Proclamar Libertação – Volume: 46
Prédica: Lucas 21.5-19
Leituras: Malaquias 4.1-2a e 2 Tessalonicenses 3.6-13
Autoria: Roberto Natal Baptista
Data Litúrgica: 23º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 13/11/2022
Ao sentar-me diante do notebook para escrever este texto, em pleno Domingo de Ramos de 2021, lembrei o que escrevi para o Proclamar Libertação, v. 45, de 2020, justamente um texto para o Domingo de Ramos, de 28 de março de 2021. Aquela esperança de que hoje celebraríamos o Culto de Confirmação aqui na Igreja da Paz em São Paulo não se confirmou. Como será nossa celebração em novembro de 2022?
Para este PL 46, estamos no Penúltimo Domingo do Ano Eclesiástico, ou seja, um domingo antes apenas do Domingo da Eternidade (Cristo Rei). Em muitas das nossas comunidades, inclusive naquelas onde atuo, é nesse culto que lembramos e citamos todas as pessoas da comunidade que faleceram após o Domingo da Eternidade anterior. Os últimos domingos do Ano da Igreja, normalmente, são textos que apontam o fim, ou melhor dizendo, a transformação para um novo começo. Todavia, vocês podem imaginar, após um ano da pandemia da Covid-19, as muitas perdas (agora quando escrevo, batemos a triste marca de 300 mil falecidos no Brasil), os sofrimentos, os medos e as incertezas, nós trazemos ao púlpito textos tão difíceis para o momento que vivemos. Porém, vamos ver que, ao mesmo tempo, abre-se uma boa oportunidade (Lucas 21.13, Jesus diz: E isso dará oportunidade a vocês para anunciarem o evangelho).
Confesso que fico até constrangido de abordar esses textos depois que dois colegas o fizeram de maneira tão esclarecedora. No PL 20, para o mesmo Penúltimo Domingo, celebrado em 19/11/1995, Teobaldo Witter escreveu um artigo – com o mesmo conjunto de textos bíblicos – lembrando da finitude da vida. Sempre que estamos em um sepultamento diante de uma pessoa querida, recordamos nossa própria vida. A morte, no meu pensar, aponta para a vida. Teobaldo nos lembra também da possibilidade de uma vida banal. Ele nos alerta que nós pessoas cristãs somos chamadas a “ajudar outras (pessoas) a ter sentido na vida e a chegar à salvação”.
No PL 37, para o mesmo Penúltimo Domingo, celebrado em 17/11/2013, Eloir Weber também aborda um estudo sobre o mesmo conjunto de textos que agora estamos tratando. De maneira precisa, ele aponta:
Basicamente, três tipos de pregadores destacam-se diante de um conjunto de textos como o que se apresenta para este domingo: aqueles que leem e “fogem do texto”; os fundamentalistas, que apontam para as catástrofes atuais e dizem que a “Bíblia já previa tudo” (para esses, o texto é ótimo – não dá trabalho); e os que encaram o texto e o respeitam em seu contexto histórico. Esse último grupo tem um desafio, mas também tem a oportunidade de trazer uma mensagem de esperança para a comunidade reunida.
Estou, assim, como Teobaldo e Eloir, abraçando esta terceira opção: precisamos sempre – e principalmente nos momentos mais difíceis – despertar a esperança que pode estar sendo ocultada ou adormecida diante de acontecimentos terríveis. Portanto vamos em frente. A minha diferença com os colegas é que escrevo, como diz o verso 11: Em vários lugares haverá grandes tremores de terra, falta de alimentos e epidemias. Acontecerão coisas terríveis […]. Eu sei, essas coisas sempre existiram. Entretanto, acredito que jamais pensaríamos numa situação tão diferente e inusitada como a que vivemos em plena pandemia da Covid-19. Semeamos a esperança diante das incertezas. Uma esperança ativa e preocupada com a realidade e as recomendações de saúde que recebemos de quem estuda e trabalha o assunto: pesquisadores da saúde e médicos.
