Proclamar Libertação – Volume 40
Prédica: Lucas 23.33-43
Leituras: Jeremias 23.1-6 e Colossenses 1.11-20
Autoria: Pedro Kalmbach
Data Litúrgica: Domingo Cristo Rei
Data da Pregação: 20/11/2106
A festa do “Cristo Rei” foi estabelecida pelo papa Pio XI em 1925 e, como tal, não é uma festa tradicional cristã nem ecumênica. Seu surgimento deu-se no marco de teologias integristas que buscavam reafirmar o poder terreno do papado. No âmbito das igrejas protestantes, essa festa foi introduzida através do lecionário romano, quando esse passou a ser a base do lecionário ecumênico.
Se bem que essa festa reafirma o senhorio de Cristo, o Rei, é importante ter em conta que Cristo é Rei a seu próprio modo: na cruz. Seu senhorio não se desdobra a partir da lógica do poder humano, mas a partir da entrega que expressa seu amor salvífico no qual reconcilia todos na criação. Seu reino não é um reino que se conquista com o poder das armas nem do dinheiro, mas é um reino que se construiu e se constrói com a paz, com a reconciliação, as quais passam pela cruz.
A ideia de um reino de paz, de reconciliação e de justiça trazido pelo enviado de Deus está presente nos três textos. Diante da irresponsabilidade e da falta de cuidado do rebanho por parte dos pastores (chefes), Jeremias compartilha o anúncio que Javé enviará um broto legítimo que governará com justiça e será chamado “Javé, justiça nossa” (Jr 23.6). Em Colossenses, Cristo é caracterizado como o primogênito da criação. Através dele todas as coisas irão se reconciliar e mediante seu sangue será pacificado o que há na terra e nos céus. Segundo Lucas, Jesus pede ao Pai que perdoe seus executores (Lc 23.34) e promete ao malfeitor arrependido que ele estará junto dele no paraíso.
O texto faz parte da cena da paixão de Jesus (Lc 22.1-23,56), especificamente da cena de sua crucificação.
V. 33 – Lucas menciona dois malfeitores, que são crucificados junto com ele, um à sua direita e outro à sua esquerda.
V. 34 – Já crucificado, Jesus roga a seu Pai que perdoe seus executores, porque não sabiam o que estavam fazendo. Esses repartiam entre si suas roupas.
V. 35-37 – Estes versículos fazem referência ao povo que permaneceu olhando. Assim também os juízes e soldados que se divertiam com ele, dizendo Messias para ele e Rei, que se libertasse, devido à sua impotência e fraqueza.
V. 38-43 – Lucas assinala a inscrição que havia acima de Jesus: “Este é o rei dos judeus”. Logo o evangelista continua com o diálogo entre os dois malfeitores. Um deles zomba de Jesus, e o outro reconhece a inocência de Jesus e a merecida condenação deles. Em seguida, roga a Jesus que se lembre dele, e Jesus promete-lhe que estará com ele neste mesmo dia no paraíso.
Nesse texto, Lucas realiza citações de Salmos e alusões a textos que aparecem no evangelho: a) no v. 34, Jesus roga a seu Pai que perdoe seus executores, assim como ele havia ensinado no Sermão do Monte: “Amai, porém, os vossos inimigos” (Lc 6.35), “perdoai e sereis perdoados” (Lc 6.37), semelhante ao Pai-nosso (Lc 11.4); b) nos v. 34b a 37, onde Lucas descreve a reação das pessoas, leem-se partes do Salmo 22: “Repartem entre si as minhas vestes e sobre a minha túnica deitam sortes” (Sl 22.18; Lc 23.34b); “Todos os que me veem zombam de mim” (Sl 227 e Lc 23.35), “Confiou no Senhor! Livre-o ele” (Sl 22.8 e Lc 23.35b,37).
As seguintes expressões na boca de quem zombava de Jesus fazem referência à mensagem do reino de Deus que Jesus praticou e proclamou: “o Cristo de Deus, o escolhido” (v. 35), “rei dos judeus” (v. 37), “Não és tu o Cristo?” (v. 39) e a inscrição que havia acima dele: “Este é o rei dos judeus” (v. 38). Sua resposta diante do pedido de um dos malfeitores de que ele se lembrasse dele dá a entender que diante da morte iminente Jesus não duvida da verdade e realidade do reino de Deus hoje. Também na paixão da cruz Jesus é o Rei, o Senhor e Salvador. Jesus está convencido de que ele e o malfeitor arrependido estarão neste mesmo dia (“hoje”) no paraíso (v. 43).
Entre os diversos aspectos que o texto permite abordar, ressalto os seguintes:
Podemos observar: a) os governantes que zombaram dele dizendo que, se ele salvou a outros, salve a si mesmo; b) o povo que permaneceu olhando; c) os soldados que zombaram dele lançaram sorte sobre suas roupas e lhe ofereceram vinagre, dizendo: “Se tu és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo”; d) um dos malfeitores que o insultou; e) o malfeitor que reconheceu Jesus como Salvador e Messias.
