Proclamar Libertação – Volume 38
Prédica: 2 Coríntios 13.11-13
Leituras: Salmo 8 e Mateus 28.16-20
Autor: Wilhelm Sell
Data Litúrgica: 1º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 15/06/2014
O Primeiro Domingo após Pentecostes é denominado no calendário litúrgico da igreja de Domingo da Trindade. É dia reservado para atentarmos à ação do Deus Triúno na história de sua criação. O Salmo 8, previsto para este domingo, vem justamente nessa direção. Relata a magnitude do Deus que cria e está presente ativamente nos pequenos detalhes da vida. Coroando o ser humano com glória e honra, vocaciona-o para cuidar das obras que brotaram e brotam de seu amor.
Esse amor tem sua expressão plena na encarnação do Filho, no qual enxergamos o rosto do próprio Deus, do Deus cheio de misericórdia. Por meio dele somos chamados e desafiados a cada novo dia a ser igreja, corpo seu, que atua na evangelização, formando discípulos que são inseridos no Reino por meio de seu nome, da obra vicária que esse nome representa. Isso não fazemos por forças próprias, mas pela ação do Espírito Santo, que nos chama, anima e encoraja ao anúncio e ensino de sua Palavra. É isso que o segundo texto da leitura nos traz (Mt 28.16-20). A ação de Deus sempre deve ser vista na perfeita comunhão entre Pai, Filho e Espírito Santo. Deus cria, salva e orienta. É a partir desse horizonte que o próprio Jesus Cristo institui o Batismo.
O texto de 2 Coríntios, abaixo analisado pela indicação à pregação, traz–nos as saudações e recomendações fi ais da segunda carta do apóstolo Paulo à comunidade situada na cidade de Corinto. Essa termina com a bênção apostólica, a qual aponta para a Trindade: a graça de Cristo revela-nos o amor de Deus Pai, o qual nos envia o Espírito Santo, que produz comunhão fraternal entre os seus.
Após o extraordinário encontro com Jesus Cristo a caminho de Damasco, o apóstolo Paulo engaja-se na tarefa missionária. Corinto, cidade portuária, com estimados 500 mil habitantes, torna-se um lugar estratégico para falar do evangelho a pessoas “de fora”. Por estar localizada num excelente eixo comercial, tornou-se uma cidade aberta ao mundo, com muitos estrangeiros, que também trouxeram consigo costumes e sua religiosidade. Em Atos 18.1-18, somos informados do início da igreja. A atuação de Paulo começa na sinagoga, depois é transferida para reuniões em casas, aonde mais pessoas se achegam. Ele permanece por lá em torno de um ano e meio. É substituído por Apolo, um judeu convertido de boa oratória e muito empolgado com o evangelho. Característica da comunidade de Corinto são os diversos grupos, os quais são formados por pessoas que pensam diferente. Consequentemente, no seio dessa igreja há muitos conflitos, que Paulo tenta resolver por meio de suas cartas.
Para lembrar, Apolo torna-se, por causa de sua capacidade teológica e argumentativa, importante na comunidade de Corinto (principalmente na discussão com judeus sobre Jesus como Cristo), a ponto de ter um grupo que se denominava “os de Apolo” (1Co 1.12; 3.4). Também havia nessa comunidade um grupo de pessoas, provavelmente oriundas de Jerusalém, que criam que a unidade da igreja estaria garantida se todos se submetessem a Pedro. Esses são chamados “os de Pedro” (1Co 1.12). Eles provavelmente desconheciam inicialmente o ministério de Paulo. Havia aqueles que defendiam o apóstolo, que provavelmente relataram a ele, por meio de cartas, o que acontecia na comunidade. Esses são denominados “os de Paulo”. Mas a principal preocupação de Paulo era em relação a um grupo que se denominava como “os de Cristo”. Assim como os outros grupos, eles argumentavam que sua maneira de viver o evangelho era a mais correta. No entanto, alguns de seus costumes poderiam estar levando a igreja de Corinto a distanciar-se do evangelho.
Na primeira Carta aos Coríntios, percebemos que Paulo responde especialmente aos de Cristo em relação a algumas desconfianças que lançaram sobre seu apostolado: questionavam se Paulo tem o Espírito Santo (1Co 7.40), se ele é um verdadeiro apóstolo (1Co 9.2; 15.9) e se ele tem o dom de línguas (1Co 14.18). De 1 Coríntios 4.17 a 16.10 percebe-se que Paulo enviou Timóteo para levar a primeira carta na tentativa de que esse o ajudasse a resolver os impasses. O que não aconteceu. Por essa razão, o próprio apóstolo Paulo viaja a Corinto para colocar as coisas em ordem. A segunda carta é posterior a essa visita. É evidente que essa visita não foi de todo feliz (2Co 2.1ss). Mesmo que algumas coisas tenham sido resolvidas, outras discordâncias, já de longa data, continuavam gerando problemas a ponto de tirar a paz da comunidade. Há fortes posições contra Paulo. As dúvidas lançadas acerca de seu apostolado, que já eram perceptíveis na primeira carta, tornam-se ainda mais visíveis na segunda. Alguns opositores não recuam. Provavelmente pertencem ao grupo mais fanático da igreja: “os de Cristo”.
