Proclamar Libertação – Volume 45
Prédica: Hebreus 4.12-16
Leituras: Amós 5.6-7,10-15 e Marcos 10.17-31
Autoria: Ramona Weisheimer
Data Litúrgica: 20° Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 10/10/2021
Com essa delimitação e com esses textos de leitura, Hebreus 4.12-16 ainda não foi proposto em Proclamar Libertação como texto de pregação. Porém Hebreus 4.9-16 foi trabalhado por Heinz Ehlert (PL IXX) e Gottfried Brakemeier (PL 31); e Hebreus 4.14-16; 5.7-9, por Kurt Riek (PL 43), Sílvia B. Genz (PL 24) e Ana Isa dos Reis (PL 34). Há ainda outros estudos que abrangem parte desses versículos: Hebreus 4.12-13, por Günter Adolf Wolff (PL XI) e Hebreus 4.14-16, por Augusto Kunert (PL XI).
Amós 5.6-7,10-15 é uma dura palavra de juízo: voltem para Deus, parem de fazer o mal e praticar a injustiça, não respeitar os direitos dos pobres, odiar a verdade, aceitar suborno e impostos escorchantes. Parem de fazer o mal e voltem para Deus. Então será verdade o que vocês dizem: que o Deus todo-poderoso está com vocês! Talvez Deus tenha compaixão dos que escaparem da destruição.
Marcos 10.17-31 afirma que não é suficiente cumprir os mandamentos. Mas é preciso seguir o Senhor com todo o ser. Jesus constata que é difícil entrar um rico no reino dos Céus e que muitos dos que são agora os primeiros serão os últimos.
Sobre a Carta aos Hebreus, a Bíblia de Jerusalém diz: “Sua linguagem e seus pensamentos (são) provenientes da cultura alexandrina (filoniana), sua apologética de belo vigor oratório, sua argumentação, enfim, fundada inteiramente sobre a interpretação do Antigo Testamento” (p. 2117).
Eduard Lohse observa que Hebreus não começa com um estilo de carta (autor, destinatário, saudação). Mas não se pode dizer que o início se tenha extraviado, porque a introdução é muito bem elaborada, não só em termos de estilo, mas já apresentando todo o programa da carta: como Deus falou anteriormente com os seus, por meio dos profetas e de outras maneiras, e como agora, “nestes últimos tempos”, agiu e falou por meio de seu Filho, sua glória e tudo o que o Salvador fez por nós (1.1-4). “O autor não escreve um tratado ou um ensaio teológico, mas dirige-se a uma comunidade específica, cujos problemas conhece e a qual quer ajudar, exortando e ensinando” (LOHSE, 1985, p. 212).
A Carta aos Hebreus mescla, muitas vezes, um trecho doutrinário com uma parênese ou exortação. Como numa prédica, traz a teoria e depois se dirige à pessoa que lê ou ouve com uma exortação.
A carta cita textos do Antigo Testamento (Sl 8; 95; 110; Jr 31) e depois segue com uma exortação. Sua grande questão é mostrar o que Cristo fez por nós. Assim, ela menciona os anjos, a antiga aliança, os sacrifícios dos sacerdotes, para dizer que o que Cristo agora fez é melhor e definitivo. Por isso, afirma o autor, não abandonem o que agora receberam.
Sobre os destinatários, vale lembrar que o nome Hebreus foi acrescentado mais tarde à carta. De qualquer forma, os destinatários não são pessoas cristãs de primeira geração, pois ouviram/foram ensinadas de outros (2.3), passaram por perseguição logo após sua conversão (10.32), ajudaram outros em necessidade (6.10). Poderiam ser judaico-cristãos, porque conhecem a lei, o culto. Mas também isso tem sido posto em questão. A Bíblia de Jerusalém, porém, dá a entender que os destinatários seriam judeus “não apenas muito versados na antiga Aliança, mas também convertidos do judaísmo. Sua insistência no culto e na liturgia faz pensar até em sacerdotes (cf. At 6.7)”. Exilados por causa de sua fé, saudosos do culto levítico, confusos com as perseguições e tentados a voltar atrás. A carta se destinava, então, a impedi-los de tal apostasia (10.19-39).