Primeiro, vejamos o texto do Antigo Testamento que se encontra em Malaquias 4.1-2a. O profeta Malaquias foi contemporâneo de Esdras e Neemias. Aliás, Malaquias pode não ser o nome de um profeta concreto – já que não temos nenhuma referência a esse nome em todo o Testamento –, mas o título de um “mensageiro de Deus”. Seu livro provavelmente é datado de 430 a.C. Portanto, diante do contexto da época, desesperança diante do exílio e a cidade destruída de Jerusalém, a palavra profética de Malaquias carrega um sentido apocalíptico de um fim e um novo começo. No texto que lemos acima, Malaquias aponta para o julgamento. Em um novo começo não deveria haver espaço para o orgulho – e orgulhosos, arrogantes, malvados, soberbos (Zedym) – nem espaço para a maldade – e ímpios, os que praticam o mal (Reshaym). Malaquias, último profeta menor, “fechando” o Antigo Testamento e abrindo espaço para o Novo, celebra a “conversão” e a chegada de um Messias.
Agora, vejamos a Carta aos Tessalonicenses 3.6-13: Muitos aguardavam a parousia, a vinda de Cristo e a complementação do reino de Deus para os dias imediatos. Alguns continuavam esperançosos e seguindo a vida normalmente. Porém muitos largaram tudo, inclusive o trabalho, achando que o fim era iminente. Aqui no texto bíblico vemos uma exortação contra os que não trabalhavam. Aliás, a recomendação era: Mas vocês, irmãos, não se cansem de fazer o bem (v. 13).
Atualmente, ouvimos palavras “proféticas” muito estranhas: feijão que cura a Covid-19, “remedinhos” contra o vírus, drogas milagrosas contra a pandemia, palavras contra as vacinas e a vacinação, e muita, muita desinformação.
O texto de Lucas 21.5-19 faz parte de um bloco maior (capítulos 19 a 24) que apresenta o contexto de acontecimentos em Jerusalém nos últimos dias antes da morte e ressurreição de Jesus. Podemos ler nesse bloco vários embates entre Jesus e seus adversários. O contexto do nosso texto se dá no templo de Jerusalém, como mostra o texto anterior da viúva pobre e a ênfase já no v. 5.
A perícope é conhecida como o “pequeno apocalipse”. Isso porque Jesus faz uma série de prenúncios: destruição do templo de Jerusalém, os cuidados com os falsos messias, guerras e revoluções, tremores de terras, fome e epidemias, sinais nos céus, perseguição e prisão de pessoas cristãs, ódio aos seguidores e seguidoras de Jesus. Como já observei anteriormente, essas coisas sempre aconteceram na história. Entretanto, quero ressaltar aqui um ponto em que podemos depositar nossa ênfase em uma prédica. Irei fazer um recorte em nossa perícope (v. 11-17). Aqui, acredito, devemos nos concentrar na realidade em que hoje vivemos. Duas ênfases poderiam ser contempladas:
Embora ódios e confrontos façam parte de todas as realidades, em um curto período de uma geração, do pós-guerra até os tempos atuais, podemos dizer que vivemos dias difíceis nesse sentido. Na sociedade e mais restritamente na família, na igreja, nas mídias sociais, está muito difícil dialogar devido ao ódio e às intransigências. Você, ao ler este texto, deve, provavelmente, ter observado alguns conflitos na sua igreja devido a posicionamentos, ideias, que antes poderiam ser perfeitamente dialogados, mas que, no momento, infelizmente, temos construído relações em que não há espaço para o respeito a ideias de outra pessoa. Como enfrentamos isso?
