A fé nos compromete!
Proclamar Libertação – Volume 43
Prédica: Atos 8.14-17
Leituras: Isaías 43.1-7 e Lucas 3.15-17, 21-22
Autoria: Leandro Luís da Silva
Data Litúrgica: 1º domingo após Epifania ( Batismo do Senhor)
Data da Pregação: 13 de janeiro de 2019
1. Introdução
Estamos na Epifania, tempo do calendário litúrgico que busca “revelar” Cristo para a humanidade. É um tempo em que muitas pessoas estão de férias em nossas comunidades. Vale a pena estudar mais a fundo o tema do batismo e, especialmente, o que ele representa para nossa vida diária. Ressalto que o texto de Atos 8 já foi estudado no PL 34, por Erni W. Seibert (p. 85-88).
O texto de Isaías 43 fala do cuidado de Deus para com os seus. Não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu (43.1), um dos versículos mais usados na liturgia de batismo, que mostra nosso sinal de pertença a esse Deus que cuida e tem cuidado de nós. Vale a pena lembrar esse texto em nossa mensagem neste dia.
O texto do evangelho, que encontramos em Lucas 3.15-17,21-22, fala de João Batista. Esse afirma que ele não é o Cristo, o contrário da ideia de algumas pessoas. João batizava para arrependimento e, segundo João, Jesus batizaria “com” ou “em” o Espírito Santo. O próprio Cristo foi batizado por João (v. 21s). Aqui encontramos uma linda expressão de teofania, em que o próprio Deus fala do amor e da grande alegria que tem pelo seu Filho Jesus. O v. 22 está em harmonia com Isaías 42.1: Eis aqui o meu servo, a quem sustenho; o meu escolhido, em quem a minha alma se compraz; pus sobre ele o meu Espírito, e ele promulgará o direito para os gentios (cf. Nota de rodapé da Bíblia Sagrada com reflexões de Lutero).
2. Exegese
Lucas é um evangelista muito preocupado com detalhes em seus escritos. No início do evangelho ele informa a Teófilo o que escrevera no seu evangelho. No comentário que encontramos na Bíblia com reflexões de Lutero, temos o seguinte conselho: “Não devemos ler ou encarar o texto como se Lucas tivesse escrito exclusivamente a história ou obras pessoais próprias dos apóstolos. São Lucas ensina a toda a cristandade, até os confins do mundo, o verdadeiro ponto principal da doutrina cristã, ou seja, como todos temos que nos tornar justos exclusivamente pela fé em Cristo, sem qualquer contribuição da lei ou das nossas obras”. Tendo isso em mente, podemos averiguar que o livro de Atos está dentro do propósito do chamamento da missão, como vimos em Atos 1.8. Os apóstolos (enviados) estão indo por toda a parte pregando o evangelho de Jesus Cristo.
Olhando para o contexto maior, assim como já escreveu o colega no PL 34, vemos que o evangelho está se propagando por intermédio dos apóstolos e também de Filipe, chegando assim até a Samaria. A missão vai se tornando cada vez maior e mais impressionante a ponto de chamar atenção de muitas pessoas, inclusive de Simão, conhecido na região como “mágico”.
A perícope estende-se do versículo 4 ao versículo 25. Nesse contexto, temos no capítulo 7 a morte do primeiro mártir, Estevão, com a concordância de Saulo (8.1), revelando que a pregação do evangelho estava suscitando perseguições.
Nesse mesmo tempo, Filipe está pregando em Samaria, a região central da terra santa. A cidade não é aqui citada pelo nome. Algumas das cidades da região poderiam ser candidatas, como Sebaste, Sicar e Siquém. Jesus já havia pregado nessa região, conforme João 4, e já era conhecido por algumas pessoas. Samaritanos eram um povo “cuja herança judaica havia sido corrompida por meio de casamentos e cuja observância ao judaísmo era considerada como deturpada. Eles descendiam de israelitas deixados para trás na destruição de Samaria em 722 a.C. Importante saber que eles adoravam em outro monte, o Gerazim, e não tinham Jerusalém como lugar próprio para a adoração. A maioria dos judeus considerava o povo samaritano como fora dos limites do povo da aliança e o evitava (Lucas 9.52-53). Ou seja, havia uma dura hostilidade entre esses povos” (conforme a Bíblia de Estudo da Reforma, p. 1.517). O fato de serem colocados em segundo plano pelos irmãos judeus talvez – e isso é uma suspeita – mostre a grande alegria dos samaritanos em receber o evangelho por meio da pregação de Filipe.
Com a morte de Estevão, muitos cristãos foram dispersos. Os apóstolos, porém, permaneceram em Jerusalém, pois Saulo ainda estava invadindo casas de pessoas cristãs. Os que foram dispersos saíram por toda a parte pregando e testemunhando o evangelho de Jesus Cristo. Se, por um lado, temos a perseguição por Saulo à igreja em Jerusalém, por outro lado, temos a expansão do evangelho por boca e entusiasmo dos refugiados na Judeia e Samaria.
