Em nome de Jesus
Proclamar Libertação – Volume 39
Prédica: Atos 19.1-7
Leituras: Gênesis 1.1-5 e Marcos 1.4-11
Autora: Ramona Weisheimer
Data Litúrgica: 1º Domingo após Epifania
Data da Pregação: 11/01/2015
O que Deus nos dá no Batismo?
Pelo Batismo participamos da vida, morte e ressurreição de Cristo por nós.
Somos marcados por sua cruz, que é a vitória sobre
o nosso fracasso e o ponto de partida para um novo começo.
Aceitos por graça, somos chamados
a andar em novidade de vida,
oferecendo-nos a Deus como instrumentos de justiça.
(Nossa Fé – Nossa Vida)
1. Introdução
At 19.1-7 está sendo contemplado pela primeira vez como texto de pregação em Proclamar Libertação. Aliás, a maior parte da literatura que esteve a meu alcance não dava muita atenção a esse texto. Então, quem sabe, já estava em tempo de encará-lo. E o tempo é bem propício: 1º Domingo após Epifania, Batismo de nosso Senhor. O Pai, o Filho e o Espírito Santo unidos, presentes no momento do Batismo, início da caminhada.
As leituras propostas auxiliam na compreensão e meditação do texto de Atos. Iniciando por Gn 1.1-5, primeiro dia da criação: o céu e a terra, até a separação em “dia” e “noite”, e “a terra estava coberta por um mar profundo… e o Espírito de Deus se movia por cima da água” (v. 2). Em Mc 1.4-11, João Batista aparece no deserto, chamando para o arrependimento dos pecados, batizando com água e anunciando a vinda de alguém maior do que ele, que os batizaria com o Espírito Santo. Quando Jesus é batizado, o céu abre-se, e o Espírito Santo vem como uma pomba sobre ele, e ouve-se: “Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo”. E então, At 19.1-7, quando em Éfeso, Paulo encontra discípulos que tinham sido batizados apenas com o “batismo de João Batista” para o arrependimento. Nem sequer haviam ouvido falar do Espírito Santo. Então Paulo os batiza, impõe-lhes as mãos, e eles recebem o Espírito Santo e dons de línguas e profecia. Batizados em nome de Cristo, tornam-se parte da família cristã.
2. Exegese
Chamamos a atenção para algumas diferenças apresentadas por três versões da Bíblia, mesmo que elas não afetem muito a compreensão do texto. Comparamos a Bíblia de Jerusalém (BJ), o Novo Testamento na Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH) e a Nova Versão Internacional (NVI), verificando também a edição do texto grego de Nestle-Aland (NA).
No v. 1, a BJ e a NVI trazem “atravessado o planalto” ou “atravessando as regiões altas”, enquanto a NTLH traz “viajou pelo interior da província da Ásia”; em NA, anōterika mais alto, hinterland. A diferença mais significativa está em “alguns discípulos” (BJ e NVI) para “alguns cristãos” (NTLH), tinas matetas em NA. No v. 2, a BJ traz “abraçastes a fé”, e a NVI e NTLH, “quando creram”. No v. 3, a NTLH acrescenta a João “Batista”, concordando com NA. No v. 4, a BJ traduz “Paulo explicou”, enquanto a NVI e a NTLH trazem “Paulo disse”. A diferença maior do versículo está em “batismo de arrependimento” (NVI, BJ) (em NA ebaptisen baptisma metanoias) em relação à NTLH “batizava os que se arrependiam dos seus pecados” – anunciando a vinda de Jesus – e não do Senhor Jesus Cristo. No v. 6, a NTLH traduz “anunciar a palavra de Deus”, e as demais, “profetizar”, eprofēteuon em NA.