Ao ler a carta num todo, entendemos que uma maioria apoia e respeita o ministério de Paulo. A respeito daquele que o ofendeu e estava em “disciplina”, o apóstolo pede para que sejam brandos e tratem-no de maneira que ele sinta o amor comunitário (2Co 2.5-11). Temos a informação da possibilidade de uma carta (“Carta das Lágrimas”) entre 1 e 2 Coríntios, da qual não temos mais registro e que foi levada por Tito (2Co 2.1ss). O tom áspero entre os capítulos 10-13 mostra a insistente oposição na comunidade. Interessante é notar que Paulo não esconde o fato de que o ministério é cheio de privações, sacrifícios, hostilidades e sofrimento. Particularmente, ele sofria de um problema físico e não teve sua oração de cura atendida (2Co 12.1-10). O apóstolo entende que a fé em Jesus Cristo não garante uma vida de sucesso, sem sofrimentos, mostrando antes como a fé ajuda a não se desesperar nas privações, sofrimentos e doenças. Deus faz-se presente por meio do Espírito Santo na vida daqueles que em fé se encontram nessas situações.
A breve análise exegética feita revela que o trecho bíblico indicado para a pregação deve ser entendido no contexto geral da carta com todos os seus diversos aspectos. Ela vem como fechamento de tudo o que Paulo diz à comunidade, aliado a algumas últimas importantes recomendações. Mesmo diante de todos os confl itos, Paulo chama todos de irmãos. Com toda a linguagem áspera e suas severas exortações, o apóstolo chega no momento em que considera todos parte de uma mesma família, todos são um só corpo. Nos versos que seguem, há cinco preceitos no imperativo presente: Regozijai-vos (chairo: também em 2.3; 6.10; 7.7,9,13,16; 13.9), aperfeiçoai-vos (katartizo, significando refazer, restaurar), consolai-vos (parakaleo: também em 1.4,6; 2.7, 7.6, 7, 13), sede do mesmo parecer (lit.: pensem a mesma coisa – como em Rm 12.16; 15.5, Fp 2.2; 4.2) e vivei em paz (eireneuo, significando mantenham a paz). A meditação abaixo contempla esses cinco conceitos.
O Primeiro Domingo após Pentecostes, também chamado de Domingo da Trindade, convida-nos a olhar para o agir trinitário de Deus na história da humanidade. No texto para reflexão, Paulo despede-se da comunidade, desejando a bênção do Deus Triúno, que agiu em sua vida pessoal e também na vida dos irmãos.
Olhar para a situação em que se encontra a comunidade cristã de Corinto faz-nos lembrar do contexto em que se encontra a maioria de nossas comunidades. É muito fácil traçar um paralelo entre as duas realidades. O contexto social, cultural e comunitário de Corinto tem muito em comum com o nosso. A diversidade de classes sociais, a mistura racial e cultural, a diversidade religiosa e teológica também nos são bem familiares. Assim, certamente os desafios não são menos intensos. Com isso também em nosso tempo enfrentamos dificuldades com as quais precisamos nos ocupar tanto no âmbito pessoal como comunitário. Essa é a realidade para a qual somos motivados a testemunhar e anunciar o evangelho de Jesus Cristo.
Uma das ênfases que podemos explorar são as dificuldades e os desafios que o ministério apresenta, pensando aqui no “sacerdócio geral de todos os crentes”. Paulo deixa isso muito claro em seu escrito. Esses desafios são ainda maiores quando o ministério é desempenhado numa diversidade tão grande quanto a de Corinto ou quanto a de nossa IECLB. As crises fazem parte, e Paulo nos pode ajudar, aconselhar e motivar a crescer pessoalmente e como comunidade.
Problemas e dificuldades são bem comuns onde se pretende vivenciar a fé cristã em comunidade. Cada membro da comunidade cristã traz consigo uma grande bagagem cultural e teológica que precisa ser levada em conta. A pergunta que nos cabe responder é: Como podemos anunciar o evangelho de Jesus Cristo de forma clara e relevante para dentro dessa realidade diversa? Em que Paulo nos pode ajudar? Para responder isso, queremos olhar mais de perto a perícope proposta para o estudo.
O apóstolo Paulo pede para que, mesmo diante dos conflitos, a comunidade se regozije em Deus. É a ideia de que não devemos focar somente os problemas, o que causa desânimo, mas sim a graça, o que nos ajuda na vivência prática da fé individual e comunitária. Por isso, apesar das latentes divergências e dificuldades entre irmãos, o apóstolo convida seus leitores a buscar a perfeição, a agir corretamente. Com isso todos são desafiados a deixar de lado o pecado e as vontades pessoais e a agir em conformidade com evangelho de Cristo, que lhes foi apresentado. Assim como em Corinto, também em nosso tempo e contexto isso é um grande desafio. Facilmente só passamos a enxergar os problemas e esquecemos de focar a graça de Cristo, de pedir o auxílio do Espírito Santo para vivenciar a fé diante de todos os desafios diários.
