l – Considerações preliminares
Os evangelhos relatam que em sua última ceia Jesus instituiu a Ceia do Senhor. Sabemos que essa ceia de Jesus foi a última numa sequência de refeições comunitárias que ele promoveu durante todo o seu ministério. Dessa constatação nasce a curiosidade pela eventual relação que pode haver entre a prática ordinária da comunhão de mesa de Jesus e a instituição da Ceia do Senhor. É possível falar numa relação de continuidade? Se este for o caso, cresce a necessidade de se olhar mais de perto o tema da comensalidade de Jesus e verificar até que ponto essa prática pode interferir na compreensão da Ceia.
Isto é o que nos dispomos a fazer neste artigo, sem qualquer pretensão de dar conta desse assunto em sua complexidade. A intenção é a de chamar a atenção sobre um tema ainda pouco pesquisado no Novo Testamento, que tem o potencial de acrescentar dados significativos tanto ao perfil do ministério histórico de Jesus quanto à pré-história da Ceia do Senhor. Vamos fazê-lo, apresentando um breve estudo sobre o espaço que ocupa o tema nos evangelhos, realizando um exercício de interpretação de alguns textos de comunhão de mesa e tirando disso algumas conclusões.
II – O espaço das comunhões de mesa nos evangelhos
Com uma intensidade muito maior do que normalmente podemos supor, Jesus realizou comunhões de mesa, com pessoas pobres, doentes, deficientes, pecadoras, discriminadas, desorientadas. Poucos pesquisadores vinculam o ministério prático de Jesus a essa atividade ao redor das mesas. A suspeita quanto à importância do tema cresce quando nos deparamos com declarações de pesquisadores reconhecidos como estas: (—) podemos ver nesta comunhão de mesa a característica principal do ministério de Jesus (Norman Perrin, 133); ou que a prática da comensalidade é a essência do movimento original de Jesus (John Dominic Crossan, 378). Além da prática, é muito frequente que Jesus, em seu ensino, use a comunhão de mesa como metáfora para explicar como é o reino de Deus.
Surpreende a presença quantitativa de textos que se ocupam com esse tema. Algo em torno de 40 passagens poderiam ser elencadas. O evangelista Lucas, por exemplo, destina o espaço de um quinto de sua obra a essa atividade e ensinamento de Jesus. Nos evangelhos, o verbo comer aparece em 76 textos (90 por cento das vezes ligado às comunhões de mesa de Jesus). O significado desse dado fica realçado quando o comparamos com a presença de outros conceitos importantes nos evangelhos, como é o caso de ensinar (didoskein), que pode ser encontrado apenas 55 vezes.
Mas também a presença qualitativa surpreende: a exegese situa a maioria desses textos no contexto da atividade histórica de Jesus de Nazaré. Portanto, as comunhões de mesa de Jesus têm boa consistência histórica.
Neste sentido, um dado relevante é que os textos sobre as comunhões de mesa de Jesus se encontram espalhados pelos mais diferentes gêneros literários: nos ditos de Jesus; nas parábolas; nos discursos de controvérsias; nas histórias de milagres; nas narrativas biográficas; na história da paixão; nas epifanias do Ressurreto. A exegese acredita que o testemunho do mesmo tema em géneros literários tão diversos seja uma evidência de seu valor histórico: faz suspeitar que os veiculadores dos diferentes tipos de relatos tenham se servido de material comum da tradição e que as diferentes coleções transmitidas oralmente tenham tido como base fatos históricos comuns.
Considere-se também o fato de que, quando a Comunidade Primitiva assumiu como seu distintivo o partir do pão, tratava-se de uma atividade que não tinha sua origem apenas numa última ceia de Jesus, e sim em toda a tradição das suas comunhões de mesa. Dava-se, assim,continuidade a uma prática que era comum no ministério de Jesus.
O evangelista Marcos encontrou uma forma original para expressar a importância das comunhões de mesa de Jesus. Faz culminar cada uma das três etapas do ministério de Jesus numa ceia: a) da Galiléia, Jesus se despede comendo com 5 mil pessoas (6. 30-44); b) ao deixar seus adeptos da região gentílica de Decápolis, Jesus promove uma ceia em que participam 4 mil pessoas (8. l -10); c) a despedida de seus discípulos, em Jerusalém, acontece com a Última Ceia (l4.12-26).
