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Proclamar Libertação – Volume 36
Prédica: 1 Tessalonicenses 4.13-18
Leituras: Daniel 12.1-3 e Marcos 5.21-24, 35-43
Autora: Odair Braun
Data Litúrgica: Dia de Finados
Data da Pregação: 02/11/2012

 

1. Introdução

No Dia de Finados, somos lembrados de que nós também vamos morrer, assim como nossos entes queridos. Por isso é um dia de reflexão, perguntas, dúvidas, saudade. Nessa ocasião, muitas perguntas vêm à mente: Será que há continuidade? O que será de nós? Como nos preparar para a eternidade? Para quem experimentou a perda de um ente querido no transcorrer do ano, essas perguntas podem estar mais presentes nesse dia. E, para essa realidade, é importante olhar para a palavra de Deus e perceber o que ela ensina.

1 Tessalonicenses 4.13-18 tem como objetivo preencher vazios, dar sentido e verdade para a vida, orientar. Por isso fala objetivamente sobre a morte e a vinda de Jesus, visando levar-nos a refletir sobre a vida e os caminhos pelos quais a conduzimos e com o que a preenchemos. Em determinado momento de sua vida de pregador, Paulo fala sobre esse tema, visando corrigir a falsidade, a mentira, o ilegal e a perversão, tal como podemos observar no texto que antecede nossa passagem, ou seja, 1 Tessalonicenses 4.1-8. Paulo fala para corrigir a vida que se desviou do caminho, que se tornou vazia, sem sentido, cheia de mentira. Fala desse tema para incentivar o seguimento a Jesus e, principalmente, para que estejamos preparados para o momento em que formos chamados por Deus.

Daniel 12.1-3 pode ser visto como o ponto alto da visão que passamos a observar no capítulo 10 desse livro. Nessa passagem, a perseguição gera sofrimento e leva à morte. Os justos são perseguidos. E, nesse contexto, deseja-se animar aqueles que resistem, bem como incentivar a fidelidade ante Deus.

O texto do Evangelho de Marcos dá a entender que Jesus é a esperança frente às dificuldades que enfrentamos na vida, principalmente quando diante da morte. Se ele tiver a chance de ser nosso guia e mestre, as pedras que se colocam no caminho serão contornadas com maior facilidade. Isso pode ser observado em vista do relato de três curas que antecedem o texto em questão. Portanto, os textos deste dia são palavras de ânimo e encorajamento para o dia a dia de dificuldades que a comunidade cristã enfrenta. Logo, são apropriados para o Dia de Finados.

 

2. Exegese

Em 1 Tessalonicenses 1.6, 2.14 e 3.3 observamos referências a tribulações. Isso parece ser uma grande moldura para o texto em questão. A tribulação era uma consequência da vivência do evangelho. O texto pode ser estruturado assim:

1 – v. 13: a questão, ou seja, os que dormem (morrem). Paulo parece ocupar-se em responder e clarear a comunidade sobre a morte que se abate sobre os humanos.

2 – v. 14: a resposta, ou seja, a fé. Parece-nos que Paulo procura mostrar e reforçar a certeza de que Jesus ressuscitou e que da mesma forma Deus poderá trazer à vida os mortos.

3 – v. 15-17: a proposta de Deus. Reforça-se a compreensão de que os mortos ressuscitarão e, em seguida, juntamente com os mortos, os vivos serão arrebatados para encontrar-se com o Senhor.

4 – v. 18: a certeza do consolo por estar com o Senhor. Portanto, Paulo fala à comunidade de Tessalônica acerca dos cristãos que antecederam na morte a vinda do Senhor. Faz isso para esclarecer e fortalecer.

Dessa forma, deduzimos que o texto visa consolar, reanimar e reavivar a comunidade cristã de Tessalônica, que, naquele momento, se encontrava angustiada em relação à morte e aos conflitos que ela fazia emergir em seu meio. O que angustiava aquela comunidade? O que nos angustia hoje? Esses são pontos importantes a serem abordados no transcorrer da pregação.

 

3. Meditação

O que Daniel quer anunciar neste Dia de Finados? Que o livro da vida continua aberto e que Deus quer inscrever todos nós nele. Mas não deseja fazê-lo se nós amarrarmos suas mãos. Quando não aceitamos que o único que nos leva à vida eterna é Jesus Cristo, que nos criou e ressuscitará no dia do juízo final, estamos engessando a ação de nosso Senhor. Aceitar o Filho de Deus significa não desistir de nossas famílias, mesmo que estejam divididas; significa optar por viver em comunidade para juntos pedir que Deus nos inscreva em seu livro que será eterno. Podemos viver ignorando isso ou não. Talvez, em momentos de perda, em que entregamos nossos queridos à sepultura, isso volte com muita força para os nossos pensamentos. E talvez nos perguntemos: Qual é o sentido da vida e da morte? Isso de fato faz parte do ser humano, e podemos perguntar. No entanto, devemos entregar as respostas a Deus e ter certeza de que a nossa vida ultrapassa a morte. Pois ele prometeu e cumprirá: “Muitos que dormem no pó despertarão: uns para a vida eterna, outros para a vergonha e a infâmia eternas”.