Lohse, ao contrário, constata que a carta é escrita num grego muito bem elaborado, citando textos da Septuaginta – não de cor como Paulo às vezes faz. Cita o culto a partir das Escrituras, mas não demonstra uma vivência em Jerusalém. Assim, o mais provável é que fossem gentios cristãos, pois deixaram uma vida “sem sentido”, receberam ensinamento sobre arrepender-se de obras mortas e crer em Deus (6.1). A carta, que já era conhecida por I Clemente no final do primeiro século, pode ter sido escrita entre 80-90 d.C.
De qualquer forma, deve tratar-se de uma comunidade que está numa situação de perseguição e abandono da fé, ou pelo menos resfriamento: não façam como alguns estão fazendo, de deixar de participar das reuniões (10.25); a fé é a certeza de que existem coisas que não se pode ver (11.1). Mas uma coisa é forte: conforme Lohse, diferentemente de Paulo, o autor diz que não tem segunda chance. Lutero percebeu bem esse contraste, razão pela qual teceu críticas a essa carta.
Conforme a Bíblia de Jerusalém, a carta responde ao desânimo, oferecendo magníficas perspectivas da vida cristã, apresentada como uma peregrinação rumo ao descanso na pátria celestial, conduzidos por Cristo, guia muito melhor que Moisés (3.1-6). Jesus é sumo sacerdote da ordem de Melquisedeque, superior a Arão (4.14 – 5.10; 7); Jesus oferece sacrifício melhor e mais eficaz que as oferendas do AT (8.1 – 10.18). A prova da dignidade soberana é que esse guia e sacerdote, Jesus Cristo, é o Filho de Deus encarnado, rei do universo, superior até mesmo aos anjos (2 e 3).
“Faz o apelo para aproveitar a possibilidade alcançada pela morte de Cristo e ofertada no batismo, e ingressar em obediência e fé no santuário aberto por Cristo, a fim de receber misericórdia e graça (4.16; 10.19)” (LOHSE, 1985, p. 213).
Em resumo, o autor afirma a seus leitores: vocês receberam, pelo batismo, aquilo que Cristo conquistou. A salvação alcançada por Cristo superior à antiga aliança. Cristo é sacerdote da ordem de Melquisedeque, sumo sacerdote e sacrifício ao mesmo tempo, e esse sacrifício, de uma vez por todas, nos dá a salvação. Por isso permaneçam firmes e não lancem fora a graça recebida.
Comparamos cinco versões, quais sejam, a Bíblia na Linguagem de Hoje (LH), Bíblia de Jerusalém (BJ); Almeida Revista e Corrigida (ARC), Almeida Revista e Atualizada (ARA – Bíblia de Lutero) e a Nova Versão Internacional (NVI – Bíblia de Estudo). Apenas a LH destoa a tradução, mas sem comprometer muito a interpretação (v. 12, a palavra de Deus […] vai até o lugar mais fundo do espírito, vai até o íntimo, enquanto as demais versões trazem penetra até dividir alma e espírito, junturas e medulas. Mas nesse versículo a ARC e ARA trazem: é apta para discernir os pensamentos, enquanto as demais trazem: julga as disposições e as intenções do coração. E no v. 16, LH traz cheguemos perto do trono divino, onde está a graça de Deus, enquanto as demais traduzem como trono da graça. Há outras diferenças, mas muito pequenas.
