um evento passado; ele é presente, vivo e atuante para dentro de nossa realidade.
O Salmo 30 é um convite para louvar o Senhor que nos livrou, sarou e preservou nossa vida. O salmista termina afirmando que renderá para sempre graças a Deus, o Senhor. O texto do Evangelho de João mostra os discípulos de Jesus voltando à sua rotina depois da Páscoa. Mesmo que alguns dentre eles tivessem ouvido a boa-nova da ressurreição, eles pareciam não entender que tudo havia mudado: Jesus havia ressuscitado. Os discípulos precisam da ajuda de Jesus, precisam mais uma vez ser enviados a apascentar as ovelhas no mundo. Os discípulos precisavam que Jesus se manifestasse outra vez. Conforme o v. 14, já era a terceira vez que Ele se manifestava, depois de ressuscitado, a seus discípulos. Ele está presente, Ele vive!
2. Exegese
A tradição afirma que o livro de Apocalipse foi escrito por volta do ano de 95 d.C., quando Domiciano era imperador de Roma (81-96 d.C.). Muitos acreditam que havia uma ameaça de perseguição muito próxima por parte de Roma, e o autor do livro o teria escrito para fortalecer o povo de Deus, para exortar os cristãos e cristãs a permanecer fiéis, apesar de todas as tribulações e perseguições por causa da fé. Apesar de todo o sofrimento, a vinda do Senhor estava próxima. Domiciano decretou o culto ao imperador de uma forma que nunca havia sido feita antes. Cultuar o imperador era uma questão de lealdade ao império. Os cristãos e cristãs recusaram-se a adorar o imperador como deus e sofreram amargas consequências por causa disso.
A literatura apocalíptica tem a característica de tentar dirigir a mente das pessoas para um futuro triunfo sobre os inimigos e os poderes do mal, para o futuro estabelecimento do reino de Deus. Em meio à morte e à destruição, os cristãos e cristãs esperavam o breve cumprimento das promessas e da parousia, a volta gloriosa de Jesus. Esse livro procura trazer esperança às pessoas que estavam sofrendo, lembrando que esse mundo, marcado por injustiças, maldade, cobiça e poder, será reduzido a nada e em seu lugar virá o reino eterno.
O livro de Apocalipse mostra que Jesus é o verdadeiro governante que virá para aniquilar os poderes malignos e instaurar o seu reino. O livro atribui ao Cordeiro duas características marcantes: a humildade, que se mostra na entrega de sua vida na cruz, e a dignidade de Senhor do mundo, com poder sobre todos os poderes que existem.
Todo o capítulo 5 fala da visão do livro e do Cordeiro. Esse texto é antecedido pela visão do trono de Deus no capítulo 4. Logo em seguida, seguem-se as visões dos selos.
V. 11 – João, autor de Apocalipse, viu multidões de anjos louvando o Cordeiro, juntamente com os seres viventes e os anciãos. Provavelmente, o texto quer dizer que o número de anjos é ilimitado.
V. 12 – Os anjos exaltam a dignidade do Cordeiro de receber poder, riqueza, sabedoria, força, honra, glória e louvor. Tudo o que pertence a Deus Pai pertence ao Cordeiro por causa de sua obra redentora de morrer por nós. Ele possui todas as coisas. O louvor é completo e perfeito, como se deduz pelas sete qualificações (poder, riqueza, sabedoria, força, honra, glória e louvor). O Filho de Deus mostra-se perfeito em seus atributos e missão divina. Essa perfeição é louvada por meio dos sete elogios.
V. 13 – Toda a criação acompanha os anjos no louvor e na adoração. Isso descreve a universalidade da redenção obtida por Cristo. O culto e a adoração prestados por toda a criação representam a certeza de que Deus restaurará a ordem e a paz no mundo por meio de Cristo. O cântico de toda a criação é entoado ao Deus Pai e ao Cordeiro (“àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro”). O Cristo exaltado sentou-se com o Pai no trono. O Filho participa das prerrogativas divinas, recebendo o louvor e a adoração que cabem somente ao Pai.