Outro exemplo interessante é aforma de como o evangelista João emoldura sua obra: excetuando-se o primeiro capítulo de seu evangelho, temos, no início, a narrativa da ceia no casamento de Caná (2, l -11) e, no fim, a ceia do Ressurreto com seus discípulos (21. l-14).
Digno de nota é também o fato de os oponentes de Jesus o terem chamado deglutão e bebedor de vinho (Mt 11.19), uma alusão clara à sua prática de comensalidade. Esses atributos dados a Jesus certamente reforçam a credibilidade histórica de suas comunhões de mesa. Pois nenhum dos redatores teria interesse de incluir, por conta própria, palavras tão pejorativas, que ferissem a imagem de Jesus. E se, por outro lado, não as desconsideraram em seu trabalho de redação, é porque seu fundo histórico era incontestável.
Os fortes atritos que Jesus teve com as autoridades religiosas por causa da comensalidade com publicanos e pecadores (Mc 2.15-17), ou seja, por causa das ceias comunitárias abertas, são, sem dúvida, indicativos de que essa atividade também foi uma das principais causas da cruz. Os contemporâneos de Jesus devem ter visto nesta prática uma grave ofensa às suas tradições religiosas.
Portanto, as comunhões de mesa de Jesus não podem ser consideradas tema periférico nos evangelhos. Pelo contrário, ocupam um espaço relevante.
III – Um exercício hermenêutico
Queremos, a seguir, fazer uma leitura, mesmo que breve, de alguns textos bíblicos a partir da chave hermenêutica da mesa e, assim, exercitar uma aproximação à comunhão de mesa praticada e ensinada por Jesus.
1. Mateus 8.11
O primeiro texto é um íógion (dito) de Jesus: Muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugar à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. A versão de Lucas diz: Muitos virão do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e tomarão lugares à mesa do reino de Deus (l 3.29).
Jesus manifesta sua convicção de que no vindouro reino dos céus participarão todos os povos, provenientes de todos os quadrantes da terra. Deus vai reunir à mesa, juntamente com os patriarcas, não só os eleitos, mas todas as pessoas, inclusive os gentios. Tudo indica que Jesus assume, neste íógion, a tradição apocalíptica pós-isaiânica (Is 25.6). Esta se fundamenta na fé de que Javé é o rei de todos os reis e povos, Senhor de toda a criação e que sob o seu senhorio haverá fartura de comida e bebida para toda gente e a paz reinará em toda a terra, inclusive entre os animais (Is l l.6ss).
2. Mateus 22.1-14
No segundo texto, Jesus conta que um rei preparou uma grande festa, com um grande banquete. Convidou seus amigos. Estes estavam ocupados, cada um, com o seu próprio projeto de vida. Diante da rejeição do convite, o rei mandou chamar: a) os que se encontram nas encruzilhadas dos caminhos (v. 9); b) a quantos encontrardes; c) maus e bons (w. 9-10). Lucas acrescenta: as pessoas das ruas e becos; os pobres, aleijadas, cegas e coxos (Lc 14.21).
O primeiro convite era seletivo (Jesus veio para os seus – Jo I.l Ia). O segundo é aleatório. Uma segunda lista de convidados é preparada: uma lista aberta, inclusiva.
Um lugar aberto para todas as pessoas é o que Jesus imagina para o banquete do reino dos céus. Ele projeta para o tempo vindouro esta imagem do reino de Deus. Um espaço aberto especialmente para as pessoas para as quais o acesso ao pão e à comunhão está bloqueado: as da rua, as pobres, as portadoras de deficiências, as más. Nele só não estarão os que dele se excluem, em nome de um projeto de mesa particular.
Os textos revelam qual é a esperança que move Jesus em seu ministério. Esta expectativa escatoló-gica ilumina o seu presente histórico, levando-o a realizar eventos em que esta esperança é sinalizada concreta-mente: promove, no dia-a-dia de seu ministério, comunhões de mesa abertas. Tanto o realiza, que os escribas e fariseus o acusam de glutão e bebedor de vinho (Mt II.19) e perguntam a seus discípulos: Por que come e bebe ele com os publicanos e pecadores? (Mc 2. 16). Jesus age de acordo com o que espera.
