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 Cuidado! Permaneçam em Cristo!

 

Proclamar Libertação – Volume 40
Prédica:
 Colossenses 2.6-15 (16-19)
Leituras: Gênesis 18.20-32 e Lucas 11.1-13
Autoria: José Manuel Kowalska Prelicz
Data Litúrgica: 10º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 24/07/2016

 

1. Introdução

Neste dia, encontramo-nos no terceiro domingo da leitura semicontínua da Epístola de Paulo aos Colossenses. Por isso o texto indicado para a pregação não está diretamente relacionado de forma temática com as outras leituras propostas. Mas, mesmo assim, podemos encontrar um elo que relaciona todas as leituras neste tempo após Pentecostes: como deve ser a vida daquelas pessoas que acreditam em Deus.

No caso de Gênesis, apresenta-se o texto em que Abraão barganha com Deus sobre a situação de pecado em Sodoma e Gomorra e a conclusão de que talvez não se conseguirá a quantidade necessária de pessoas justas para evitar a destruição (Abraão começa com 50 e termina com 10). Por outro lado, no texto do evangelho, Jesus ensina o Pai-Nosso e, além disso, uma parábola sobre a necessidade da oração e que Deus escuta nossos pedidos.

O texto de Colossenses é uma advertência para não seguir falsas doutrinas, mas se manter firme sob a supremacia de Cristo diante daqueles que se consideram melhor relacionados com Deus, pois possuem visões místicas ou experiências extáticas. Esse texto traz muitos desafios para serem interpretados, pois contém uma quantidade de imagens únicas, uso de palavras e conceitos que são raros ou até únicos no Novo Testamento, além de frases principais com muitas subordinadas. Por questão de espaço, ficaremos restritos a somente alguns detalhes. O texto da pregação já foi trabalhado no PL 26.

 

2. Exegese

A Epístola de Paulo aos Colossenses é dirigida aos cristãos que moram em Colossos, mas é pedido que seja lida por outras comunidades (como indicado explicitamente em 4.16). Talvez o pedido da leitura em outros lugares seja motivado pela extensão da problemática existente ou pela prática de já nessa época circularem as cartas. A comunidade em Colossos não foi fundada por Paulo, mas por Epafras (1.7). É uma comunidade de forte presença gentílica, mas com grande influência judaica. As pessoas estão num diálogo entre o mundo judaico e o helênico, devendo definir-se e estabelecer limites.

A Epístola de Paulo aos Colossenses traz como temática principal a supremacia de Cristo (mostrada especialmente em 1.9-2.5). Cristo é visto como a ver dadeira imagem de Deus, ao qual são subjugados todos os poderes espirituais e forças deste mundo (kosmos). Esse justamente é o contexto anterior e fundamento de nosso texto. O texto indicado para a pregação aponta a motivação da carta: “filosofia e falsa doutrina” (2.8). O conteúdo da falsa doutrina, pode-se concluir, são práticas da religiosidade popular, um poder a partir do mundo (kosmos), seja personalizado (anjos) ou até com prescrições ascéticas (cuidado com comidas e observância de datas festivas).

O autor do texto argumenta contra aqueles que ele considera enganadores de duas formas: uma positiva e outra negativa. De forma positiva, lembra aos leitores que já experimentaram uma verdadeira e plena relação com Deus, isso através de Cristo. Mas é negativo ao procurar manter essa relação com o divino apesar dos questionamentos e das exigências desnecessárias.

A parte mais incisiva dos argumentos negativos encontramos justamente no texto em estudo (2.8, 6-19), versículos que são introduzidos com advertências e ordens (cuidado, ninguém vos julgue, ninguém se faça árbitro). No v. 8, é usado o verbo sylagōgeō, que significa ser levado como prêmio de saque (por isso traduzido pela NTLH como “tornar escravo”). Os ensinamentos desses mestres são classificados como uma filosofia vazia e enganadora, cujos parâmetros são a tradição humana ou conceitos elementares, esquecendo que para as pessoas cristãs o parâmetro é Cristo. No v. 16, os leitores são informados de que são julgados com base no uso de certas comidas, bebidas ou na observância de datas especiais, isso provavelmente para melhorar sua experiência de êxtase. Diante dessas situações e da perspectiva errada, os cristãos são chamados a não se preocupar com isso, pois não estão em sintonia com Cristo; ao contrário, distanciaram-se dele e de sua obra redentora.

O autor do texto é enfático ao distinguir essas práticas e julgamentos teológicos do agir de Cristo e da realidade presente na comunidade, a qual existe e deve permanecer em Cristo. Por isso é importante observar que pelo menos seis vezes as frases que incluem “nele” ou “com ele” referem-se a Cristo. Isso já é usado no capítulo anterior da carta, em que Cristo é a realidade onde habitamos ou é em quem Deus ativamente está trabalhando.