Ouve-se agora uma terceira doxologia. (A primeira doxologia encontra-se nos v. 9-10, a segunda, nos v. 11-12, e a terceira, no v. 13.) Três é um número divino, o que mostra que essa tríplice doxologia tem inspiração divina. Todos os seres inteligentes, angelicais e humanos, estão louvando o Cordeiro. Todas as criaturas estão envolvidas, não há nada fora do alcance de Cristo, nenhuma coisa criada pode estar fora do louvor prestado a Deus. Todas as criaturas estão incluídas: a) as que estão no céu, como os seres celestiais, anjos, seres viventes, anciãos, pessoas remidas; b) as que estão sobre a terra, ou seja, todos os povos, tribos, línguas e nações, toda a população terrena; c) as que estão debaixo da terra, pois nem os perdidos e os anjos caídos estão excluídos. Cristo continua sendo o salvador de todos, mesmo dos que estão no hades; d) os que estão sobre o mar, ou seja, o autor acrescenta essa quarta divisão, talvez indicando que o louvor venha dos quatro cantos e extremidades da terra. Percebe-se, assim, que o louvor será universal. Toda a criação, com todos os seres, até os inanimados, haverá de expressar seu louvor a Deus.
V. 14 – O cântico retornou ao trono no amém final, proferido pelos quatro seres viventes. O louvor tornou-se universal. Os anciãos prostraram-se diante do trono do Pai e do Filho. Todo o louvor representa a sujeição do ser e do serviço de todas as criaturas. Sua inteireza é ilustrada na postura dos vinte e quatro anciãos prostrados, representantes dos seres humanos.
3. Meditação
Há poucas semanas, celebramos o evento mais importante da fé cristã: a Páscoa, a ressurreição do Filho de Deus, o Cordeiro que entregou sua vida na cruz para nos salvar. Ou seja, o Cordeiro cumpriu sua missão: Ele ofereceu a si mesmo como sacrifício, ele morreu para trazer perdão e salvação. Mas Ele não permaneceu morto. Ele ressuscitou no terceiro dia, como havia anunciado. Agora o Cordeiro está ao lado do Pai e com Ele tem o domínio pelos séculos dos séculos. Ele venceu a morte e por meio dele, com seu sangue, “os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação” (v. 9) foram resgatados.
Nós somos comunidade pós-pascal. Vivemos da certeza de que Cristo ressuscitou, conforme o testemunho de tantos e tantas antes de nós. Não será isso motivo forte o bastante para vivermos louvando a Deus? Não seria essa certeza de salvação que nos é dada pelo Cordeiro uma razão forte o bastante para continuar rendendo graças a Deus?
Conforme o relato do Evangelho de João 21.1-19, os discípulos, após receberem a boa-nova da ressurreição, voltaram, mesmo assim, à sua rotina. Nós, após termos ouvido a boa-nova da salvação e da ressurreição no Domingo da Páscoa, parece também que não nos damos conta da grandeza desse testemunho: Cristo vive! Voltamos à mesma rotina de antes, como se nada tivesse acontecido. E, no entanto, tudo é diferente: o Cordeiro vive, Ele ressuscitou, Ele está ao lado do Pai. E por meio dele nós também temos esperança de salvação, de ressurreição e de vida eterna.
Mas parece que essa boa-nova, que ouvimos sendo anunciada todos os anos, não toca mais os nossos corações. Estamos tão acostumados, que não nos deixamos mais transformar. Tudo virou rotina, já sabemos o que aconteceu, já deixamos tudo preparado, não há mais espaço para a novidade, para a surpresa, para a verdadeira alegria que explode em louvor e adoração.
Nós não sofremos mais com perseguições por causa de nossa fé. Temos liberdade de religião. Mas parece que vivemos acomodados. Já não nos importa o sofrimento das pessoas ao nosso redor. Estamos tão acostumados com nossa rotina, nossos afazeres, nossas prioridades, que não sobra tempo para olhar para o próximo. Também falta tempo para o testemunho e a vivência de fé. Não dá para deixar tantas coisas para trás para anunciar que Cristo vive. Muito menos sobra espaço para ajudar, para engajar-se na promoção de vida, vida digna, abundante (Jo 10.10), para tantas pessoas sofridas, desempregadas, desassistidas, injustiçadas, exploradas e adoentadas. Não há tempo e nem espaço para o louvor a Deus. Por isso precisamos que Cristo se manifeste a nós também. Precisamos deixar a mensagem da vida e da ressurreição tocar nossos corações. Através dos séculos tantas pessoas ouviram essa mensagem e experimentaram a presença do Cristo vivo em suas vidas e louvaram a Deus, como os milhares e milhares, milhões e milhões de anjos, como os seres viventes, anciãos e toda a criatura que há no céu, na terra, debaixo da terra e sobre o mar. Cristo está vivo e manifesta-se a nós em tantos sinais de vida que insistem em prevalecer mesmo num mundo tão cheio de injustiças, maldade, crueldade, desrespeito e desamor. A vida prevalece sobre a morte. Isso é motivo para louvar, para bendizer, pois “digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória e louvor” (v. 12) Ele vive e, por meio dele, nós também vivemos.