O v. 13 poderia ser central em nossa prédica: E isso dará oportunidade a vocês para anunciarem o evangelho. A meu ver, só o tema central do amor anunciado pelo Cristo pode quebrar esse ódio. Os raciocínios estão deveras estranhos. Parece não haver espaço para a lógica e o bom senso. Prevalecem decisões e posicionamentos emocionais. Confesso que também sofro com isso tudo. Não quero mais sequer tocar em assuntos como as muitas conspirações. Cansei. E isso exige de mim, como de você, uma busca pelo amor de Deus em nossos corações. Reforce o amor nesta prédica. Com certeza será uma mensagem de esperança em meio a um possível desejo de só anunciar a dor.
Aqui é um pouco mais delicado. Qualquer pessoa, ou melhor, qualquer pessoa cristã pode reivindicar para si esta premissa: “O que eu digo são palavras de sabedoria vindas de Jesus”. O que posso dizer? Sempre achei e resisto à ideia de que as religiões, de maneira geral, possuem sempre algum ingrediente positivo que contribui para a vida. Elas apontam sinais de vida para as pessoas. Entretanto, também sou obrigado a admitir que, pelo contrário, as religiões, principalmente as ditas evangélicas, atualmente colaboram com o ódio e a discórdia. Não preciso entrar em detalhes sobre isso. Não é uma opinião. É um fato. Como sabemos se nossas mensagens de vida são ou não conteúdos de sabedoria?
A maneira adequada, a meu ver, é a mesma que uso para compreender textos do Antigo Testamento de maneira hermenêutica. Aliás, vocês percebem que a minha ênfase aqui é muito mais hermenêutica do que exegética (os colegas acima fizeram um bom trabalho exegético dos nossos textos para este domingo). O fio vermelho em toda a Bíblia é a essência dos ensinamentos e a vida de Jesus. Darei um exemplo. Como posso apoiar e enfatizar uma “teologia da prosperidade” baseada em Abraão, Salomão, por exemplo, sem considerar a realidade de vida dos apóstolos e discípulos de Jesus e, principalmente, do próprio Mestre? Deus abençoa com bens materiais seus filhos e suas filhas fiéis? Todos os apóstolos, inclusive Paulo, sofreram perseguições e pobreza, e morreram martirizados. Se acham pouco, o que dizer do Filho de Deus? Nasceu em pobreza, viveu de maneira singela e sofreu em uma cruz. Resumindo: o fio vermelho é Cristo e o seu evangelho.
Voltando ao nosso assunto da sabedoria de Jesus, a mesma coisa poderia ser dita. A essência da mensagem do Cristo pode ser resumida por ele mesmo: Respondeu Jesus: Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento. Este é o primeiro e maior mandamento. E o segundo é semelhante a ele: Ame o seu próximo como a si mesmo (Mt 22.37-39). Jesus respondeu a uma provocação que lhe foi feita de maneira ardil por um fariseu: Mestre, qual é o mais importante de todos os mandamentos da Lei? (v. 36). Aliás, a melhor e a mais concisa definição sobre Deus está na Primeira Carta de João 4.16: Deus é amor. Portanto palavras de sabedoria precisam levar em consideração essa essência da mensagem cristã. Não sou eu que diz isso. Continuem lendo o texto de 1 Joao 4 e perceberão essa ideia.
Essas são as duas ênfases que eu daria numa prédica sobre os nossos textos para o dia de hoje. Espero que com isso possa ter ajudado, de alguma maneira, a provocar uma reflexão sua sobre esses conteúdos abordados. Uma boa celebração!
STÖGER, Alois. O Evangelho segundo Lucas. Segunda Parte. Petrópolis: Vozes, 1974. v. 3/2, p. 184-193.
WEBER, Eloir Enio. Auxílio homilético sobre Lucas 21.5-19. In: HOEFELMANN, Verner (Coord.). Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 2013. v. 37.
WITTER, Teobaldo. Auxílio homilético de Lucas 21.5-19. In: HOEFELMANN, Verner (Coord.). Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1995. v. 20.
Proclamar libertação (PL) é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).