Proclamar Libertação – Volume 32
Prédica: Atos 1.1-11
Leituras: Lucas 24.44-53; Efésios 1.15-23
Autor: Marivete Zanoni Kunz
Data Litúrgica: Ascensão do Nosso Senhor
Data da Pregação: 01/05/2008
1. Introdução
Este é um dia especial. Hoje lembramos que, quarenta dias após ser morto, Jesus subiu ao céu. Nesses quarenta dias, Jesus fez aparições antes de voltar ao Pai. Os textos lidos marcam o momento dessa ascensão, quando, após ter aparecido aos seus discípulos, Jesus subiu ao céu. Sem dúvida, é um fato marcante, pois a glória de Cristo exaltado contrasta com o sofrimento que Ele passou. Esse fato marca um dia especial para a igreja no seu início e para a igreja atual, pois ali se inicia uma missão especial a todo aquele que crê no Senhor Jesus. Por isso é importante nessa celebração, durante o culto todo, trabalhar esse momento histórico para a igreja, o momento em que Cristo é exaltado e promete retornar, deixando aos seus uma missão especial: a de testemunhar.
Os três textos estudados complementam-se. Enquanto no evangelho temos uma descrição daquilo que Jesus fez e ensinou, Atos vai relatar a ascensão. A descrição é mais daquilo que aconteceu mediante as atividades das testemunhas de Cristo. O texto de Lucas 24, por exemplo, reforça que as dificuldades dos apóstolos de crer que Jesus ressuscitou foram vencidas por provas a eles apresentadas. Em Atos, compreendemos que essas provas foram dadas durante os quanrenta dias em que Jesus esteve com eles, antes de sua ascensão. Assim, os versículos iniciais de Atos são um resumo do Evangelho de Lucas e os cinco primeiros versículos fazem ligação com esse evangelho, além de ser importantes para a interpretação de Atos. O texto de Efésios é mais uma indicação de que Jesus foi exaltado.
2. Exegese
V. 1 – Aqui está claro que a intenção do autor é fazer um resumo antes de entrar e dar continuidade à história de Jesus e ao começo da igreja. Teófilo ficou sabendo das coisas que Jesus fez e ensinava através do Evangelho de Lucas. Assim o Evangelho de Lucas tem, a partir desse texto de Atos, uma continuidade. É, na realidade, o cumprimento daquilo que Jesus falou em Lucas 24.49.
V. 2 – O termo Espírito Santo revela como aconteceu a escolha dos apóstolos e também como eles foram capacitados para cumprir sua missão. O termo a partir do grego deixa claro que aquilo que Jesus fez aos apóstolos, ou seja, tanto a sua escolha como a sua capacitação, aconteceu sob a direção divina. O que foi dirigido aos discípulos, num primeiro momento, agora é ampliado a outras pessoas (v. 8). Os primeiros contatos de Jesus, no que se refere a seus ensinos, eram mais restritos aos seus doze; era para esses que, primeiramente, Jesus direcionava suas explicações. Agora, com a sua ascensão, todos nós recebemos uma missão neste mundo. Antes de ser exaltado, Jesus cuidou para que seu trabalho continuasse.
V. 3 – Jesus deu a seus discípulos muitas provas de que estava vivo, havia ressuscitado após sua morte, de forma que Lucas parece fazer questão de citar que isso aconteceu durante quarenta dias. Nesse tempo, da ressurreição até a ascensão, os apóstolos receberam instruções sobre o reino de Deus, e isso ele fez “abrindo-lhes o entendimento” (Lc 24.45).
V. 4 – Neste versículo temos a descrição de algo que era bem marcante na vida de Jesus e de seus amigos. Isso era mais do que simplesmente um comer, mas representava, além da vida de Cristo, a comunhão de Jesus com os seus e trazia à lembrança momentos como o da última ceia. Neste versículo há algumas ordens com relação a continuar em Jerusalém, tais como: “não vos ausenteis, esperai”. Esses homens eram da Galileia e, após a partida de Jesus, seria natural que eles voltassem à sua terra natal; entretanto, o acontecimento do derramamento do Espírito aconteceria em Jerusalém e ali, através daquele episódio, eles então receberiam capacitação para desempenhar sua vocação de forma plena. A “promessa do Pai” refere-se ao Espírito Santo.