Filipe, um dos que fugiram das perseguições em Jerusalém, desce (Jerusalém que fica a 760 metros de altitude) para a cidade da Samaria (At 8.5). Não deveríamos entender isso como alusão à velha cidade de Samaria, por muitas vezes destruída, reconstruída e ampliada. Ela havia sido presenteada por César Augusto a Herodes, que a chamou de Sebaste em honra ao imperador. “Sebaste” era uma cidade predominantemente gentílica. Outra cidade possível é Siquém. Ali haviam muitos samaritanos com uma comunidade instituída e separada de Jerusalém. Filipe encontrava ali um solo muito fértil para sua pregação a respeito do “Messias”, pois também os samaritanos o esperavam (Boor, 2002, p. 126).
Em Atos 8.6-8, percebemos que Filipe atraia multidões com sua mensagem. As pessoas estavam admiradas pela sua mensagem a respeito do Messias e do reino de Deus, pelos sinais que ele fazia (At 8.12). Muitas pessoas acolhem essa mensagem e respondem com muita alegria. O povo samaritano também sofria a influência de outras forças místicas, cujo representante vemos na pessoa chamada de Simão (At 8.9-11). Ele se considerava poderoso e detentor de uma posição especial na sociedade, pois “todos lhe davam ouvidos”, dizendo que esse era homem de “o Grande Poder”. Ele mesmo afirmava isso sobre sua pessoa. Os samaritanos acabavam aderindo a ele por causa de suas mágicas.
A pregação do evangelho sempre encontrará resistências e aqui não foi diferente. Neste contexto, o evangelho simples encontra a barreira da superstição e das manifestações de poder de pessoas que se sentem empoderadas, como é o caso de Simão. Lucas descreve a primeira controvérsia com essa religiosidade carregada de ocultismo. No v. 12 diz que as pessoas deram crédito às palavras de Filipe a respeito do reino de Deus e estavam sendo batizadas, tanto homens como mulheres. Com essa firme adesão do povo, o próprio Simão busca abraçar a fé dos cristãos. Sendo ele também batizado, seguia Filipe de perto, observando-o em tudo e ficando cada vez mais admirado (v. 13).
A mensagem de Filipe tem um pressuposto que é a conversão e o arrependimento. Suspeitamos se essa foi a real intenção dos samaritanos e, especialmente, de Simão. Parece que aqui os sinais se tornam mais importantes do que a mensagem, quando se percebe a intenção de Simão de ver no evangelho um poder mais poderoso que o seu. Nesse caso, seria Filipe o mestre mais poderoso (cf. Boor, 2002, p. 129).
Assim, chegamos ao nosso texto nos versículos 14 a 17. Faz-se necessária esta explanação para nos ajudar a compreender o texto, que merece um estudo muito mais aprofundado. Os apóstolos ouviram o que estava acontecendo na Samaria e enviaram Pedro e João, testemunhas oculares de Jesus e de seus feitos. Eram pessoas com autoridade dada pelo próprio Cristo para serem mensageiros. Pedro e João percebem lacunas na aceitação do evangelho pelos samaritanos: faltava-lhes “o Espírito Santo”. Aqui precisamos ter o cuidado para não creditar evidências sobrenaturais para atestar nossa filiação a Deus. O amor transbordante é a maior evidência da ação de Deus em nossas vidas e isso não parece acontecer, especialmente com Simão no juízo do apóstolo Pedro (v. 21,23). A Samaria já estava agitada demais e, apesar disso, ainda faltava algo. A transformação acontece por meio da oração e da imposição de mãos dos apóstolos. Logo se evidenciam as reais intenções de Simão e toda a deficiência de sua “conversão”. Como pessoas batizadas, precisamos buscar todos os dias viver nosso batismo em novidade de vida.
O acontecimento descrito nesses versículos marcou a união de duas heranças, a judaica e a samaritana, por meio da proclamação do evangelho por Filipe e pela intercessão dos apóstolos. “O batismo é único que transmite os dons da fé em Cristo e da salvação eterna, os quais são concedidos pelo Espírito por meio da água e da Palavra” (cf. Bíblia de Estudos da Reforma, p. 1.826).
3. Meditação
Uma tentação seria tratar este texto sobre as questões do Espírito Santo e de suas manifestações e dons de maneira dogmática. Prefiro usar o texto dentro do seu contexto para descrever nossa unidade no corpo de Cristo por meio da ação de Deus em nosso batismo. Como pessoas batizadas, somos chamadas a viver de acordo com nosso batismo; a testemunhar a fé de maneira integral, transmitindo com alegria os feitos de Deus sobre nós e em nós.
Por isso, num primeiro momento, poderíamos olhar o texto com o enfoque da missão por meio da dispersão. As pessoas que foram dispersas de Jerusalém deram um testemunho vivo da ação de Deus em suas vidas e de como ele as protegia, mesmo sob perseguições.