Dessa forma, nos v. 6 e 7, as pessoas são exortadas a fazer do seu comportamento um reflexo da realidade em que agora habitam, ou seja, em Cristo. Por isso é pedido que continuem enraizados (imagem rural) e edificados (imagem urbana) nesta realidade chamada Cristo. No v. 9, é lembrado que se permanecem em Cristo terão uma relação plena com Deus, pois a plenitude ou a totalidade de Deus habita em Cristo, não é somente ou apenas uma parte. Quem está em Cristo está complemente relacionado com Deus. Ao usar o verbo pleroō (ser completado, finalizado, cheio, ARA aperfeiçoados) como particípio perfeito passivo no v. 10, é lembrado que a realidade divina em curso foi iniciada no passado e continua no presente e no futuro. A ação divina não foi finalizada ou concluída ainda.

Nos v. 10 e 19, Cristo é visto como a cabeça. Cristo é governante supremo sobre toda e qualquer força humana ou cósmica. Cristo é a cabeça da igreja, que é o seu corpo. Assim, Cristo unifica toda a realidade eclesial e dá nutrição. Por isso a comunidade deve lembrar que quem permite sua simples existência é Cristo.

Nos v. 11 a 15 são usados a circuncisão e o batismo para descrever a realidade antiga e a atual. Todas as pessoas que foram batizadas experimentaram um tipo de circuncisão à medida que foram incluídas no povo de Deus. As pessoas foram transferidas de poderio, de um mundo onde o pecado escraviza a existência (11, cf. 1.13s). Os crentes foram apekdysis = os crentes são colocados livres de sua natureza pecaminosa através da união com Cristo. A circuncisão não é de qualquer um, mas de Cristo, ou seja, os crentes, ao serem batizados, entram numa nova realidade e ganham uma nova identidade: estão agora sob o senhorio de Cristo.

Chegamos agora ao que podemos considerar o cerne do texto: os v. 13 a 15. Aqui Deus elimina nossa realidade anterior, na qual as pessoas estavam mortas diante da realidade do pecado e ganharam vida ao ser-lhes perdoada sua existência pecaminosa. Encontramos aqui de forma clara a teologia da cruz. Deus elimina o registro da pecaminosidade, pregando-o na cruz. O preço é pago não pelas pessoas, mas por Cristo. Por isso ele tem o poder sobre tudo e todos. Mas não acontece somente isso. Pois no v. 15, depois de cancelar a dívida, é feita uma passeata que lembra os desfiles em que os inimigos derrotados tinham que demonstrar sua derrota e desgraça. Assim, de forma paradoxal, a crucificação de Cristo torna-se sua vitória sobre os poderes do kosmos e permite que a igreja ganhe uma nova existência.

 

3. Meditação

O ser humano tende a dividir as coisas para facilitar seu entendimento. Isso é uma prática que foi aprendida no Renascimento; ainda assim é atual. Dividimos os que estão conosco daqueles que são contra nós. Os cristãos têm má fama em alguns lugares do mundo porque as diversas casas missionárias enviaram seus trabalhadores para converter almas a Cristo, mas esqueceram que deviam trabalhar juntos e não pensar que os outros são concorrência. O testemunho cristão deixou muito a desejar nesses contextos.

No Brasil, é interessante ver como as pessoas que se dizem cristãs não se diferenciam claramente do resto da sociedade. Claro que existem exceções, alguma igreja que exige uma vestimenta diferenciada. Mas, no geral, ninguém consegue descobrir quem é batizado no meio da rua. Estar em Cristo deveria fazer uma diferença na vida das pessoas, pois, do contrário, a morte de Cristo na cruz foi em vão. Como vivem os que foram batizados? Qual a diferença? Não podemos soar como aqueles que argumentam que são melhores cristãos do que os outros. Mas deveria existir alguma diferença.

No Brasil, onde as pessoas voltaram a falar em poderes espirituais, em declarar tal cidade sob o senhorio de Cristo, a mensagem aos colossenses é atual. Estamos voltando a usar os mesmos padrões de entendimento sobre o mundo. Fala-se em encosto, demônio, acredita-se que as pessoas sofrem sob o efeito de poderes sobrenaturais. Tudo isso vai além da explicação científica. Agora as pessoas pensam em outras categorias.

Estão sendo revistas antigas formas de pensar com uma nova roupagem. Existe o Estado Islâmico, que os próprios muçulmanos não reconhecem como correto. Mas é a tentativa de um grupo que acredita ter a total e absoluta verdade. Estamos aqui diante do perigo da teocracia, em que uma casta especial representa Deus na terra. Essas pessoas são as que “em nome de Deus” agem e até aniquilam quem pensa diferente. No caso do Estado Islâmico, esse não aceita a prescrição do profeta de respeitar os povos do Livro, ou seja, judeus e cristãos. Talvez para quem more no Brasil essa situação não deve afetar muito. Mas para quem está dentro dos territórios controlados pelo Estado Islâmico é questão de vida ou morte. No passado, a humanidade já sofreu com a Santa Inquisição, caça às bruxas, conversões forçadas etc.