Antes de ir adiante, olhemos um pouco para o contexto. At 18.23-28 in- forma que Apolo, um judeu nascido em Alexandria (um centro de judaísmo helenístico), chegou a Éfeso. Ele fora instruído “no caminho”, mas só conhecia o batismo de João Batista, ignorando, porém, o batismo no Espírito Santo. Por isso Priscila e Áquila levam-no para sua casa e completam sua instrução. Ele teria ido para Corinto quando Paulo chega a Éfeso. Os comentários sobre Apolo não são tão abonadores. Teria sido eloquente, formado em escolas de retórica, mas, de princípio, conhecendo apenas um “evangelho incompleto”, que teria sido ensinado àqueles discípulos encontrados por Paulo em At 19.1. Faltava-lhe o conhecimento sobre o Espírito Santo. Depois do encontro com Priscila e Áquila, Apolo foi para Corinto, onde teria pregado com tanto sucesso, que formara um círculo de admiradores, que, enfim, acabaram por opor-se, de certo modo, aos “cristãos paulinos” (1Co 1.12; 3.4-6,22; 4.6). José Comblin lembra que Lucas achou uma maneira de colocar Apolo numa dependência de Paulo, já que Priscila e Áquila são ligados a Paulo. Mas, de qualquer forma, não encobre o fato de que a igreja de Éfeso não seria de fundação paulina.
At 19.8-20 continua a história da terceira viagem de Paulo com incompreensão de uns, vários prodígios do apóstolo em Éfeso e a tentativa frustrada de alguns – os exorcistas filhos de Ceva – de se aproveitar dos sucessos obtidos. E assim a Palavra se fortalece.
O comentário da Bíblia de Jerusalém para o v. 8 – Fundação da igreja em Éfeso – diz justamente que “a narrativa, interrompida pelas notícias sobre Apolo e sobre os joanitas, recomeça”. Assim, At 18.23 quebra a narrativa com a história de Apolo, e 19.1, com o encontro com os joanitas. Ao sugerir um “roteiro de estudos”, com base nos “Conflitos no Livro dos Atos dos Apóstolos”, Carlos Mesters coloca entre os “conflitos internos das comunidades dos primeiros cristãos” o fato de que havia cristãos que só conheciam o batismo de João e outros que nada sabiam do Espírito Santo.
José Comblin não chama a atenção para uma “quebra”, mas acrescenta que o tempo passado em Éfeso foi o mais cheio de acontecimentos em toda a missão de Paulo. Sobre a “questão dos batistas” (v. II, p. 96) informa que as diferenças entre os discípulos de João e de Jesus são mínimas e que para Lucas interessa tornar mais claras essas diferenças. “O Espírito está ligado ao batismo de Jesus e à fé. Se os discípulos não receberam o Espírito, é sinal de que não receberam o batismo de Jesus” (v. II, p. 97). Segundo a doutrina cristã do Batismo (At 13.24; Lc 3.5-7), o batismo de Jesus é superior (Marcos aponta para aquele que vem e batizará com o Espírito Santo). É pelo batismo que aqueles homens tornam-se membros de Cristo. E a presença do Espírito manifesta-se nos dons habituais (comp. 10.46). O episódio bem poderia ser parte de uma “catequese cristã” dirigida aos discípulos de João (v. II, p. 97).
Conforme Comblin, os paralelismos entre Pedro e Paulo no livro de Atos são intencionais. Assim, se em At 8.14-17 Pedro e João vão para a Samaria e oram sobre aquela gente que fora batizada em nome de Jesus (!), mas não receberam o Espírito Santo, que vem sobre eles após a imposição das mãos, em nosso texto Paulo batiza e impõe as mãos sobre aqueles discípulos que conheciam apenas o batismo de arrependimento de João Batista. Aqui se torna significativa a diferença entre “alguns discípulos” e “alguns cristãos”. Conforme ainda Comblin, a grande preocupação de Atos seria justamente Paulo, sua atuação e como fazê-lo ser o mais aceitável possível aos judeus, já que a comunidade lucana seria composta basicamente de prosélitos e adoradores de Deus. O autor não se preocupa tanto com cronologia – e talvez nem tanto com itinerários –, mas utiliza os fatos de maneira a colaborar com a sua tese. Bem mais na função de advogado que de historiador (vol. II, p. 13). Alguns conflitos que aparecem de maneira forte nas cartas de Paulo, como o problema da comunhão de mesa (Gl 2.11-14), são simplesmente amenizados. E é bom lembrar que a maneira de fazer história na época era, em larga medida, diferente da que usamos hoje. Portanto o autor age conforme sua época e seu propósito. “Inspira-se na literatura grega. Conhecia certamente as obras da historiografia grega e as regras desse gênero literário. Adaptou-as ao seu projeto” (COMBLIN, v. I, p. 63).