V. 5 – Até aquele momento, João tinha destacado especialmente aquilo que se refere ao batismo, mas com o derramamento do Espírito há uma nova postura por parte da igreja, que ela deve assumir, pois seus membros serão a habitação do Espírito. Essa promessa foi reforçada pelo testemunho de João. O ministério de Jesus iniciou com a descida do Espírito Santo (no batismo de João); agora o ministério dos apóstolos também iniciava com o batismo do Espírito.
V. 6 – Para a pergunta feita a Jesus, não lhes importava saber; o que importava era a tarefa que tinham de testemunhar.
V. 7 – A questão de tempo é algo firmado por Deus. A atuação de Deus era algo que estava sob seu domínio, mas agora seria o começo de um novo tempo, no qual a igreja estaria atuando. A resposta de Jesus deixa claro que a eles não caberia conhecer o tempo (chronos – tempo corrido, cronológico) nem as épocas (kairos – tempos exatos nos quais Deus atua na história), pois ambos pertencem a Deus.
V. 8 – Jesus quer reinar “…até os confins da terra”. O derramamento do Espírito é o início da missão dos apóstolos para que Cristo fosse levado a outros e seu corpo fosse então formado. Essa seria a maneira de Cristo reinar em outros lugares e não somente em Israel. É no cumprimento dessa missão que os apóstolos estariam revestidos de “poder”. No que se refere a essa missão, seria de testemunhar, ou seja, falar daquilo que eles “viram e ouviram”. Ser testemunha (no grego) significa ser martyr, ou seja, para falar daquilo que viram e ouviram, eles poderiam vir a sofrer. Por isso, nessa missão, o “poder” do Espírito era fundamental. O círculo aberto, de Jerusalém até os confins da terra, é na realidade o roteiro de escrita de Lucas, pois começa em Jerusalém, falando dos acontecimentos ali, e segue até Roma com Paulo. O ministério terreno de Jesus teve sequência através do Espírito Santo por meio dos apóstolos.
V. 9 e 10 – Esses versículos revelam para onde Jesus foi, ou seja, ele subiu ao céu – um movimento que indica glorificação. A descrição não apresenta nada de mítico. Na ilustração feita por Lucas, tudo é muito sereno. A expressão “de repente” traz uma nova situação, ou seja, do olhar para o céu para uma afirmação: Ele “há de vir”.
V. 11 – A pergunta feita aos apóstolos – “Por que estais olhando para o céu?” – tem também sua mensagem. Agora eles precisavam falar do que viram e ouviram, pois no futuro Ele voltará! Assim não adianta ficar apenas contemplando o céu, eles precisavam olhar a seu redor. Enquanto Jesus estava entre o povo, não foi lhe dada a devida glória, e nesse momento Ele a estava recebendo do Pai. Por isso, quando Ele voltar, todos o verão retornar da forma como foi, ou seja, “sobre as nuvens com poder e glória”.
3. Meditação
Os textos apresentados ajudam na compreensão da própria vida de Jesus, bem como colaboram para que a igreja compreenda sua missão. A própria fé da igreja cristã é baseada na crença da vida de Cristo. Por isso os textos lidos são importantes para a igreja atual. Eles ajudam para que ela avalie sua proclamação e o cumprimento de seu papel em meio à sociedade na qual está inserida.
É fácil, a partir desses textos, pensar em início. Provavelmente porque os momentos ali descritos marcam um novo tempo, um início tanto para os apóstolos como para a igreja cristã primitiva. O dia de hoje também deve levar-nos à reflexão, a pensar o que iremos fazer diante desse momento tão especial que nos remete a uma missão. Talvez esse seja o dia em que cada um individualmente e como membros do corpo de Cristo devemos avaliar-nos e perguntar: O que preciso para cumprir minha missão até que a promessa da volta se cumpra? Quem sabe, individualmente preciso de fé e como membro do corpo de Cristo preciso ter esperança.
A visão da ascensão causou espanto aos discípulos e, ao mesmo tempo, impulsionou-os a proclamar as boas-novas. Qual o resultado que a ascensão tem trazido ou causado a mim individualmente e ao corpo de Cristo como um todo? Hoje é tempo de pensar! De ter fé e esperança de que o melhor ainda está por vir! Talvez seja hora de nos colocarmos no lugar dos apóstolos e tomar para nós a pergunta feita aos homens galileus: “O que fazeis plantados olhando para o céu?”. Olhe para o futuro! Coisas melhores podem acontecer, desde que eu e cada membro do corpo de Cristo cumpramos nossa missão. Sem dúvida, esse é o ponto de partida que nos motiva a ser testemunhas, no sentido de falar daquilo que temos visto e ouvido, ou seja, do amor de Cristo.