O problema é que, muitas vezes, pensa-se olhar de longe as situações em que outras pessoas sofrem. Mas, se olharmos de perto para o Brasil, poder-se-á constatar situações de dor e até de morte sob a roupagem de seguir o mandato divino. E não se está falando naquelas pessoas transtornadas que acham que Deus falou com elas. Mas estamos falando daquelas pessoas que jogam pedras em crianças que saem de centros de umbanda ou de gente que mata travestis ou homossexuais pelo simples prazer de fazê-lo.

Diversas vezes, se tem questionado por que a IECLB não tem candidatos declarados ou por que os pastores devem deixar sua função eclesial. Mas, ao olhar para a “bancada evangélica”, vemos que muitas vezes não tem nada de evangélica além do nome. Pessoas com processos penais, denunciadas por corrupção e que muitas vezes estão lá somente porque o curral eleitoral da sua igreja conseguiu que fossem eleitas e devem defender as vontades da autoridade eclesial. Esse é um dos perigos do extremismo, para não dizer da tentativa de implementar uma teocracia no Brasil.

Por outro lado, as pessoas hoje em dia também têm superstições. Intentam de uma forma ou outra manipular os poderes deste mundo para através de fórmulas ou rituais poder encontrar o efeito desejado. Alguns desses com embasamento científico ou da sabedoria popular, mas muitos simplesmente complicando a vida das pessoas. Pois, através dos rituais, as pessoas ficam presas ao que acham que deveria ser. Talvez não se preocupem com a festa da Lua Nova, mas, com certeza, existe outro tipo de preocupação e coisas que os mantêm afoitos.

Em verdade, cada pessoa tem uma certa superstição. Preocupa-se se a bolsa de valores está caindo ou se tem que passar por baixo de uma escada. Tem aquele que cada dia compra sua aposta na lotérica ou precisa comprar óleo para colocar no parapeito da janela. Certas superstições podem considerar-se inocentes e até ingênuas, mas também existem aquelas que fazem com que as pessoas fiquem presas aos poderes inventados por elas.

Como enfrentar as situações em que a superstição manda? O que fazer se bater de frente no mundo de hoje não funciona mais? Se antigamente era possível fazer como o escrito no texto da pregação, hoje em dia é quase impossível. Mas é necessário lembrar as pessoas de que não mais estão sob o senhorio da superstição, e sim sob o senhorio de Cristo.

Como ser cristão sem cair nos extremos?

 

4. Imagens para a prédica

Logo ao ler o texto, lembrei daquele caderninho de mercado em que se anotavam as dívidas. Sempre tinha aquela pessoa com problemas financeiros que fazia a compra e, ao terminar de totalizar o valor, perguntava à caixa: será que eu posso pendurar?

Se a prédica puxar o texto a partir das superstições, pode-se olhar para o contexto local e trazer alguma superstição atual. Com certeza, ter-se-á muito material. Mas, se por necessidade pastoral é impossível utilizar uma superstição local, o livro de Nelso Weingärtner traz alguns bons exemplos, como “o caso da benzedeira que não conseguia morrer” ou “maldição pega”, que podem ser adaptados para a prédica.

Por outro lado, também se pode ter como ilustração algum caso de intolerância ou discriminação que pessoas “cristãs” tenham realizado perto dos dias da pregação. Mas, para não ficar somente nos aspectos negativos, também se poderia lembrar atitudes ecumênicas em benefício de comunidades carentes ou até a própria campanha Vai e Vem da IECLB, que torna possível a existência de trabalhos que sem essa ajuda concreta não existiriam.

 

5. Subsídios litúrgicos

Confissão de pecados

Bondoso e misericordioso Senhor, estamos em tua presença e reconhecemos que nem sempre deixamos de lado aquilo que nos atrapalha. Pedimos perdão por isso. Muitas vezes, esquecemos que Jesus Cristo é nosso Senhor. Esquecemos de olhar por nosso próximo e cuidar daqueles que mais precisam de nós. Pedimos perdão por isso. A cruz custou a vida de teu Filho, mas a tratamos como um enfeite. Também crucificamos muitas pessoas com nosso egoísmo ao impor nos demais aquilo que achamos necessário, mas é sem sentido. Pedimos perdão por isso. Faz, Senhor, que teu Santo Espírito nos guie para que nos afastemos do mal e permaneçamos sob teu senhorio. Amém.

Oração do dia

Agradecemos-te, Deus onipotente, por nos resgatares da servidão do mundo através de teu Filho Jesus Cristo. Dá que te reconheçamos como Libertador e que te entreguemos nossa vida sem restrição. Dá que sirvamos uns aos outros e que cuidemos uns dos outros, auxiliando-nos fraternalmente, assim que fique evidente que tu és o nosso Senhor.

(João Calvino. Tomada de Orações do Povo de Cristo. São Leopoldo: Sinodal, Curitiba: Encontrão Editora, 1995. p. 27).

 

Bibliografia

BULL, Klaus-Michael. Panorama do Novo Testamento. São Leopoldo : Sinodal, 2009.

WEINGÄRTNER, Nelso. Mundo da superstição. São Leopoldo: Sinodal, 2014.

 

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Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).