Proclamar Libertação – Volume 39
Prédica: Atos 3.12-19
Leituras: Salmo 4 e Lucas 24.36b-48
Autora: Silvia Beatrice Genz
Data Litúrgica: 3º Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 19/04/2015
1. Introdução
O texto de prédica faz parte de um discurso de Pedro no pórtico de Salomão, feito após a cura de um coxo de nascença que sobrevivia pedindo esmola junto ao templo de Jerusalém na porta chamada Formosa (At 3.1-10).
Em sua alocução, Pedro sugere que no plano de Deus e no projeto de Jesus existe cura para um sistema excludente, que se mantém graças ao pecado. Existe cura, sim, mas é preciso reconhecer os erros, arrepender-se, converter-se para que os pecados sejam cancelados. Além disso, é preciso viver em novidade de vida, segundo a vontade de Deus, anunciada pelos profetas e experimentada na vida comunitária.
A palavra é dirigida ao povo perplexo e curioso. Pedro atribui a cura do paralítico a Jesus, para cuja morte o povo contribuiu, mas que o Deus dos patriarcas glorificou e ressuscitou. Deus não abandonou Jesus em sua morte de cruz e reabilitou-o através de sua ressurreição. Os apóstolos são testemunhas disso. A cura, diz Pedro, aconteceu pela fé, que vem justamente desse Jesus e não deve ser creditada ao poder dos apóstolos.
2. Exegese
V. 12 – As notícias da cura junto ao templo espalharam-se rapidamente. O povo viu algo que o impressionou: aquele homem, antes paralítico, agora pulava cheio de graça e alegria. Conheciam-no bem como esmoleiro aleijado, jogado junto ao templo. Pedro e João veem a multidão aproximar-se. Ela pensa, provavelmente, que o acontecido é ação milagrosa dos apóstolos. Pedro, em vista disso, dirige-se aos israelitas ali reunidos, que conheciam as promessas de salvação das Escrituras, deixando claro que quem agiu não foram os apóstolos, e sim Jesus. Juergen Roloff diz: “Os apóstolos não estão dotados de um poder sobrenatural, como tantos milagreiros ambulantes da região se arrogam, também não induziram Deus a uma ação prodigiosa. Não são eles, Pedro e João, o centro dos acontecimentos, mas Jesus, Servo de Deus. Ação de Deus em Jesus”.
V. 13 – Pedro faz neste versículo uma rememorização da promessa e ação de Deus desde tempos antigos. Ele afirma: O Deus que age em Jesus é o Deus de nossos pais (Abraão, Isaque e Jacó), que libertou seu povo e glorificou seu Servo Jesus. É o Deus que se revelou na história do povo de Israel, libertando-o e prometendo-lhe o Salvador, que é o Cristo que vocês traíram e negaram perante Pilatos.
V. 14 – Em tom duro, Pedro continua a falar contra os que estão admirados da cura do paralítico: a cura deu-se em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, que foi fiel a Deus e morreu crucificado. Vocês negaram o Santo e Justo e identificaram–se com um homicida: escolheram Barrabás em vez de escolher a Cristo, o Libertador e Salvador.
V. 15 – O Autor da vida foi morto, mas a morte não pode retê-lo: Deus ressuscitou-o dentre os mortos, do que os apóstolos são testemunhas. Não foi possível matar o Autor da vida, que se ofereceu à cruz para dar vida àqueles que nele creem.
V. 16 – A fé que vem de Jesus curou o paralítico. O texto não fala da fé do paralítico, mas deixa claro que a cura não é ação milagrosa dos apóstolos, e sim ação de Jesus.
V. 17 – Após expor como os fatos aconteceram (isso é necessário para um reconhecimento de culpa), parece que Pedro assume agora um tom conciliador, mas não é o caso, pois a pregação encaminha-se para um chamado ao arrependimento e à mudança de vida. Na ação violenta contra Jesus, Pedro diz que eles agiram como ignorantes, que não sabem o que fazem, manipulados pelo poder do sinédrio. Ao mesmo tempo, o apóstolo dá esperança a esse povo, como quem diz: Os tempos de ignorância já passaram.
V. 18 – Em meio ao agir pecaminoso dos israelitas, Deus cumpriu seu plano salvífico. Com sofrimento e crueldade, Jesus seguiu o caminho até a cruz, conforme anunciado pelos profetas. Deus fala através dos profetas sobre a verdade e a justiça que não estão acontecendo, que foram e são violadas pelas lideranças que levaram Jesus a sofrer na cruz por nós.
V. 19 – Arrepender-se e converter-se é consequência do reconhecimento dos pecados cometidos. Quem se arrepende recebe o perdão para uma nova vida. Roloff diz: “O que se exige é renunciar à vida depravada que se tem levado até o momento e aceitar a atuação salvíica de Deus em Jesus”. Aqui Pedro não fala do Batismo, como em Atos 2.38, mas lembramos as palavras que Jesus fala em relação ao Batismo: “Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado”. Pesch diz que os dois aspectos (arrepender-se e converter-se) exigem mudanças no interior do ser e no agir externo, como consequência do perdão dos pecados recebido no Batismo.