Em sua introdução, Comblin diz que Lucas escreveu seu livro em dois tomos, divididos, mais tarde, pelos autores do cânone do NT no século II. Os títulos teriam sido dados nessa época. O livro mereceria, aliás, bem mais o título de “Atos de Paulo”, que passou a vida lutando pelo título de apóstolo, pois dos doze só de Pedro efetivamente se fala. E, ainda, Pedro é visto quase como um “precursor” de Paulo na evangelização das nações. “Os primeiros 15 capítulos são uma longa introdução aos Atos de Paulo com o fim de mostrar que o que segue concorda perfeitamente com o que precedeu” (COMBLIN, v. I, p. 67).
3. Meditação: o Espírito Santo e o Batismo
“O livro dos Atos é de certo modo o evangelho do Espírito Santo, assim como o primeiro tomo de Lucas era o livro de Jesus. Após a ascensão, Jesus manifesta-se poucas vezes no ministério dos apóstolos ou de Paulo. Quem, porém, se manifesta é o Espírito Santo, fato que Lucas atribui a um anúncio do próprio Jesus. (…) O Espírito Santo é dado aos que ouvem a palavra. A vinda do Espírito Santo é para eles o sinal de que estão caminhando para o reino de Deus, pois experimentam uma nova energia que lhes era desconhecida” (COMBLIN, v. 1, p. 41).
E, chegando, finalmente, ao tema do Batismo, conforme o “Livro de Batismo” da IECLB, “o testemunho do Novo Testamento sobre a relação entre o batismo e o Espírito Santo é, ao mesmo tempo, bastante uniforme e um pouco desconcertante” (p. 26). Cita, a seguir, passagens que demonstram uma relação estreita entre batismo e recepção do Espírito Santo, o que, porém, conforme as citações, nem sempre acontece no mesmo momento. Assim citam-se Mt 3.16 (o batismo de Jesus), o testemunho “mais eloquente”, mas também At 2.38 (arrependimento, batismo, perdão e concessão do Espírito Santo), At 19.1-7 (em que pessoas foram batizadas no batismo de João e nem ao menos o conheciam, sendo batizados no nome de Jesus e recebendo o Espírito Santo com a imposição das mãos), At 8.14-17 (em Samaria receberam o batismo de Jesus, mas não o Espírito Santo, que só vem mais tarde, com a imposição das mãos) e ainda Tt 3.4-7, 2Co 1.22, Ef 1.13-14 e 4.30. Não se pode jogar um texto contra o outro, mas captar o conjunto. Importante é que “a estreita relação entre o batismo e o Espírito Santo também se articula no fato de ser o batismo porta de entrada na Igreja. Segundo o testemunho bíblico, a Igreja é o lugar onde atua o Espírito Santo. Não se pode ingressar na Igreja sem ter parte na dádiva do Espírito Santo” (p. 27).
“De acordo com a tradição judaica, a igreja cristã assimilou, no Batismo, os atos litúrgicos da imposição das mãos e da unção com óleo. O Antigo Testamento os conhece como atos que transmitem poder e bênção a pessoas especiais. Sacerdotes e reis são ungidos no antigo Israel. No Batismo cristão ocorre uma democratização absoluta desse gesto e de seu significado. (…) Toda e cada uma das pessoas batizadas recebe os dons do Espírito Santo e assim fica apta a exercer o sacerdócio real (1Pe 2.9; Ap 5.10).” Absoluta igualdade expressa por Paulo em 1Co 12.13, Gl 3.27-28 (Livro de Batismo, p. 32).