Num segundo momento, poderíamos trazer à tona a alegria expressa pelos samaritanos ao receberem a palavra de Deus. Como é importante receber as reações das comunidades que estão se formando e das suas alegrias em meio às adversidades!
Por último, poderíamos trabalhar a questão do constante cuidado que precisamos ter com as pessoas neófitas. Instrução e acompanhamento são tarefas constantes para o crescimento, como o que acontece quando Pedro e João se encontram com os samaritanos, ajudando-os a compreender o evangelho e suas transformações de vida. O texto aponta para um perigo importante que se deve evitar: compreender o evangelho como uma forma de adquirir poder e prestígio, em vez de instrumentalizar as pessoas para o comprometimento e a ação diaconal.
Na IECLB, batizamos majoritariamente crianças recém-nascidas. Por isso é nossa obrigação acompanhar e auxiliar pais e mães, padrinhos e madrinhas na construção da fé dos pequeninos. É tarefa também de nossas comunidades proporcionar os meios para que as famílias tenham acesso a tudo que possa ajudar as crianças nesse crescimento. Creio que esses são nossos maiores desafios hoje. Somos inseridos na família de fé e isso nos compromete. Como podemos abordar esse tema em nossas mensagens neste 1º Domingo após Epifania?
4. Imagens para a prédica
Penso que seria muito bom para nossos membros relembrar a importância do seu batismo e, principalmente, o compromisso de vida que dele provém. Por isso sugiro que logo após a mensagem se faça um momento de rememoração do batismo. Assim, a comunidade toda poderia estar inserida na imagem e assumindo novamente um compromisso com Deus e com sua comunidade.
5. Subsídios litúrgicos
Temos boas opções litúrgicas de rememoração do batismo no Livro de batismo, editado em 2008. Aqui coloco uma opção da colega Sissi Georg (2001), editada por colegas.
Rito de rememoração do batismo
Celebramos a afirmação de nosso batismo. Não realizamos um novo batismo, pois este é realizado uma só vez em nome do Trino Deus. Porém, muitas vezes nos desviamos ou nos esquecemos do compromisso com nosso batismo. Ao estudar e perceber a importância que o batismo tem para nossa caminhada de fé, torna-se importante e necessário rememorar esse momento marcante de nossas vidas. Por isso queremos agora prosseguir com a liturgia da afirmação do nosso batismo.
Hino: LC – 314: Fui em teu nome batizado (durante o canto, o círio pascal é levado até a pia batismal).
Leitura do Salmo 150 (pode ser lido em jogral pela equipe de liturgia).
Oração das águas: (Da pia batismal)
L.: Senhor Deus, que és como um pai e uma mãe para todos e todas nós: damos-te graças porque, no princípio do mundo, teu Espírito se movia sobre as águas. Criaste os céus e a terra e povoaste as águas com animais. Também condenaste a corrupção e a maldade através das águas do dilúvio, salvando, porém, a Noé e a todas as espécies da tua criação. Nas águas do mar Vermelho afogaste um opressor, conduzindo teu povo a pé enxuto, livre da escravidão. Nas águas do rio Jordão fizeste acontecer o batismo de teu filho Jesus Cristo por intermédio de João. Também pelas águas do teu amor somos unidos à vida em ti através da dádiva do batismo que a nós concedeste. Nosso pedido é que também hoje a água possa ser sinal do renascer da vida em cada um de nós. Por Jesus Cristo, amém.
Compromisso da reafirmação do batismo.
L.: Pergunto a vocês: vocês prometem lutar contra todas as formas através das quais o mal e a morte se apresentam, unindo-se num só corpo para promoverem vida em abundância para todas as pessoas e comprometendo-se no testemunho e na ação do evangelho de Jesus Cristo? Se for essa a firme vontade de vocês, respondam “sim, com a ajuda de Deus”.
C.: Sim, com a ajuda de Deus.
Credo Apostólico.
Hino: LC – 312: Nos braços de Deus.
A comunidade vai até a fonte ou pia batismal e faz o sinal da cruz com a água na testa. Somos batizados e batizadas em nome do trino Deus. Rememoramos nosso batismo como sinal de pertença e do cuidado de Deus. Somos filhos e filhas inseridos no corpo de Cristo. O batismo nos afirma que somos de Deus.
Oração e bênção:
L.: Bondoso Deus. Faze com que possamos professar, junto de Martim Lutero, nos momentos mais difíceis da vida, a frase “sou uma pessoa batizada”. Renova e aceita nossa vontade e comprometimento em te servir com nossa vida. Por Jesus Cristo, amém.
Bibliografia
BÍBLIA DE ESTUDOS DA REFORMA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017.
BOOR, Werner de. Atos dos Apóstolos. Curitiba: Esperança, 2002.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).