3. Marcos 7.24-30
O texto fala da mesa à qual se encontrava Jesus e da qual a mulher siro-fenícia se achava apartada. Trata-se de uma mulher e de uma estrangeira, que reivindicava de Jesus participação nos benefícios do reino de Deus (sua filha estava doente e ela viera buscar socorro). O diálogo foi difícil, porque o perfil dessa pessoa não se enquadrava no de uma filha do povo eleito. Como excluída, passou pela humilhação de ser comparada aos cães. Na postura de Jesus percebemos uma argumentação embasada em seu primeiro projeto, o de saber-se enviado para os seus, os da própria casa (Jo l. l l a). Todavia, a sua presença nesta terra estranha e na casa de uma família estrangeira evidencia que os seus não o receberam (Jo l.l l b). Havia saído das fronteiras da terra santa em consequência dos atritos com as autoridades religiosas da própria casa(cf. Mc 7. l-23).
Talvez por isso a insistente argumentação da mulher siro-fenícia conseguiu mudar a posição de Jesus a ponto de ele lhe atender o pedido. O conceito de salvação, antes amarrado à ideia do particularismo dos eleitos, experimenta aqui um alargamento até o horizonte universal. A condição de mulher estrangeira não mais a podia excluir dos benefícios do reino de Deus. Jesus não podia negar a essa mulher o que o homem rico negou ao pobre Lázaro; um lugar à mesa.
Sem dúvida, trabalha-se no texto o desafio do encontro de culturas. Sugere-se a criação de uma comunhão de mesa aberta, de uma comunidade reconciliada no nível étnico-cultural.
4. Lucas 16.19-31
Lázaro representa as pessoas famintas, as socialmente excluídas na Palestina, que perfaziam a grande maioria da população. A parábola passa a mensagem de que o homem rico (que representa um grupo minoritário no vértice da pirâmide social) desperdiçou a oportunidade de abrir a porta ao mendigo, convidá-lo à sua mesa farta, partilhar com ele o pão e manter com ele comunhão.
Propõe, portanto, a eliminação do abismo social que separava essas duas pessoas (e as classes sociais que representam) e a criação de uma comunidade inclusiva, construída sobre o paradigma da partilha, da distribuição dos bens acumulados.
Portanto, Jesus indica a mesa como lugar ideal de reconciliação entre as pessoas divididas por motivos sociais.
5. Lucas 15. l l-32
O filho mais moço da parábola, quando em terra estrangeira, não conseguira cumprir os preceitos religiosos ligados ao sábado, ao jejum e à pureza (especialmente porque cuidava de porcos). Além disso, desobedecera ao mandamento de não furtar (o texto diz que não lhe davam nem as alfarrobas dos porcos para comer, tendo ele de roubá-las – v. 16).
Por tudo isso, perdera a condição de filho fiel do povo santo, merecendo a excomunhão. Do ponto de vista do sistema religioso vigente, tornara-se um proscrito. Como tal, representava todo um contingente de pessoas reprovadas pelo aparato legal, guarnecido pelos escribas e fariseus.
Apesar disso, o pai bondoso o acolheu com uma mesa fartamente posta, com um grande banquete, sem nada exigir.
Quem não o acolheu foi seu irmão mais velho, que representava os vigilantes do aparato de leis religiosas, ou seja, os escribas e fariseus.
Uma forte ênfase do texto está no empenho do pai em levar os dois filhos à mesa (o v. 28 diz expressamente com relação ao filho mais velho: o pai procurava conciliá-lo). Mas este, irredutível, fechado ao diálogo, fundamentalista, optou pelo projeto particular de seu grupo religioso.
A mensagem do texto é o testemunho de Jesus sobre Deus que, em sua mesa farta de pão e comunhão, acolhe incondicionalmente as pessoas, sejam as proscritas, sejam as que proscrevem. Nesta mesa, há o empenho pela superação da exclusão baseada no fundamentalismo religioso. Junto à mesa do Pai, há empenho em favor da reconciliação dos segmentos do povo de Deus divididos por razões religiosas.
6. Marcos 6.30-44
Jesus encontra uma multidão faminta e desorientada como ovelhas que não têm pastor.
A metáfora pastor-ovelhas provém do Antigo Testamento, onde é usada para designar a relação governantes-governados. Os governantes eram chamados de pastores do povo. Cabia-lhes cuidar do bem-estar de todo o povo.
