Proclamar Libertação – Volume 38
Prédica: Atos 1.-11
Leituras: Salmo 47 e Efésios 1.15-23
Autor: Astor Albrecht
Data Litúrgica: Ascensão do Senhor
Data da Pregação: 29/05/2014
1. Introdução
Em toda tarefa na qual nos dispomos a cooperar, precisamos estar motivados. A mensagem da Ascensão do Senhor quer trazer coragem, disposição e alegria para a igreja em sua missão, assim como foi com os primeiros discípulos (Lc 24.50ss).
Na leitura do texto de Efésios 1.15-23, Paulo ora pela comunidade de Éfeso. Ele louva a Deus pelas ricas bênçãos que essa recebeu em Cristo Jesus. A comunidade tem testemunhado sua fé e demonstrado seu amor. Paulo pede a Deus que os efésios conheçam ainda mais a Deus e como é rico o chamado que ele lhes faz. Porque Deus tem ricas bênçãos para seu povo e age em seu meio. A comunidade deve viver unida como um corpo. Pode ter coragem e confiança em sua missão, pois Cristo é maior.
O Salmo 47 é um convite para louvar a Deus com alegria, pois ele é o rei do mundo inteiro. Todo poder pertence a ele. Na Ascensão, celebramos o Senhor Jesus, que volta para junto do Pai como glorioso Filho de Deus. Em seu nome há salvação. Isso deve ser anunciado a todas as pessoas, e sua comunidade tem essa tarefa. O coração da comunidade precisa pulsar com ânimo, coragem e alegria no desempenho de sua missão.
2. Exegese
Lucas dedica seu livro a Teófilo com o objetivo de ajudar a ele e outros cristãos com um relato fidedigno sobre o começo do cristianismo. O “primeiro
livro” é o evangelho, que é resumido como relato de “todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar” (v. 1). Atos relata o que ele continuou a fazer por
meio de suas testemunhas.
O período de que trata o v. 3, entre a ressurreição e a ascensão de Jesus, foi o tempo entre a conclusão do ministério terreno de Jesus e o início da obra da igreja. Esse período tem duas características importantes: forneceu provas de que Jesus estava vivo (v. 3) e foi o tempo em que Jesus deu instruções aos discípulos (v. 4-5,7-8). Quando o texto diz que Jesus “se apresentou vivo” (v. 3), não quer dizer que ele readquiriu a vida anterior, e sim vida repleta de realidade divina. Portanto a ressurreição não é apenas o desfecho glorioso da vida de Jesus, mas, ao mesmo tempo, o fundamento da igreja. O tema do ensino de Jesus durante esse período foi o reino de Deus (v. 3). Ele trata da ação salvadora e soberana de Deus por meio de Jesus Cristo. Esse foi o tema de seu ministério (Lc 4.43) e continuará sendo o tema de suas testemunhas (At 8.12; 19.8; 20.25; 28.23). O próprio Senhor Jesus é o conteúdo do testemunho da igreja (28.31).
Há o registro de uma instrução específica de Jesus quando estava “comendo com eles” (v. 4): ordenou que os discípulos permanecessem em Jerusalém até receber “a promessa do Pai” (v. 4). Trata-se da vinda do Espírito Santo (2.33,38-39; Lc 24.49; Ef 1.13). Essa promessa do Pai está contida nas Escrituras (Is 32.15; Jl 2.28-32). Em suas palavras de despedida, Jesus falou do Espírito que o Pai enviaria (Jo 14.16,17; 15.26). Eles não deveriam ausentar-se de Jerusalém,
pois essa cidade seria o cenário determinado por Deus para a outorga do Espírito. O lugar onde Jesus fora rejeitado haveria de ser o lugar onde começaria o novo testemunho dele. A promessa de Jesus é reforçada pelo testemunho de João Batista (v. 5). Enquanto esse batizara com água, Jesus batizaria com o Espírito Santo (Lc 3.16). Pedro cita essas palavras em Atos 11.16, quando os gentios recebem o dom do Espírito Santo. “Batizar” significa literalmente “imergir” uma pessoa na água ou inundá-la com ela. Diz respeito ao derramamento do Espírito, que vem
das alturas da parte de Deus.