I. Preparação do tema central: teses fundamentais: 1.1 – 6.20
1. O Cristo preexistente e encarnado é promovido a Filho de Deus: 1.1-14
2. Exortação a escutar a palavra: 2.1-4
3. O Cristo humilhado e morto é promovido a sacerdote celestial: 2.5-18
4. Exortação à fidelidade: 3.1-6
5. Midraxe sobre o Salmo 95: o povo peregrino e a promessa do descanso: 3.7 – 4.13
6. Exortação à confissão de culpa: 4.14-16
7. O Filho de Deus como sumo sacerdote: 5.1-10
8. Ponte para a parte principal: exortação aos ouvintes e as características
da palavra a ser proferida: 5.11 – 6.20
II. O tema principal: o sacerdócio do Filho: 7.1 – 10.18
1. A dignidade do sacerdócio de Cristo: 7.1-28
2. O ministério do sacerdote: 8.1 – 10.18
– Explicação breve: 8.1-13
– Explicação mais longa: 9.1 – 10.18
– O sacerdócio antigo é prefiguração do novo: 9.1-10
– O sacrifício sacerdotal de Cristo: 9.11-15
– A necessidade do sacrifício de Cristo: 9.16-28
– A validade eterna do sacrifício de Cristo: 9.16-28
III. Consequências para a fé: 10.19 – 13.17
1. Exortação a guardar firme a confissão de fé: 10.19-39
2. As características da fé: 11.1-39
3. A luta da fé em meio à provação: 12.1-29
4. Parênese: 13.18-25
IV. Recomendações finais: 13.18-25
(ROTEIRO, 1996, p. 92-93)
V. 12-13 – Esses versículos dão continuidade a uma citação do Salmo 95. Diz o Salmo: Hoje, se ouvires a sua voz, não endureçais o coração, como em Meribá, como no dia de Massá, no deserto, quando seus pais me tentaram, pondo-me à prova, não obstante terem visto as minhas obras […] por isso jurei na minha ira: não entrarão no meu descanso. Esse trecho é referido em Hebreus 4.7b-9,11. Por causa da desobediência, aqueles a quem haviam sido anunciadas as boas novas não entraram no descanso. Por isso ainda resta um repouso para o povo de Deus (v. 9). A promessa de descanso permanece, e importa que ninguém caia naquele exemplo de desobediência. Parece que essa lembrança se encaixa no início da perícope, quando o autor escreve que a Palavra de Deus é viva, e eficaz e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes. Ela penetra no mais íntimo do ser, daquilo que se julga indivisível, e perscruta, discerne, julga os pensamentos, as vontades do coração. E não há nada, nem ninguém, que se possa esconder, porém, aos olhos daquele a quem teremos de prestar contas tudo está descoberto e patente.
V. 14-16 – Temos Jesus, o Filho de Deus, como o Grande Sumo Sacerdote! E ele entrou não apenas no Santo dos Santos, como o sumo sacerdote araônico, mas entrou nos céus. Por isso permaneçam firmes na fé que receberam. E esse sumo sacerdote pode se apiedar das nossas fraquezas e mazelas, pois ele também foi tentado, como nós. Ele, porém, não caiu na tentação, não pecou. Então, porque temos esse sumo sacerdote, que tem compaixão, podemos com toda confiança nos achegar ao trono da graça, buscar ali misericórdia e socorro, e não temer o julgamento.
“O que Cristo fez por nós, conforme a Carta aos Hebreus? Veja e confira a resposta em 2.15; 4.15; 5.9; 9.14; 9.26” (MEINCKE, 1983, p. 23).
Encontrei, por acaso, o livro de Silvio Meincke, “Na plenitude dos tempos”, espremido na prateleira. Sobre Hebreus só havia duas perguntas e o convite para buscar a resposta no texto bíblico. Para a segunda pergunta, “O que é fé?”, o livro indica Hebreus 11.1. Para a primeira pergunta, uma das respostas possíveis é 4.15, que faz parte de nossa meditação: Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se de nossas fraquezas; antes, foi ele tendo em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado. O texto bíblico faz referência a Jesus, que se tornou autor da Salvação ao dar-se em sacrifício definitivo por nós. Mas aqui também é dito que ele conheceu nossas dificuldades, pois também as sentiu. Por isso tem compaixão de nós. E assim nos dá a confiança de que necessitamos para nos achegar ao trono de Deus, para não temer o julgamento, para saber que ali há socorro na hora da necessidade. Como diz Lutero:
Vê-se quão grande e excelente coisa é o Batismo, que nos arranca da garganta do diabo, nos torna propriedade de Deus, subjuga e tira o pecado e depois fortalece diariamente o novo homem, e sempre opera e permanece, até que desta miséria passemos à glória eterna (OSel 7,430, cf. Bíblia de Lutero, p. 1.165).