Na época de Jesus, a função de pastor estava nas mãos de Herodes. O texto mostra que ele não estava cumprindo o seu papel de cuidar do bem-estar do povo. Apenas uma elite usufruía dos benefícios de seu governo, grupo com quem se reunia em banquetes fechados, no palácio (lugar em que inclusive se trama a morte de líderes do povo, como foi o caso de João Batista). Seus banquetes eram banquetes da morte,também porque o povo da Palestina da época morria de fome em consequência da má distribuição das riquezas e da cobrança de altos impostos.
Em contraposição a Herodes, Jesus realizava banquetes da vida. O texto diz que todos comeram e se fartaram. Esta é, entre as várias mensagens do texto, sem dúvida, uma mensagem para a esfera política. Jesus era movido por um outro paradigma político: aquele que permite que a mesa seja posta para todas as pessoas.
Uma mesa em que todos comem e se fartam é um monumento à honra de uma sociedade e sinal de que, nesta sociedade, a relação entre governados e governantes alcançou um estado de autêntica reconciliação.
7. Lucas 14.7-14
Jesus aceitou o convite de um fariseu para um jantar. Junto à mesa se encontravam os amigos do fariseu, seus irmãos, parentes, vizinhos ricos (Lc 14.12). Esta era uma prática comum entre as pessoas abastadas das aldeias. O grupo de amigos se reunia para ceias fartas. Estas aconteciam em forma de rodízio, e o hospedeiro da vez arcava com os gastos do evento. Assim, num sistema de reciprocidade, todos os integrantes do grupo usufruíam e todos contribuíam por igual.
Essas ceias previam um espaço para o discurso (simpósio). A palavra foi dada ao convidado Jesus. De sua fala é possível depreender a seguinte avaliação quanto ao tipo de hospitalidade praticada pelo grupo em questão.
Primeiro: esse sistema de reciprocidade só funciona com pessoas que podem responder à altura na hora de promover a ceia. Só funciona num grupo de pessoas do mesmo nível social, com o mesmo poder aquisitivo. Só funciona com a mesma lista de convidados. Portanto, só funciona em grupos fechados.
Segundo: nesse tipo de hospitalidade, em que cada um chega na vez de pagar, na verdade, ninguém desembolsa nada além daquilo que gastaria consigo mesmo. No fundo, cada um paga a sua própria despesa. Não há doação, não há ajuda.
Por isso, Jesus desafia o fariseu: Quando deres um jantar, não convides os teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem vizinhos ricos; para não suceder que e/es, por sua vez, te convidem e sejas recompensado. Antes, ao dares um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e serás bem-aventurado, pelo fato de não terem eles com que recompensar-te. (Lc 14. 12-13).
A modalidade alternativa de hospitalidade, apresentada por Jesus, inclui pessoas que estão nas periferias da aldeia ou fora dela {pobres, aleijadas, coxas e cegas), aquelas que não têm com que retribuir. Propõe a ruptura com o modelo que se fecha em torno da mesa dos iguais. Numa sociedade marcada pela desigualdade, Jesus desafia a uma hospitalidade que traz em si o potencial de des-construir as diferenças: quem tem recursos convida a quem não tem. Quem tem mais reparte, sem esperar retorno.
Na verdade, brilha, atrás dessa argumentação de Jesus, a ideia de um novo modelo económico, construído sobre o princípio da distribuição. O texto ilumina as relações económicas com uma outra lógica: a de uma mesa em que se distribua o pão existente entre todas as pessoas, em que se incluam sempre as pessoas e grupos que não têm com que recompensar, que não estão em condições de concorrer numa economia regida pela premissa da concentração de bens, da recompensa, do toma lá, dá cá.
Na compreensão de Jesus, a mesa não é um lugar de manutenção do status quo, mas um espaço em que se confeccionam novas listas de convidados, como a das pessoas que não têm com que recompensar o convite. O texto desafia a repensar nossa velha lista de convidados, aquela dos mesmos de sempre. Quando, nas listas de convidados para as mesas, forem incluídas gratuitamente as pessoas que não têm com que recompensar, terá havido reconciliação no campo econômico.
IV – Conclusão
As comunhões de mesa, seja como prática, seja como metáfora do reino de Deus, ocupam um lugar relevante no ministério de Jesus. Na vida das comunidades cristãs primitivas se pode reconhecer a continuidade dessa tradição das comunhões de mesa de Jesus. Entre as comunhões de mesa de Jesus de Nazaré e a mesa comunitária das primeiras comunidades cristãs está a Última Ceia. Assim, esta certamente não pode ser vista de forma isolada e abstraída das demais. Jesus usa, na sequência de sua prática de comensa-lidade, uma comunhão de mesa concreta e real para instituir a Ceia.