A comunidade cristã, para quem o autor de Apocalipse escreveu, vivia numa situação de tanto sofrimento, que acreditava que a parousia estava muito próxima, que Cristo estava prestes a voltar, que o segundo advento estava se aproximando. Nós hoje, como comunidades cristãs, muitas vezes vivemos numa “zona de conforto”. Muitas vezes, questiono se nós hoje ainda aguardamos com fé a chegada do Filho de Deus. Muitas vezes, pergunto se estamos tão acomodados que até preferiríamos que essa volta fosse protelada para sempre. Rapidamente saímos de nossos cultos e celebrações sem que nos tenhamos deixado transformar pela Palavra. E, por vezes, fica evidente a diferença que existe em nossa vivência de fé dentro e fora da igreja, ou seja, dentro da igreja nós ouvimos a Palavra, mas, assim que saímos para fora de nossos templos, já nem nos lembramos mais do que confessamos no Credo Apostólico, nem do que oramos no Pai-Nosso, nem das pessoas lembradas nas intercessões, nem do sofrimento do mundo. Não nos lembramos mais do “glória a Deus nas alturas”, e muitas pessoas até parecem sentir dificuldade para glorificar Deus com o glória e calam.
O texto de Apocalipse 5.11-14 ensina-nos que o Cordeiro é, sim, digno de receber poder,
riqueza, sabedoria, força, honra, glória e louvor. Nós somos chamados, sim, a reconhecer que a Ele pertencem todo o louvor, a honra, a glória e o poder pelos séculos dos séculos. No primeiro mandamento, nós aprendemos que não devemos ter outros deuses além do único Deus verdadeiro. Mas as pessoas têm tantos deuses! A tantos deuses elas concedem honra, louvor e glória! O que as pessoas não fazem por dinheiro! O que não fazem para conseguir tudo o que querem ou comprar todos os bens que desejam! O que não fazem para obter reconhecimento e fama! O que não fazem para obter poder! Quantos sacrifícios fazem para cultuar a beleza e a estética!
Mas o dinheiro, os bens, a fama, o poder e a beleza não nos podem salvar. Eles nada podem fazer por nós. Somente o Cordeiro que foi morto na cruz, que morreu por nós para nos salvar, pode ser digno de nosso louvor, honra e glória.
Que bom podermos saber da promessa de viver no reino de Deus, onde as coisas deste mundo, aparentemente tão indispensáveis, perderão seu valor. Que bom sabermos que lá, juntamente com todos os seres celestiais, angelicais e com todas as criaturas criadas por Deus, poderemos entoar louvor e glória ao único Deus, ao Cordeiro que entregou sua vida na cruz para nos salvar, mas que ressuscitou e vive, amém.
4. Imagens para a prédica
Quando recebemos um presente, nós nos alegramos, principalmente quando ele supera as nossas expectativas. Costumamos ser muito gratos com quem nos presenteia. A salvação dada a nós por meio do sangue do Cordeiro é o maior presente e merece todo o nosso louvor e gratidão.
Sugiro explorar a alegria resultante da boa-nova da salvação. Muitas vezes, nós somos tímidos quando se trata de expressar nossa fé em louvor. Mas louvar a Deus de coração, não com a intenção de mostrar mais piedade a outrem, resulta da alegria pela certeza da salvação que nos é dada por Cristo quando nele cremos. A alegria da vitória do Cordeiro sobre todo o pecado e morte inspira-nos a louvar a Deus juntamente com os anjos, seres viventes e toda criatura.
5. Subsídios litúrgicos
Sugiro que, para ressaltar a dimensão do louvor, cantem-se muitos hinos durante o culto. Sugiro que os hinos sejam cantados e não reproduzidos por aparelhos, pois nada substitui o louvor cantado.
Sugestões de hinos (nem todos poderiam ser cantados numa celebração, mas se alguns não são conhecidos, os outros podem ser opção alternativa): HPD 1: 60, 67, 72, 95, 110, 124, 125, 200, 234, 241, 246, 248, 263, 264; HPD 2: 315, 348, 469.
Também seria significativo convidar o coral, o grupo de canto, as crianças, jovens ou qualquer outro grupo para expressar seu louvor a Deus.
Na oração de intercessão, seria interessante mencionar que o louvor a Deus não nos deixa esquecer o próximo ao nosso redor. Assim, incluir na oração todas as pessoas que sofrem com injustiças, discriminação, desrespeito, maldade, violência, hostilidade e desamor. Que nós não nos esqueçamos de levar sinais de vida ali onde há sofrimento e morte.
Bibliografia
CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo: Editora Candeia, 1995.
LADD, George Eldon. Apocalipse – introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1996.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).