Nos v. 20-21, que não fazem parte da perícope prevista, Pedro continua dizendo que Deus concede a Israel uma nova possibilidade de conversão. Para os que se convertem ele trará tempos de consolo e refrigério. O futuro é tempo de salvação. Mas esse futuro iniciou com o próprio Jesus, que assim respondeu quando João Batista mandou perguntar-lhe se seria ele o esperado: “Ide e anunciai a João o que vistes e ouvistes: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres, anuncia-se-lhes o evangelho. E bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço” (Lc 7.22-23). O céu recebe Jesus até a sua parusia. A restauração já iniciou, como anunciado pelos profetas. Mas, no tempo determinado por Deus, Jesus voltará. Aqui somos lembrados da ascensão de Jesus, sem esquecer da promessa do ressuscitado antes da ascensão: “Eis que estou convosco todos os dias até a consumação do mundo” (Mt 28.20).
3. Meditação
3.1 – Confessar-se, arrepender-se e converter-se!
O convite de Deus para a mudança de vida está ligado ao reconhecimento de pecados cometidos, mesmo que por ignorância. Pedro não deixa de falar diretamente e com dureza ao povo sobre o seu agir pecaminoso contra Jesus e o próprio Deus. Deixa claro que seu agir foi por medo e ignorância. Lembramo-nos do que Jesus falou na cruz: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34). Pedro não justifica o feito dessas pessoas na condenação e crucificação de Jesus; pelo contrário, continua a falar aos israelitas em tom direto de acusação, fazendo-os perceber como foram frágeis e medrosos ao deixar-se manipular pelo sinédrio e pedir a crucificação de Jesus, o Servo de Deus. Por isso é preciso reconhecer os pecados, arrepender-se e converter-se agora.
Por séculos, através dos profetas, Deus vinha dizendo o que aconteceria: que seu Cristo haveria de sofrer. Deus conhece seu povo. Ele mesmo vem. Poderia ter escapado do sofrimento, mas não o fez. Por isso Pedro apresenta no v. 19 o caminho de mudança para restabelecer novos tempos, tempos de refrigério para quem nele crê (v. 20). Eu não preciso mais sofrer para que nasça um novo tempo. Cristo sofreu por mim para me libertar do poder do pecado. Diante da cruz de Cristo vejo o dilema da minha vida, mas posso reconhecer e crer que Cristo morreu pelos meus pecados, arrepender-me e viver em novidade de vida.
As promessas que encontramos no Antigo Testamento podem ser experimentadas na vida, assim como esse paralítico experimentou em nome de Jesus Cristo. Ele estava sempre ali na porta do templo. Foi curado por Jesus perto do templo, que representava o poder religioso que ajudou a matar Jesus.
Pedro dirige-se ao público em tom acusatório e de confronto com a verdade: a morte de Cristo foi com o consentimento de vocês, pois vocês pediram a liberdade de Barrabás e permitiram que Cristo fosse crucificado.
É difícil entender o Deus de nossos antepassados, que em seu poder e amor não desistiu do ser humano. Pois seria a hora de dizer: Chega! Mas Deus não abandona o seu plano de vida. A ressurreição de Cristo é a vitória sobre a morte. É esperança de vida já aqui, é derrota da rigidez que a morte produz, mesmo quando ainda pulsa a vida. Por isso Pedro convida para a mudança, a reconciliação com Deus, também a nós.
Pedro, após a cura do paralítico, confrontou o povo com os erros cometidos por ignorância, fraqueza e medo por ocasião da crucificação de Cristo. Também nós, diante da cruz de Cristo, somos confrontados com nossos erros, medos, fraquezas e nos desesperamos, não confessando nossos pecados nem nos arrependendo deles. Esquecemos de olhar para a Páscoa, para a vitória de Deus sobre todos os males. Quem sabe a nossa autossuficiência não nos permita olhar para a cruz como pessoas pecadoras. Esquecemos que o caminho é reconhecer nossas culpas e medos e, na graça, receber o perdão, que muda o nosso jeito de viver ou deveria mudar, o que nem sempre queremos. Muitas vezes, nos dias de hoje, pessoas perdem o ânimo, entram em depressão e buscam em qualquer milagreiro ajuda momentânea para suas culpas acumuladas. Esses falam, e muitos escrevem a respeito da fé e do amor que ajudam momentaneamente. Mas a raiz do problema continua. Pessoas com suas culpas acumuladas não encontram a cura, mas continuam, como o paralítico, satisfazendo-se com as esmolas. Pedro chama para a fé nesse que pode transformar vidas, para que, ao crer em Jesus, ele viva em nós e nossa fé seja cultivada em comunidade. Sabemos que o livro de Atos dá testemunho da vida comunitária que Pedro já experimenta. É o novo, a nova proposta! O que havia até então era o que produzia aleijados, que na porta de entrada sobreviviam com restos dos que frequentavam o templo. Em nome de Jesus queremos levantar-nos e viver uma nova relação com a outra pessoa, uma nova vida em comunidade, onde a liberdade em Cristo nos permita levantar e expressar nossa gratidão.