Creio que é importante levar em conta esse contexto da instituição da Ceia do Senhor. Jesus escolheu a comunhão de mesa como lugar e forma para se fazer presente junto à comunidade de suas seguidoras e seus seguidores no futuro. Em outras palavras: a obra salvífica que Deus realizou em Jesus Cristo se torna realidade atual na Ceia do Senhor celebrada na forma de comunhão de mesa por sua comunidade.
Parece-me que o desafio é refletir sobre como concebemos hoje a relação entre comunhão de mesa (refeição comunitária) e Ceia do Senhor.
Em nossa reflexão, levamos em conta o perfil da mesa que os textos das comunhões de mesa praticadas e ensinadas por Jesus propõem:
– uma mesa aberta, para a qual todas as pessoas, indistintamente, são convidadas, prefigurando, assim, o banquete do reino de Deus (Mt 8. l l; Mt22.M4);
– uma mesa que sacia a fome dos pobres Lázaros e assim encaminha a superação do abismo entre as classes sociais (Lc 16.19-31);
– uma mesa que tem em vista a criação de novas relações no nível económico, construídas sobre o paradigma da partilha entre os desiguais (Lc 14.7-14);
– uma mesa que tem em vista a desconstrução das barreiras culturais, para que os benefícios do reino de Deus não sejam particularizados (Mc 7. 24-30);
– uma mesa em que a política possa ser concebida como preparação de banquetes da vida, onde todos e todas possam comer e se fartar (Mc 6.30-44);
– uma mesa capaz de enfrentar o fundamentalismo religioso e edificar sinais da mesa da reconciliação entre os segmentos divididçs do povo de Deus (Lc 15. l l-32).
Creio que vale perguntar se em nossa prática cultual e eucarística não estamos divorciando a Ceia do Senhor da comunhão de mesa. Sinal disto pode ser o fato de que nossos altares perderam a forma de mesa de refeição e que os elementos eucarísticos (hóstia e vinho) apenas simbolizam comida e bebida.
Se observarmos bem, no cotidiano de nossas comunidades as refeições comunitárias são prática frequente (os chás dos grupos de senhoras, os jantares dos grupos de jovens, as confraternizações dos presbitérios, da legião dos homens, dos grupos de pessoas idosas, os almoços comunitários em eventos comemorativos, as festas de aniversário que reúnem vizinhos, os cafés de Advento, etc.). Por que esses eventos estão divorciados do sentido da Ceia do Senhor? Por que geralmente esses eventos têm apenas finalidade promocional? Por que as festas comunitárias perderam tanto do seu sentido de comunhão de mesa?
A mesa é um lugar apropriado para conversar, dialogar, estar frente a frente, olhar nos olhos, conhecer, travar amizades, compreender, brincar, avaliar, planejar, desfazer mal-entendidos, aparar arestas no relacionamento, respeitar diferenças, aceitar, acolher, praticar a hospitalidade, partilhar, perdoar, reconciliar, selar a paz, comemorar, brindar, saciar a fome de pão e a sede de comunhão.
Por tudo isso, a mesa está tão próxima da comunhão. E a comunhão de mesa tão próxima da Ceia do Senhor.
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Autor:
Rodolfo Gaede Neto é pastor da IECLB e professor na EST
Frases:
CRESCE A NECESSIDADE DE SE OLHAR MAIS DE PERTO O TEMA DA COMENSALIDADE DE JESUS E VERIFICAR ATÉ QUE PONTO ESSA PRÁTICA PODE INTERFERIR NA COMPREENSÃO DA CEIA.
NOS EVANGELHOS, O VERBOCOMER APARECE EM 76 TEXTOS (90 POR CENTO DAS VEZES LIGADO ÀS COMUNHÕES DE MESA DE JESUS).
O FILHO MAIS MOÇO REPRESENTAVA TODO UM CONTINGENTE DE PESSOAS REPROVADAS PELO APARATO LEGAL, GUARNECIDO PELOS
ESCRIBAS E FARISEUS.
O DESAFIO É REFLETIR SOBRE COMO CONCEBEMOS HOJE A RELAÇÃO ENTRE COMUNHÃO DE MESA (REFEIÇÃO COMUNITÁRIA) E CEIA DO SENHOR.