Os discípulos perguntam: “Senhor, será este o tempo em que restauras o reino a Israel?” (v. 6). Agora que Jesus ressuscitou dentre os mortos, estabelecerá Deus seu domínio? Trata-se da esperança judaica de que Deus estabeleceria seu domínio de tal maneira que o povo de Israel ficasse livre de seus inimigos, especialmente os romanos, e seria estabelecido como a nação que subjugaria os demais povos. Jesus responde que o tempo de Advento permanece um segredo de Deus. Mais importante é a tarefa que os discípulos têm agora: agir como testemunhas de Jesus no poder do Espírito Santo, desde Jerusalém até os confins da terra. Manifesta-se aqui (v. 8) o objetivo de Atos: aos discípulos que se preocupavam a respeito da restauração do reino de Israel é apresentado o mundo todo como campo de ação. Eles devem cumprir sua tarefa de ser testemunhas de Jesus. Era esse o mandamento final que Jesus deu antes de deixar os discípulos. Como testemunhas, eles deveriam operar em nome e por incumbência do Senhor. Não se trata de transmitir somente a doutrina ou as instruções que receberam de Jesus. Antes, é Jesus mesmo, com suas obras, sua morte, sua ressurreição e glorificação, o conteúdo específico de seu testemunho. O Cristo que veio para anunciar torna–se o anunciado. Para isso os discípulos receberão poder “ao descer sobre vós o Espírito Santo” (v. 8).
A nuvem (v. 9) é, ao mesmo tempo, o veículo que “recebe” Jesus e transporta-o para longe e o sinal da glória celeste de Deus (Lc 9.34-35; Ap 11.12). É, portanto, uma nuvem sobrenatural e simbólica. Os discípulos ficaram parados, olhando atentamente, enquanto Jesus desaparece. Surgem “dois varões vestidos de branco” (v. 10). A descrição é de anjos (Lc 24.4; At 10.30). A função deles é comentar aquilo que acontecera. A pergunta que os anjos fazem é uma repreensão implícita aos discípulos, que esperavam a continuada presença de Jesus com eles. Ora, os discípulos já receberam a ordem quanto àquilo que devem fazer. Eles recebem agora a confirmação de que a ascensão de Jesus é uma garantia de que ele voltará da mesma maneira, isto é, numa nuvem (Lc 21.27; Mc 14.26). A promessa da volta de Jesus forma o fundo histórico da esperança, diante da qual os discípulos devem desempenhar seus papéis como testemunhas de Jesus. A fé no retorno de Cristo faz parte incontestável da mensagem do evangelho, pois, quando ele voltar, então sim o reino de Deus será consumado. Isso corresponde à declaração de Jesus em Marcos 13.10 de que o evangelho deve primeiramente ser pregado a todas as nações antes de vir o fim.
3. Meditação
Sugiro prestar atenção a duas frases do texto bíblico e, a partir delas, desenvolver a mensagem. A primeira frase é “foi elevado às alturas” (v. 2), e a segunda é “e sereis minhas testemunhas” (v. 8). A primeira frase apresenta-nos algo consumado. A segunda apresenta a tarefa que deve ser cumprida. Na primeira frase, temos o alicerce que sustenta a segunda.
O relato da ascensão do Senhor deu à primeira igreja certeza de fé a respeito de quem era Jesus Cristo. Lucas escreve no início de Atos que, após o episódio da cruz e do sepultamento, Jesus ressuscitou. Ele prometeu a seus seguidores a dádiva do Espírito Santo. Ele volta para a glória e está ao lado do Pai, de onde ele em glória também voltará. Essa certeza de fé estava presente na igreja e determinou sua vida. Lucas coloca essas verdades da fé no início do livro de Atos, para que também nós hoje não esqueçamos o que de uma vez por todas se tornou o alicerce da comunidade.
