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Viva o que a Bíblia ensina

 

Proclamar Libertação – Volume 47
Prédica
: 2 Pedro 1.16-21
Leituras: Êxodo 24.12-18 e Mateus 17.1-9
Autoria: Erní Walter Seibert
Data Litúrgica: Último Domingo após Epifania
Data da Pregação: 19/02/2023

 

1. Introdução

Este Último Domingo após Epifania encerra um dos períodos do Ano Eclesiástico mais voltado à evangelização. Epifania significa manifestação. Nesse período, a igreja se dedica a meditar e a mostrar como Jesus se manifestou Salvador de todos. Na quarta-feira depois deste domingo, começa o período da Quaresma. O foco de atenção da igreja se move para meditar sobre os acontecimentos que levaram para a paixão e a morte de Jesus Cristo. Este, portanto, é um domingo de transição.

No Brasil, este domingo fica bem antes dos feriados de Carnaval. O domingo fica em meio a um feriadão. Muitos cristãos aproveitam a oportunidade para descansar e fazer algum passeio. Mas também há muitas igrejas e organizações cristãs que aproveitam os dias de feriado para fazer um retiro, quando vão se dedicar de forma especial ao estudo da palavra de Deus. A existência do Último Domingo após Epifania, no entanto, nem é tão lembrada. Além disso, muitos não compreendem bem o sentido da celebração da transfiguração. Não é tão comum nas igrejas de nosso país dar uma ênfase especial à glória de Deus e falar de sua importância. Na tradição ortodoxa oriental, essa é uma das grandes celebrações. No entanto, é possível fazer uma ligação entre alguns dias de retiro com a manifestação da glória de Deus que tanto os textos do evangelho, do Antigo Testamento e da epístola mencionam. Deus se manifestou de forma especial a Moisés, durante muitos dias, no deserto. Jesus se manifestou de forma especial, também num monte, a Pedro e mais dois discípulos. E, como o texto em destaque neste estudo mostra, Deus continua se manifestando em nossa vida e na sua Palavra de forma muito especial.

 

2. Exegese

A autoria dessa carta é atribuída a Pedro. Quase não há divergência sobre isso. Também é aceito que a carta foi escrita pouco tempo antes do martírio de Pedro, em Roma, em algum momento entre os anos 64 e 67 da era cristã. Pelo texto da carta, não é possível identificar definitivamente a quem ela estava inicialmente dirigida. Mas o propósito da carta é claro: o apóstolo Pedro quer exortar os cristãos, leitores de sua carta, a que, a partir do recebimento da graça de Deus, se dediquem a viver a vida cristã. Isso fica claro de maneira notável no bonito texto de 2 Pedro 1.5-8: Por causa disso, concentrando todos os seus esforços, acrescentem à fé que vocês têm a virtude; à virtude, o conhecimento; ao conhecimento, o domínio próprio; ao domínio próprio, a perseverança; à perseverança, a piedade; à piedade, a fraternidade; à fraternidade, o amor. Porque essas qualidades, estando presentes e aumentando cada vez mais, farão com que vocês não sejam nem inativos, nem infrutíferos no pleno conhecimento do nosso Senhor Jesus Cristo.

Vamos agora examinar o texto que queremos enfocar neste domingo. O apóstolo Pedro começa o texto explicando a fonte de seu ensino. Ele primeiro diz qual não é sua fonte. Ele não ensinou baseado em fábulas engenhosamente inventadas. O texto grego utiliza palavras que são usadas na língua portuguesa. As “fábulas”, em grego, eram mitos. “Engenhosamente inventadas” eram sofismas. Aí há uma questão muito discutida nos dias de hoje. Com o relativismo instaurado em nossa sociedade, as pessoas estão acostumadas a ouvir sobre “narrativas” e “opiniões”, em contraste com “verdade absoluta”. O nosso mundo foi definido como o mundo da pós-verdade. Isso significa que verdade não é algo muito aceito. As pessoas reconhecem muitas interpretações. O apóstolo Pedro afirma que ele não ensinou baseado em fábulas engenhosamente inventadas. Ou seja, ele afirma que não fez “narrativas” ou seguiu “mitos” ou “sofismas”.