3.2 – Jesus restaura a vida dos excluídos!
Ficamos maravilhados, ainda hoje, ao ouvir uma história de cura. Muito mais o povo ali presente, após ver aquele paralítico, velho conhecido, agora andando e saltando. Curioso, ele vai a Pedro e João e precisa ouvir: é ação de Deus. A cura não é obra humana, mas testemunho da obra salvífica de Deus em Cristo e um convite à fé.
Hoje as pessoas continuam correndo atrás de milagres e ofertas de curas milagrosas. Isso é bom, pois cremos que Jesus tem poder. Mas, infelizmente, em nome de Jesus, muitos fazem um bom negócio para arrecadar dinheiro e iludir pessoas, que perdem o resto de esperança que ainda tinham no Deus da vida. Jesus veio para estar do lado dos fracos, para curar e ajudar os pobres, para proclamar liberdade aos cativos. Assim ele também veio para aquele homem que na frente do templo pedia esmolas, sem possibilidade de mudanças para o futuro. Deus quer restaurar a vida dos sofridos, doentes, aleijados, sem nada. O mundo insiste em fortalecer o poder da morte, levar a massa ao erro, privilegiar os ricos e promover guerras. A cura do aleijado é um testemunho de que Jesus restaura a vida dos excluídos.
O evangelho do domingo (Lc 24.36b-48) ensina-nos que Jesus nos ouve em nosso sofrimento, em nossa dor, em nossa revolta e completa desesperança. Ele caminha conosco, como caminhou com os discípulos no caminho de Emaús, lembrando os ensinamentos das Sagradas Escrituras, da lei de Moisés, dos profetas… da ação de Deus para com seu povo, como no discurso de Pedro. Jesus não se afasta quando fica escuro, nem quando pedimos: fica conosco. Jesus partilha o pão e se faz salvação se o buscamos em nossa aflição ou alegria.
4. Subsídios litúrgicos
Não podemos nos conformar, como cristãos, com um poder que produz paralíticos, paralisados, deitados à margem e excluídos da vida. Somos chamados para uma vida comunitária diaconal e crítica frente ao pecado.
Pedro diz: “Em nome de Jesus Cristo: Levanta-te e anda”. Percebo nessa palavra um convite para nós hoje como comunidade:
– Levanta-te, irmão e irmã, para a vida, para buscar em nome de Jesus o perdão, reconhecendo e confessando teus pecados, para receber a novidade de vida.
– Levanta-te e participa da comunidade, dos grupos de estudos bíblicos, para conhecer o desejo de Deus para com seus filhos e filhas.
– Levanta-te, jovem, procura estudar, cursar uma faculdade, participar das decisões do presente e para o futuro.
– Levanta-te, mulher, para participar das discussões políticas e exigir teu espaço e trabalho reconhecido.
– Levanta-te, trabalhador e trabalhadora, para exigir, junto com teus colegas, os teus direitos e salários, para que tenhas uma vida digna.
– Levanta-te e reivindica teus direitos.
Pedro e João aprenderam de Jesus a olhar com outros olhos para pessoas como o paralítico, com olhos e ações diaconais, servindo e ajudando como fruto da fé em Jesus Cristo. Havia e há ainda hoje um número gritante de pessoas excluídas, cheias de culpas, sem encontrar o caminho do perdão e da mudança de vida que Deus quer.
Como comunidade, como cristãos, podemos planejar, criar ações diaconais ou participar das ações que acontecem em nossa comunidade. Podemos olhar para os espaços da comunidade para ver se estão a serviço das pessoas. Podemos avaliar a acessibilidade em todos os lugares, começando por nossas igrejas, salões comunitários, para que nenhum idoso, criança, ninguém seja impedido de frequentar esses lugares.
Podemos mudar: confessar-se, arrepender-se e converter-se! O culto neste domingo pode enfatizar a confissão de pecados, o perdão e a mudança de vida. Hino: nº 409 do HPD II. Versículo de absolvição: 1 João 1.9.
No culto infantil aprendemos um hino: “Ouro e Prata”, que fala da cura do paralítico, que levou Pedro ao discurso, segundo o texto acima trabalhado. Sugiro envolver as crianças e ensaiá-lo. Acrescento dois versos a esse hino, composto pelo musicista Irineu Krüger.
Ouro e prata
Ouro e prata não tenho, mas o que tenho te dou: em nome de Jesus Cristo, levanta-te e anda.
Foi andando e saltando e louvando a Deus; Andando e saltando e louvando a Deus.
Em nome de Jesus Cristo, levanta-te e anda!
Pela fé no Senhor Jesus Cristo podemos montanhas mover em nós.
Em nome de Jesus Cristo, levanta-te e anda!
Esta fé no amor que nos quer salvar Devemos a nosso irmão levar.
Em nome de Jesus Cristo, levanta-te e anda!
Bibliografia
ROLOFF, Juergen. Hechos de los Apostoles. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1984.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).