Aqui podemos destacar a leitura do texto da Carta de Paulo aos Efésios. Paulo louva a Deus por tudo o que tem ouvido a respeito da fé na comunidade de Éfeso. Não se trata de uma fé que se limita a concordar com um mesmo conteúdo, mas uma fé que se expressa na comunidade em ações de amor (Ef 1.15). Assim como foi o ministério de Jesus, palavras e atos, assim era a vida dessa comunidade. E Paulo lembra o alicerce que sustenta essa comunidade: a ressurreição de Jesus e sua ascensão (Ef 1.20). O v. 21 do texto de Efésios faz saber o que significa a ascensão de Jesus: “Cristo reina sobre todos os governos celestiais, autoridades, forças e poderes. Ele tem um título que está acima de todos os títulos das autoridades que existem neste mundo e no mundo que está por vir” (v. 21). Todas as forças e poderes estão submetidos a Cristo. Assim confessamos a respeito de Cristo: “está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso”, quer dizer, ele ocupa a posição de Rei dos reis e Senhor dos senhores. Ele é o Senhor e está junto com sua comunidade (v. 22-23). Assim entendemos a motivação dos discípulos após a ascensão de Jesus: “eles o adoraram e voltaram a Jerusalém, cheios de alegria” (Lc 24.52).
Essa fé e essa confiança a comunidade precisa ter. É difícil realizar nossa missão sem a alegre confiança de que o Senhor está conosco e nos ajuda. Precisamos crer que ele é maior do que todas as forças do mal. E é por isso que nós, sua comunidade (seu corpo), podemos seguir em frente; pois Jesus Cristo é aquele que era, que é e sempre será. Ele está vivo. Está presente e atua em sua comunidade e através dela. Talvez devêssemos nos perguntar: O que essa verdade significa para nós? Ela faz diferença em nosso testemunho como comunidade? Como anda o nosso ânimo? A nossa confiança? Qual é nosso sentimento diante da tarefa que temos de anunciar o nome de Jesus? Como comunidade, temos testemunhado de nossa fé com ações de amor (diaconia)?
Convidamos a comunidade para lembrar-se da ordem de Jesus: “e sereis minhas testemunhas” (v. 8). Aqui está o que temos por fazer. Nossa tarefa. Nossa missão. Todo o livro de Atos testemunha a presença viva de Jesus em sua comunidade. Eis que a mesma graça é concedida também a nós. Eu sugiro destacar o valor da comunidade atuar em conjunto e não cada membro de forma isolada. Esse era o plano de Jesus desde o começo. Nenhum de nós pode fazer o que todos nós podemos fazer. Jesus disse que nós somos suas testemunhas. Jesus não pôs um a um numa fi la e nomeou cada indivíduo: “Você, Henrique, será minha testemunha…”; “Você, Aline, será minha testemunha…”. Claro que cada membro é chamado a dar seu testemunho de fé. Mas procuro aqui destacar o valor da comunidade estar unida no testemunho. Como Jesus disse: “Vocês (a soma de todos) serão minhas testemunhas”.
Jesus trabalha em comunidade. É por essa razão que não encontramos pronomes pessoais nas primeiras descrições da igreja: “E todos continuavam firmes… todos os que criam estavam juntos… Todos os dias, unidos, se reuniam…” (At 2.42ss). Não há eu, meu ou seu. Estamos nisso juntos. Somos mais do que seguidores e seguidoras de Cristo. Nós somos membros de seu corpo (Ef 1.23). Eu não sou o seu corpo; você não é seu corpo. Nós juntos somos seu corpo. Essa união deve manifestar-se na tarefa de levar a todas as pessoas a mensagem a respeito de Cristo. Não se trata tão somente de doutrina; antes é Cristo Jesus com suas obras, sua morte, sua ressurreição e glorificação o conteúdo do testemunho. O reino de Deus é anúncio de que Deus age para salvar em Jesus Cristo.