Mas, se o apóstolo Pedro não ensinou baseado em fábulas engenhosamente inventadas, qual era a sua base para ensinar? E a resposta tem dois aspectos. A primeira fonte do ensino de Pedro foi uma experiência da qual ele foi testemunha ocular: a transfiguração de Jesus. Ele diz: nós mesmos fomos testemunhas oculares da sua majestade. Pedro se refere com detalhes à experiência que ele teve no monte, com Jesus. Não foi uma experiência só dele. Estavam com Pedro mais dois discípulos – Tiago e João. Além disso, estavam lá Jesus Cristo, e todos viram Moisés e Elias. Ou seja, não foi uma experiência apenas pessoal. Foi uma experiência coletiva. A importância do acontecimento foi tão grande, que ele está descrito nos três evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas). Em outras palavras, o ensino de Pedro também não é nem algo imaginário, nem algo apenas teórico. É algo baseado em sua experiência de vida. A experiência de vida não é algo definitivo. Alguém pode se enganar a partir de sua experiência. Mas a experiência da transfiguração de Jesus, com toda a sua grandiosidade, está cercada de detalhes que, segundo Pedro, não podem deixar dúvidas quanto à sua veracidade. Ele coloca ali um dos alicerces de seu ensinamento.

O segundo ponto sobre o qual o apóstolo Pedro firma seu ensino é o ensino da Escritura. Ele não diz que primeiro vem um e depois vem outro. Mas ele coloca o ensino da Escritura como comprovação da experiência. A experiência pode vir antes ou depois do ensino da Escritura. Mas o ensino da Escritura sempre vai confirmar a experiência. Se a experiência não for confirmada pelo ensino da Escritura, haverá um problema. Em 1 Pedro 1.20-21, o apóstolo Pedro diz: […] saibam que nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação pessoal; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo.

Em outras palavras, Pedro argumenta com seus ouvintes da seguinte maneira: O que eu ensinei para vocês, eu pessoalmente vi. Sou testemunha ocular. Além disso, o que eu ensinei para vocês está nas Escrituras.

Certamente, como pano de fundo do texto de Pedro, estão os acontecimentos narrados em Êxodo 24. Moisés e os anciãos do povo de Israel também haviam subido ao monte. Lá Moisés havia recebido as tábuas da Lei das mãos de Deus. De certa forma, Moisés foi transfigurado. Além disso, pelo fato de também Elias ser mencionado na cena da transfiguração, sua subida maravilhosa ao céu fica como pano de fundo. Aquilo que Pedro vivenciou estava descrito nos textos do Antigo Testamento. O ensino da graça de Deus estava no Antigo Testamento. Agora, baseado nas Escrituras e na sua própria experiência, Pedro ensina os membros da igreja. Não podia haver dúvida sobre esse ensinamento.

Quando vemos a dinâmica da argumentação do apóstolo Pedro, ficamos pensando na realidade de nossos dias. Será que as pessoas aceitam uma argumentação dessa natureza? Esse, sem dúvidas, será um ponto a ser falado na pregação. Apesar de todas as discussões sobre o que é verdade e sobre a questão das narrativas, em que as pessoas fundamentam seu comportamento? A experiência pessoal e o ensino ainda exercem algum valor importante para a tomada de decisões e para nortear a vida? Será que a argumentação do apóstolo Pedro está dentro ou fora da realidade atual? Será que existe verdade?

 

3. Meditação

Uma das grandes discussões de nossa sociedade é sobre a existência da verdade. Verdade é um valor precioso. Mas as pessoas colocam as verdades apresentadas em dúvida. Quando alguém diz que alguma coisa está na Bíblia e, por isso, é verdade, a resposta rápida que surge é que o papel aceita tudo. Se alguém diz que teve uma experiência com Deus, a resposta rápida é que a experiência de um não vale para o outro. Em nosso tempo se diz que cada um deve procurar a sua verdade.

Os argumentos das pessoas sobre a ausência de verdades absolutas têm eco no raciocínio e na experiência das pessoas. Se isso é assim na sabedoria popular, não é muito diferente nas altas esferas da academia. As teorias criadas nos últimos séculos sobre hermenêutica e sua aplicação na exegese fazem eco à sabedoria popular. Escolas de pensamento, como a de Frankfurt, criaram uma instabilidade nas convicções em muitas áreas do conhecimento. É mais fácil falar sobre as dúvidas do que sobre os fundamentos.

Qual será, então, a tarefa de um pregador ou pregadora ao se preparar para fazer uma prédica? Como ele/ela irá ensinar? Qual a base de sua pregação? Aí o texto bíblico nos pode ajudar muito.

A primeira coisa que o texto bíblico fala é da experiência humana. Pedro viveu a experiência da transfiguração de Jesus. Ele não a imaginou. Ele esteve no monte com Tiago e João. Ele viu Jesus. Ele viu Moisés e Elias. Ele viu o Salvador transfigurado. Ele ouviu a voz que dizia: Este é o meu Filho amado em quem me agrado. Podemos até interpretar a experiência de maneiras diferentes, mas não podemos negar a experiência.