É preciso que perguntemos: O que ou qual o resultado que a ascensão e a glorificação têm causado em mim e em minha igreja? Será que a ascensão e a glorificação motivam-nos a falar que, embora tantas dificuldades e problemas em nossa sociedade estejam acontecendo, Jesus está presente e pode continuar através daquilo que eu e a igreja fizermos? Será que Jesus está presente na sociedade através de nossa missão? Essa certeza pode fazer toda a diferença para a igreja cristã em nossos tempos, a certeza de que Cristo ressuscitou, subiu aos céus e está presente no mundo através daqueles que nele creem.
Através do Espírito Santo somos capacitados a viver neste mundo tão conturbado, passando por momentos difíceis, e ainda assim cumprir nossa missão. É necessário que nos perguntemos: O que necessitamos para que nossa tarefa seja executada com sucesso? Os apóstolos necessitaram de algo mais do que apenas suas forças. Foi-lhes necessário receber “poder” do Espírito Santo. O que eu e cada cristão temos necessidade de levar adiante a nossa tarefa? Deus ainda está interessado em orientar seus filhos para que cumpram sua missão.
É tempo da igreja atuar nos vários locais da sociedade, falar do amor de Cristo. Aquilo que os apóstolos fizeram foi somente o começo. Será que é correto que a igreja cristã hoje se cale diante do amor de Jesus e não faça nada em sua comunidade ou sociedade, não testemunhe? A ordem tem seguimento através da igreja e o trabalho através da vida de cada cristão.
Cada cristão tem a sua Jerusalém e pode chegar até determinados “confins”. Entretanto, isso só acontecerá quando cada um desempenhar sua missão, através de algo que é muito superior apenas às suas forças particulares. O que todos precisam é daquele mesmo “poder” que foi dado aos apóstolos. Para que, então, realmente Cristo seja testemunhado a outros e não somente os pensamentos individuais daqueles que nele creem. A tarefa de testemunhar não era algo somente dos apóstolos. No início, eles fizeram sua parte, e podemos perguntar se hoje a igreja cristã e os cristãos continuam fazendo sua parte ou não.
A boa mensagem da ressurreição de Cristo, do perdão dos pecados, do amor de Jesus, pode ser oferecida a outros. Em meio a tantas lutas que passam as pessoas, não há dúvida de que essa é uma boa mensagem e que a mesma fará diferença para todo ser humano. Essa mensagem deveria estar trazendo resultados e produzindo uma sociedade diferente hoje. Se não está, devemos perguntar-nos se estamos cumprindo nossa missão de forma adequada ou até mesmo se essa mensagem já fez diferença primeiro para cada um daqueles que se consideram cristãos. A mensagem da ascensão deve trazer renovação ao mundo e não frieza diante da sociedade na qual vivemos.
Todas essas coisas já ditas, bem como a exaltação de Cristo, fizeram parte da missão dos apóstolos e continuam a fazer parte de nossa missão neste mundo. A partir dos textos temos um desafio: ampliar aquilo que foi iniciado há tanto tempo por aqueles que testemunharam Cristo. “Jesus voltará!” deve ser a motivação, deve ser uma das coisas que impulsiona a igreja, o corpo de Cristo a olhar o presente e fazer o melhor pelo povo, seja ao seu redor ou nos confins da terra. Os apóstolos logo começaram seu trabalho porque tiveram o entendimento do que significava “há de vir, assim como o vistes ir”. Essa é a compreensão que deve ter a igreja para cumprir sua missão entre os seus. A eficácia da nossa tarefa continua em nossas mãos.
“Até os confins da terra” lembra-nos que a tarefa dos apóstolos deve prosseguir. A verdadeira igreja cristã vive a experiência de um Jesus presente e glorificado em sua comunidade. Por isso ela age e não se omite.