Para termos força nessa missão é que Cristo deu o Espírito Santo. Ele ordenou que seus discípulos aguardassem na cidade até ser revestidos de poder (Lc 24.49). A promessa cumpriu-se no dia de Pentecostes. Ainda assim, a igreja precisa sempre de novo ser fortalecida na presença do Espírito Santo de Deus. A sua comunidade encontra força, maior confiança e paz quando aprende a esperar (Is 40.31). A comunidade recebe força no Espírito de Deus quando se reúne para o culto, ora em conjunto, louva ao Senhor, ouve a sua palavra e recebe o sacramento. A comunidade precisa cuidar para que o corre-corre não seja entendido como missão, mas que, na comunhão de uns com os outros e reunidos na presença do Salvador, receba orientação, força e paz para cumprir a sua missão.
4. Imagens para a prédica
Um repórter que cobria a guerra em Sarajevo (Bósnia) viu uma garotinha ser baleada por um franco-atirador. A parte de trás da cabeça da garota fora despedaçada por uma bala. O repórter atirou longe o bloco e o lápis e deixou de ser repórter por alguns minutos. Ele correu até o homem que estava segurando a criança e ajudou-o a entrar em seu carro. Enquanto se dirigiam ao hospital, o homem que segurava a criança ensanguentada disse:
– Depressa, meu amigo. Minha criança ainda está viva.
Alguns instantes depois, ele implorou:
– Depressa, meu amigo. Minha criança ainda está respirando.
Em seguida:
– Depressa, meu amigo. Minha criança ainda está quente.
Por fim:
– Depressa, meu amigo. Ai, meu Deus, minha criança está ficando fria.
Quando chegaram ao hospital, a garota estava morta. Os dois homens foram ao banheiro para lavar o sangue das mãos e das roupas quando o homem
disse ao repórter:
– Agora tenho uma tarefa terrível pela frente: contar ao pai que sua filha morreu. Ele vai sofrer muito.
O repórter ficou admirado e perguntou:
– Eu pensava que ela era sua filha.
O homem respondeu:
– Não. Mas não são todas nossas crianças?
Isso é verdade. Os que sofrem pertencem a todos nós. E se todos nós respondermos juntos e unidos, haverá esperança.
5. Subsídios litúrgicos
Oração do dia:
Senhor Jesus Cristo, nós louvamos teu nome por tão grande salvação que recebemos por meio de teu amor. Tu nos colocaste aqui no mundo como teu corpo para viver em comunhão. Tu nos ensinaste a amar, a interessar-nos uns pelos outros, a lutar por pão e justiça. Tua verdade deve tornar-se manifesta no mundo por intermédio de nossa vida e nossa comunidade. Senhor, derrama o teu Espírito Santo para que a tua vontade assim se faça conosco. Graças que tu ouves a nossa oração. Amém.
Após o Glória, pode-se convidar a comunidade a relembrar situações em que a união dos membros se mostrou de forma viva e possibilitou que ações concretas pudessem ser realizadas. Em outras palavras, como foi que, unidos, pudemos realizar ações de amor em favor de quem sofre? Como juntos conseguimos testemunhar o evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo? Como na comunhão da igreja cada membro encontra força e alento para enfrentar uma situação adversa? Incentivar as pessoas a partilhar e testemunhar sobre como receberam bênçãos de Deus na reunião da comunidade. Destacar, no final, que assim se mostra a presença de nosso Senhor. Ele está presente. Podemos convidar a comunidade a louvar a Deus com cânticos que falem da presença do Senhor em sua igreja e da confiança em seu grande nome. Um hino propício é o 264 do HPD 1: Nome sobre todo nome.
Bibliografia
KÜRZINGER, Josef. Atos dos Apóstolos – primeira parte. Petrópolis: Vozes, 1971.
MARSHALL, I. Howard. Atos – introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 2005.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).