Na sequência, Paulo também convida cada um a ajudar o outro, exortando e consolando-se mutuamente. Para que isso aconteça, é necessário que saiam de seu egoísmo, envolvam-se e se preocupem com a vida do outro, cuidando e amparando-se mutuamente. Esse é um grande desafio para os cristãos de todos os tempos. Ainda mais hoje, quando cada vez mais as pessoas se fecham e nem mesmo conhecem a pessoa que mora ao lado. Também a nível de comunidade essa é uma grande dificuldade. Quantos de nossos membros se conhecem de fato, visitam-se e se preocupam com os outros? Em muitas comunidades, especialmente as maiores, grande parcela dos membros encontra-se nos cultos, mas não se envolve. Imagina então conhecer os problemas e dificuldades uns dos outros! Para que se experimente o consolo mútuo, é necessário sair do egoísmo e ir ao encontro do outro.
Outro grande desafio é o pedido de Paulo aos cristãos para que tenham o mesmo modo de pensar. Se ficarmos só a nível de comunidade local, isso já é um desafio imenso; imagina então se olhamos a nível de igreja nacional ou então a nível ecumênico. No entanto, diante de toda a diversidade teológica dentro de nossas comunidades, as palavras de Paulo chamam nossa atenção para a centralidade de Cristo, o reconciliador, salvador e senhor.
As teologia paulina não deixa margem para manipularmos o evangelho de acordo com nossas vontades ou necessidades. Talvez esse seja o grande perigo que corremos hoje. Vivemos na tensão de fazer do evangelho um conjunto fechado de regras a ser seguidas de forma legalista ou de fazer de sua mensagem um novo estilo de humanismo, que, por meio de alguns conceitos, tenta justificar pecados estruturais e pessoais. Nota-se assim que Paulo tem uma posição bastante madura em afirmar que é necessário um pensar central, pois a mensagem do evangelho não muda, mesmo que haja divergências em questões “marginais” da fé e que o tempo e o contexto sejam outros. Que sejam do mesmo parecer – é sua recomendação.
É certo que a vida comunitária é cheia de tensões. Por essa razão, na vivência dessa, é preciso estar clara a centralidade de Cristo por meio de sua graça. Aqui encontramos a importância da vocação catequética da igreja em ensinar a guardar tudo o que Ele tem ordenado, como somos lembrados pela leitura do evangelho. É nessa direção que é possível viver na paz. Essa paz nenhum outro pode dar, somente o próprio Deus, que cria, salva e continua presente por meio do Espírito Santo. Nessa compreensão é que somos chamados e desafiados a ser seu corpo, atuante no mundo em que vivemos. Essa ação concretiza-se no serviço ao reino com os dons que Deus dá a cada um por meio da fé, mas também na sociedade em que vivemos e que é tão carente de luta por justiça, honestidade e integridade.
Sugere-se fazer uma comparação entre os dois contextos históricos. Pode-se iniciar falando da comunidade de Corinto e das semelhanças com a comunidade local. Isso poderia ser feito por meio de uma prédica dialogada ou com perguntas reflexivas quanto à proximidade das comunidades. No entanto, a atenção não deve estar somente sobre os problemas. Esses devem ser apontados, mas é preciso remeter ao amor do Trino Deus, que nos convida a olhar para Jesus Cristo e sua graça, convidando a comunidade a viver a partir do evangelho. Nesse sentido, é preciso lembrar do sacerdócio geral de todos os crentes e da vocação catequética da igreja. Falar de arrependimento e engajamento poderiam ter seu lugar aqui.
Confissão de pecados:
Bondoso Deus, somos gratos a Ti porque podemos estar na tua presença. Tu nos chamas sempre de novo para perto de Ti. Tu queres nos orientar e cuidar. Sabemos que Tu conheces nosso coração, nossa maneira de ser; também daquilo que está no mais íntimo de nosso ser Tu tens conhecimento. Também sabes, Senhor, de nossas dificuldades em seguir a tua vontade. Mesmo quando não queremos, tropeçamos. Isso fazemos, Deus, como pessoas, mas também como comunidade. Queremos colocar-nos diante de ti, arrependidos dos nossos pecados e pedindo-te por misericórdia. Dá-nos restauração! E, além disso, Deus, queremos pedir-te que venhas nos dar forças, ânimo, discernimento e sabedoria para poder vivenciar o teu evangelho a cada novo dia. Que diante de dilemas, problemas e divergências a tua vontade prevaleça sobre a nossa. Tem piedade de nós, Senhor! Amém!
Intercessão:
Sugere-se perguntar sobre motivos de intercessão à própria comunidade reunida, pensando na reflexão que a palavra de Deus proporcionou, mas também nas angústias pessoais.
HÖRSTER, Gerhard. Introdução e Síntese do Novo Testamento. Curitiba: Editora Esperança, 1996.
KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Edições Paulinas, 1982.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).