4. Sugestões para a prédica
Pode-se desenvolver como tema a missão da igreja na sociedade atual. É recomendável destacar aquilo que os apóstolos fizeram na sociedade em que viveram e ver o que é possível para a igreja de Cristo fazer hoje, tanto em termos de levar alento espiritual como o agir social. Fazer apontamentos, mostrando até onde ela tem ido e aonde pode chegar. A finalização deve ser observada com atenção, de forma que cada um possa analisar o que tem feito e até mesmo se cumpriu sua missão. O texto (v. 8) permite destacar o fortalecimento que o cristão recebe do Espírito Santo quando está desempenhando sua tarefa.
Nesse mesmo pensamento, um tema podem ser os atos da igreja de Cristo. A ideia é fazer uma reflexão mostrando aquilo que a igreja tem feito, se ela tem cumprido sua tarefa ou quem sabe ainda não. É recomendado fazer apontamentos das atividades da igreja, bem como desafiar a pensar em uma continuidade das atividades iniciadas pelos apóstolos. Ou seja, como seria fazer os relatos seguintes desse acontecimento de ascensão a partir da comunidade local? O que a igreja iria escrever? Também se pode falar dos atos de Cristo na igreja, mostrando dentro do corpo o agir de Cristo em benefício dessa.
Outro tema pode ser o novo tempo iniciado com a ascensão de Cristo, o tempo da igreja. Deve-se destacar a esperança que nasce com a ascensão de Cristo e com a promessa do v. 11. A igreja pode ser uma porta de esperança para muitos que estão desanimados, aflitos e não conhecem as boas-novas de Jesus.
5. Imagens para a prédica
Esta é uma experiência de alguém que por alguns momentos parou para refletir sobre a missão de testemunhar nos tempos atuais.
Certo dia, ao romper da manhã, eu estava nas costas da Fenícia e observava um aeroplano levantar vôo. A bordo daquela aeronave estava alguém que havia trazido àquelas terras bíblicas a mensagem viva do evangelho. Duas horas depois, estaria ele em outro país, onde igualmente entregaria a preciosa mensagem.
Quando o aeroplano sumiu no horizonte sob o céu de cristal que cobria o Mediterrâneo, lembrei-me de Paulo e Barnabé, que, séculos atrás, partiram daquela mesma baía.
Embarcaram para navegar por semanas e semanas e visavam chegar às terras pagãs, onde havia pontes para o cristianismo. Não tinham sustento, nem levavam nos bolsos cheques de turismo. A falta dessas coisas tão convenientes não os impediu de empreender a viagem.
No mundo moderno, muitas são as oportunidades, conveniências e estímulos para aqueles que querem ser testemunhas da graça salvadora de nosso Senhor. A necessidade maior é que sejamos testemunhas de Cristo.
P. C. Krikorian (Líbano)
6. Subsídios litúrgicos
Confissão de pecados
Senhor, estamos em tua presença com coração quebrantado por nossa negligência em relação à missão tão sublime, que nos deixaste de testemunhar daquilo que temos visto e ouvido. Pedimos a tua misericórdia mais uma vez por não estar engajados contigo nessa missão. Sabemos que muitos não têm ouvido as boas-novas e passam sem conhecer teu amor e teu perdão porque estamos olhando para aquilo que não contribui para que a sociedade receba da tua graça. Ajuda-nos a fazer a diferença nos locais em que atuamos, de forma que outros sejam confortados com a tua verdade. Amém.
Oração de intercessão
Senhor, diante de ti queremos apresentar as nossas autoridades eclesiásticas e políticas. Suplicamos a tua direção e sabedoria. Que elas também possam ser testemunhas de teu amor e bondade para aqueles que os cercam. Que elas possam atuar recebendo a tua bênção. Pedimos que com tua mão amorosa também ampares os aflitos, todos os que passam por momentos difíceis e estão sentindo tristeza em seus corações. Permita que tua graça os alcance. Estenda também a esses do teu consolo e permita que nós todos sempre estejamos alegres pela comunhão que podemos ter contigo. Amém.
Bibliografia
BOOR, Werner de. Atos dos Apóstolos. Trad. Werner Fuchs. Curitiba: Esperança, 2002. 375 p.
MARSHALL, I. Howard. Atos: introdução e comentário. Trad. Gordon Chown. São Paulo: Mundo Cristão, 1988. 397 p.
RICHARD, Pablo. O movimento de Jesus depois da ressurreição: uma interpretação libertadora dos Atos dos Apóstolos. São Paulo: Paulinas, 1999. 218 p.
KÜRZINGER, Josef. Atos dos Apóstolos. Petrópolis: Vozes, 1973.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).