Quanto ao rebatismo, o Livro de Batismo cita mais uma vez Paulo (Ef 4.4-6) e lembra que, no Novo Testamento, bem como na Igreja Antiga, não há sequer vestígios de uma prática de rebatismo, nem mesmo em épocas em que, por causa das perseguições, cristãos renegaram a fé. Lembra que o rebatismo acontece quando uma igreja ou comunidade não reconhece o batismo ministrado por outra, por desqualificar o ministrante ou a forma de realização. Ato que não deixa de pôr em dúvida a ação do próprio Deus no Batismo. E sobre as justificativas arroladas por defensores de um rebatismo, o Livro de Batismo cita as crises de consciência e alma ou a perda de significado de um batismo anterior. Mas, mais do que isso, lembra-nos que nossas crises e conflitos internos não invalidam a promessa de Deus, que é muito maior do que nossas quedas e tropeços (Livro de Batismo, p. 34-5). Conforme Lutero, “ser batizado em nome de Deus é ser batizado não por homens, mas pelo próprio Deus. Por isso, ainda que levado a efeito pelas mãos do homem, não obstante é verdadeiramente obra de Deus mesmo. (…) o próprio Deus aqui empenha a sua honra e nela põe sua força e poder” (Livro de Batismo, p. 23).
Assim, são vários os significados do Batismo: perdão dos pecados, união com Cristo, recepção do Espírito Santo, incorporação na igreja, corpo de Cristo novo nascimento. Dessa forma, o texto que, em princípio, nos parecia tão com- plicado, une-nos outra vez num mesmo pensamento: o Espírito Santo, que estava desde o princípio (Gn 1.2), veio sobre o Filho após o Batismo, quando se ouve a palavra do Pai, que nele se alegra (Mc 1.11). E é o Batismo em nome do Trino Deus porta de entrada na igreja de Jesus Cristo. Através do Batismo, dado por graça, recebido por fé, somos aceitos e enviados. E mesmo em meio às nossas crises, o Espírito Santo de Deus atua em nós. É dádiva que não se compra nem se anula. Ele não nos quer imóveis, mas nos incorporar no sacerdócio real.
4. Imagens para a prédica
O texto fala de Batismo e o lemos justamente em tempo de Epifania. Aqueles homens haviam sido batizados no batismo de João para arrependimento de pecados. São chamados discípulos, mas nem sequer ouviram falar do Espírito Santo. Para refletir, quem sabe se possa fazer um mosaico com vários pedaços coloridos, formando uma cruz. O mosaico destaca que cada qual é uma parte e contribui do seu jeito para o corpo de Cristo na terra, apesar das nossas imperfeições. Pelo Batismo temos parte naquela cruz e também na ressurreição e na vida eterna com Deus. O desenho não ficará perfeito, mas a igreja não é perfeita, é interação, criatividade e nunca está “pronta”. O Batismo é ser parte, fazer parte, construir, somar junto.
5. Subsídios litúrgicos
Voto inicial:
“Onde a história de Jesus não é limitada ao sentido de lenda piedosa, mas se torna atualidade empolgante, ali está o Espírito Santo, ali Deus transforma a nossa vida. O desespero muda em esperança, o tédio em satisfação, o pranto em riso, a contenda mordaz em amor fraterno” (W. STIEGEMEIER. 3º Artigo do Credo Apostólico. In: Proclamar Libertação: Catecismo, 1981, p. 119). Em nome de Deus Pai, o Criador, Filho, o Salvador, e Espírito Santo, o doador da fé, é que nos reunimos. Amém.
Oração:
Bondoso Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo! Em tuas mãos estão todos os cristãos nesta terra e com o Espírito Santo tu os guias, diriges e reúnes. Mostra a cada um de nós que só seremos comunidade se houver entre nós comunhão. Nessa comunhão, dá-nos forças para não resignar, mas nos impulsiona para que possamos crescer juntos na fé, na esperança e no amor. Dirige-nos pela tua Palavra, por Cristo Jesus. Amém.
Hinos sugeridos:
Nº 85, HPD I: Vem, Espírito divino; nº 421, HPD II: Eu quero ser; nº 338, HPD II: Onde dois ou três me invocam a orar.
Bibliografia
COMBLIN, José. Atos dos Apóstolos. Petrópolis/ São Bernardo do Campo/ São Leopoldo: Vozes/ Metodista/ Sinodal , 1989.
IECLB. Livro de Batismo (Org. KIRST, Nelson). 2. ed. São Leopoldo: Oikos, 2008.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).