Em nossa vida de fé, temos diferentes experiências. Nas nossas memórias certamente estão alguns momentos marcantes. Podem ser experiências de confirmação da fé ou experiências de dúvida. Mas as experiências que tivemos mexem conosco. Podemos lembrar experiências de cerimônias religiosas. Cerimônias como a do batismo, da confirmação, do casamento, do sepultamento, são algumas que marcam definitivamente a vida das pessoas. A marca da experiência nem sempre é igual. Mas ela sempre é marcante. Quantos de nós já percebemos, em algumas situações, com muita clareza, a mão de Deus? Pode ser que outros não viram nada, mas para nós a experiência foi marcante.

Esse é o problema da experiência. Ela é percebida de forma diferente pelas pessoas. É por isso que o apóstolo Pedro coloca como ponto de referência e validação para a experiência as Escrituras. Para os cristãos, esse sempre foi um caminho. A experiência é validada pelo ensino das Escrituras. Se as Escrituras não validam a experiência, vale a pena reexaminar a experiência.

Alguém poderá argumentar, nesse ponto, que as Escrituras não têm o mesmo valor para todos. Mas essa é a fragilidade da percepção humana. Confiar apenas em nosso raciocínio, apenas em nossa experiência, não é muito seguro. E, como pessoas que confiam na revelação de Deus em Cristo Jesus conforme está na Bíblia Sagrada, a validação das Escrituras é o ponto que traz segurança para a vida cristã. Foi esse o argumento que Pedro utilizou.

 

4. Imagens para a prédica

Uma das dificuldades que as pessoas encontram nos dias de hoje é estabelecer o fundamento de sua fé. Com que base podemos falar para alguém que vale a pena crer em Jesus Cristo? O texto bíblico nos anima a fazê-lo com base em dois pilares que dialogam um com o outro. De um lado, está a experiência de fé. De outro lado, está a Escritura Sagrada.

Uma ilustração: uma pessoa tinha abandonado a vida de fé. Aí sua mãe, que vivia em uma casa sozinha, mas que sempre ia à igreja, ficou doente. O filho, pela sua situação de vida, não podia dar atenção constante à sua mãe. Mas ele viu que os membros da igreja se organizaram e cada dia a visitavam. Eles proviam o que ela precisava. A partir dessa experiência, o filho reavaliou sua atitude em relação à fé.

Durante tempos de crise, como a pandemia que vivemos nos últimos anos, muitas pessoas procuraram um caminho para dar sentido a suas vidas. Literalmente bilhões de capítulos foram lidos da Bíblia Sagrada. A Sociedade Bíblica do Brasil, que coloca gratuitamente seus textos bíblicos em português em alguns aplicativos, recebeu a informação de que, no ano de 2021, foram lidos mais de dois bilhões e 500 milhões de capítulos. Isso foi apenas leitura em português, apenas dos textos sobre os quais a Sociedade Bíblica do Brasil detém os direitos autorais. Para tentar dar uma explicação a esse fenômeno, alguém disse que as pessoas fizeram um test drive com a Bíblia. Assim como pessoas experimentam um carro antes de comprá-lo, muitas pessoas testaram a Bíblia para dar sentido a suas vidas. Essa experiência com a Bíblia, quando encontra eco na vida das pessoas, transforma muitas existências. Experimentar a leitura bíblica é uma experiência que faz sentido para muitas pessoas. Na leitura bíblica, a experiência de vida se encontra com o ensinamento do texto. A explicação teológica para esse encontro entre a palavra de Deus e a experiência da pessoa é que a ação do Espírito Santo aí acontece e conduz à fé em Jesus Cristo. A fé deve ser experimentada e deve ser confrontada com o ensinamento bíblico.

 

5. Subsídios litúrgicos

Durante a liturgia, o ensino e a experiência fazem parte do culto. Nas leituras bíblicas, na pregação, no conteúdo dos hinos e até das orações, há sempre ensinamento bíblico. Mas na ação de orar, nas ofertas, na participação da Santa Ceia, no louvor, há a experiência da fé ligada com o ensino bíblico. O culto não fala apenas para a razão. Ele também atua nas emoções, nas atitudes e na prática de ações. O culto integra experiência e ensino. O culto faz a integração de toda a experiência humana de fé.

 

6. Esboço para a pregação

Tema: Viva o que a Bíblia ensina
1. A experiência da vida cristã se dá ligada à palavra de Deus
2. A palavra de Deus orienta e respalda a vida cristã

 

Bibliografia

BÍBLIA DE ESTUDO NOVA ALMEIDA ATUALIZADA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2018.
HAUSBECK, Wilfrid; SIEBENTHAL, Heinrich von. Nova Chave Linguística do Novo Testamento Grego. São Paulo: Hagnos, 2009.

 

 

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Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).