Nosso texto vem logo após a citação e comentário do Salmo 95: eu lhes teria dado descanso. Deus tirou israelitas do Egito, onde eram escravos, guiou–os nos perigos, alimentou-os, protegeu-os, mas quando lhes faltou algo, eles quiseram colocá-lo à prova e o abandonaram. E eu lhes teria dado descanso. Porque eles abandonaram Deus, é feita nova e mais perfeita aliança. Descanso, aqui, não é o copo de água ou o sofá no fim do dia, mas o fim do sofrimento, o poder aproveitar o que se recebeu, dádiva. E o povo desdenhou disso. Não façam vocês o mesmo! Se hoje ouvirem a Palavra, guardem-na, permaneçam firmes nela, mesmo que haja dificuldades. A Palavra, a boa-nova que vocês receberam, é viva e eficaz. Ela salva, mas também julga. Nada pode se esconder daquele a quem teremos que prestar contas. Aqueles que eram guiados por Moisés, depois por Josué, cederam às crises, abandonaram a fé e acabaram perdendo a promessa. Não façam vocês o mesmo. Agora vocês são os depositários dessa promessa de descanso, o reino de Deus. Não abandonem a fé.
Além disso, temos Jesus, Filho de Deus, como sumo sacerdote! O sumo sacerdote era o mediador por excelência. Sua função, intransferível, era entrar anualmente no Santo dos Santos, no Dia da Expiação (Lv 16), e oferecer sacrifício pelos pecados do povo e também pelos seus. Jesus, porém, é apresentado como o sumo sacerdote inigualável, que, sacrificando-se a si mesmo, restabelece o acesso a Deus. Jesus, a um só tempo, é sacerdote e sacrifício, e sacrifício suficiente, de uma vez por todas. E aqui ele é apresentado como sacerdote compassivo, solidário com o ser humano, que conhece suas dores e angústias, que também foi tentado, mas não pecou. Ele é representante de Deus que penetrou os céus, e com seu auxílio podemos tranquilamente submeter-nos ao juízo de Deus. A descrição de Jesus tão próximo é bem diferente daquela de Êxodo 19.12-13, onde qualquer que se chegasse ao monte Sinai, fosse homem, mulher ou animal, seria morto.
Então, o texto convida para permanecer firme na Palavra, na fé recebida, mesmo diante das dificuldades (até porque não dá para enganar Deus) e dá a certeza de que temos um sumo sacerdote que não apenas não precisa entrar todo ano no Santo dos Santos, mas entrou no próprio céu. Ele é Filho de Deus, nos conhece e se apieda de nós, e nos dá confiança para nos achegar a Deus. Então, fiquem firmes.
Pensando na prédica, poderiam ser citadas as dificuldades e crises que abalam nossa confiança, que nos levam a duvidar, a buscar orientação para a nossa vida em outro lugar e não em Deus, que nos levam a desprezar o batismo e esquecer o que Deus fez por nós.
Recebi uma mensagem há algum tempo que dizia mais ou menos assim: Diante de uma grande enchente, um fiel perguntou a um rabino: “Por que Deus fez isto?”. O rabino respondeu: “As enchentes e furacões são catástrofes naturais. O que Deus fez foi você, para ajudar aqueles que precisam”.
Do “Livro de Culto”, Seção VII, sugerimos a bênção de número 11 (VII.326).
Sugiro alguns hinos que ajudam a enfatizar o que Cristo fez por nós e nos levam a permanecer firmes na fé apesar das dificuldades: LCI 25 – Quando o povo se reúne; LCI 51 – Cristo acolhe o pecador; LCI 84 – Te agradeço; LCI 568 – Nem só Palavra é amor; LCI 170 – Meu irmão, tu precisas; LCI 263 – Paz, paz de Cristo.
LOHSE, Eduard. Introdução ao Novo Testamento. 4. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1985.
MEINCKE, Sílvio. Na plenitude dos tempos. São Leopoldo: Sinodal, 1983.
ROTEIRO PARA A LEITURA DA BÍBLIA. São Leopoldo: Sinodal, 1996.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).