Parece que o que esse último malfeitor viu em Jesus as demais pessoas não conseguiram ver. Aquelas que haviam convivido com Jesus e que o viram morrer não compreenderam nesse momento o que estava acontecendo. Foi necessária a ressurreição, a aparição do Ressuscitado para que compreendessem a radicalidade e a profundidade do ato salvífico de Deus em Jesus. Porém o malfeitor, do qual sabemos somente que foi condenado à crucificação por um crime que não sabemos qual foi, percebeu e viu que esse Jesus que estava morrendo na cruz é o Salvador. Esse malfeitor confi a plenamente que Jesus será o rei no reino de Deus. Um reino diferente dos reinos conhecidos. Isso nos leva ao próximo aspecto.
Aquele que é rei está agonizando na cruz, para a qual foi elevado como se fosse um criminoso. É justamente nessa situação tão “despida” de “poder”, tão frágil que se mostra o poder de Deus. Para os parâmetros humanos, o lógico seria descer da cruz e subjugar todos os que queriam vê-lo morrer na cruz. Porém o poder de Jesus responde a uma outra lógica. Não tem a ver com o poder dos exércitos, com o poder da força, com o poder que subjuga, que domina, que mata. O poder desse rei rompe qualquer lógica humana. Ele não luta para ter súditos, tampouco um exército, nem terras, nem bens. Seu poder passa pela entrega, dando valor aos que não têm valor, dignificando e incluindo as pessoas que são desprezadas e que são empurradas para as margens. Ele não promete uma revolução, uma mudança imposta pela força bruta. Sua promessa tem a ver com o amor, a misericórdia, a justiça.
O malfeitor que se arrepende e confessa sua fé em Jesus não fez nada para merecer o ato de estar neste mesmo dia com Jesus no paraíso. O pedido que faz a Jesus e as palavras com as quais repreende o outro malfeitor são um ato de arrependimento e confissão de fé. A resposta de Jesus expressa misericórdia e perdão, expressa que a morte não é um obstáculo para Deus. Ela aponta para a Páscoa, sem a qual o sofrimento, a crucificação e a morte de Jesus não teriam sentido. Estar com Jesus no paraíso refere-se a que a morte não tem a última palavra. Estar com Jesus ao reconhecer a mais absoluta fragilidade humana, a crua condição humana e pecadora, ao entregar-se cegamente em arrependimento sem ter a segurança de estar nesse mesmo dia com ele no paraíso.
Havia pessoas que estavam presentes na crucificação de Jesus com reações, atitudes e gestos diferentes. Também havia pessoas das quais se havia esperado que acompanhariam o Mestre até sua última hora, mas que por medo, dor ou desespero não o fizeram e permaneceram distantes ou escondidas. Como nós nos posicionaríamos? Como espectadores distantes ou próximos, em silêncio ou protestando contra a condenação injusta? Apontaríamos o dedo em direção ao condenado, dizendo: “Algo deve ter feito, por isso o condenaram”, sentindo-nos satisfeitos conosco mesmos por ser bons cumpridores da lei e estar livres da condenação?
Diante da radicalidade da cruz, da crucificação de Jesus, todo o restante torna-se insignificante. Diante dessa cruz, revelam-se nossa total impotência, nossa mais absoluta fraqueza e nossa natureza corruptível. Estamos com as mãos vazias. Essa cruz mostra-nos que não somos merecedores de nada. Mas paradoxalmente e ao mesmo tempo ela nos mostra que somos alguém para Jesus. Por isso ele a carregou e foi até a crucificação. Assim como somos, pecadores, corruptíveis, frágeis, Jesus considera-nos, chama-nos e nos expressa seu amor. Isso é o maravilhoso, a boa-nova.
Pode-se colocar o Círio Pascal em um lugar central da celebração como sinal da fé que professamos. Antes da confissão de fé, pode-se acender o Círio Pascal, e a pessoa encarregada da liturgia diz: “Recebam a luz de Cristo. Caminhem sempre como filhas e filhos da luz, essa luz que nos foi dada no Batismo e que nos ilumina sempre de novo, essa luz que nos ilumina e abre nossos olhos, nosso coração e nossos ouvidos”.
Liturgo: Confessemos a nossa fé.
A comunidade confessa sua fé com o Credo Apostólico.
BIERITZ, Karl-Heinz. Das Kirchenjahr. Feste, Gedenk- und Feiertage in Geschichte und Gegenwart. München: Verlag C.H.Beck, 1994.
LANGNER, Córdula. Evangelio de Lucas – Hechos de los Apóstoles. Espanha: Editorial Verbo Divino, 2008.
MÜLLER, Iára. Reflexões para o Domingo Cristo Rei (21-11-2010). In: VOLKMANN, Martin (Coord.) Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 2009. v. 34. p. 365-370. (Tradução: João Artur Müller da Silva)
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).