O texto de Daniel, escrito em estilo apocalíptico, quer orientar. Deus mostrou, por meio de visões, o que as forças do mundo podem causar e qual a força que isso pode ter sobre o povo de Israel e sobre nós. Não nos restará mais nada além do caos, da guerra e da violência? Tragédias e catástrofes são vistas, muitas vezes, como “final dos tempos”. No entanto, talvez devêssemos falar em “sinal dos tempos”, que não vivemos responsavelmente.

No entanto, nem tudo está perdido. Deus age e salva; ele dá a vida, que se sobrepõe à morte. A última visão de Daniel não é de ameaças nem de condenações; é uma revelação de conforto e de esperança para a comunidade. Deus permite que a gente olhe para dentro daquela realidade que produzimos com as nossas mãos e com o nosso estilo de vida. Creio que muitos se lembram da vinhe ta da TV Globo nos intervalos dos filmes em que as pessoas jogavam lixo pela janela, diretamente no riacho. A chuva vinha, enchia o riacho e devolvia todo o lixo. É mais ou menos assim com tudo. O texto de Daniel não é só desesperança. Ela também permite ver a vontade de Deus, que é a salvação.

A grande angústia descrita por Daniel inaugura o tempo da salvação. Deus não quer condenar, ele quer arrancar do caminho da perdição; ele quer escrever o nosso nome no livro da vida, e estando no livro da vida, pertenceremos à vida eterna. Estar no livro da vida significa estar guardado para Deus. Mas quem, afinal, terá o seu nome escrito no livro da vida? Conforme Daniel 12.3: “Os sábios brilharão como brilha o firmamento, e os que ensinam a muitos a justiça brilharão para sempre como estrelas”. Para Daniel, estarão inscritos no livro da vida os sábios e aqueles que ensinam a justiça. Mas quem são os sábios? Quem ensina a justiça?

Sábios são aqueles que se comprometem com o criador e salvador da vida. Justos são aqueles que não permanecem pacíficos diante do sofrimento do próximo, aqueles que se solidarizam com a angústia e o sofrimento de seu semelhante. Quem pratica a justiça? Quem não se omite, mas luta para ser ajudante do Deus criador e não aquele que, qual a vinheta da Globo, joga o lixo no riacho e não aceita o que o riacho (a vida) devolve e, muitas vezes, devolve para outros que moram nas barrancas do rio. Sábio é aquele que se liga a uma comunidade e vive nela até mesmo as contradições e os erros, para reconstruir toda a sua vida. Sendo assim, fome, catástrofes, guerras, enchentes não são o final dos tempos. Mas é sinal de um tempo vivido em função do lucro, da ganância, da guerra provocada por intolerância; sinal dos tempos vividos com a falta de diálogo, de bondade e misericórdia. Por isso, no Dia de Finados, somos desafiados a pensar e analisar a vida que levamos e as prioridades que definimos, o modo como nos portamos diante dos desafios que o dia a dia impõe.

Nesse sentido, os textos deste dia indicam aspectos importantes. Vejamos:

a) Abandonar a mentira, o roubo, a desconfiança;

b) Optar incondicionalmente pela honestidade em todas as situações;

c) Abandonar o individualismo e optar pela vida em comunidade;

d) Viver para estar preparado para o dia em que o Senhor chamar para junto de si.

Em 1 Tessalonicenses 4.1-8, Paulo expõe aquilo que agrada a Deus: a nossa santificação. Ele chama e exorta para o amor fraternal. Ele não deixa de falar sobre a morte, tida por nós como a única certeza que temos. É importante observar que a palavra santificação inclui a palavra ação, ou seja, aponta para um processo e não somente um estado fixo. E tudo decorre disso. Santificação é um constante acontecer, um processo que se vive todos os dias. Santificar-se é deixar Deus atuar em nós e por nós. Deus não nos quer como uma fotografia. Essa já não pode mais ser transformada. Mas Deus nos quer transformar por meio de seu amor e pela ação do Espírito Santo. Deus aceita-nos assim como somos, mas não nos deixa como a ele chegamos. Ele quer que nos entreguemos e andemos em sua companhia e proteção. Ser santo não é uma categoria para chegar ao ponto mais alto do ser cristão. Mas é pertencer a Deus, entregar-se a ele, é viver sob seus ensinamentos e deixar-se moldar por Ele, como barro na mão do oleiro. Agir para estar preparado para o dia em que o Senhor no chamar é deixar-se conduzir por esse caminho.

A nossa santificação provém da santidade de Deus. Tornar-se santo é um presente que Deus nos oferece por meio do Batismo e da Santa Ceia. Um presente é aceito ou é rejeitado. Quando aceito, é aberto, desembrulhado e então passa a fazer parte de nosso dia a dia, passa a ser utilizado. Aceitar o pressente da santificação é viver de acordo com a vontade de Deus. Afinal, Deus nos quer cada vez mais próximos dele. Não sejamos nós pessoas vazias, ocas, santificadas apenas na aparência. Sejamos santos que não sucumbem às armadilhas que o mundo coloca. Sejamos santos que não ofendem nosso corpo nem o de nosso próximo. Sejamos santos santificados pelo Espírito do Senhor, que nos deu a vida plena, digna e abundante. Frente a tudo isso, Jesus é a nossa maior esperança. Assim como ele acompanhou Jairo (Mc 5.24), ele também nos acompanha.

 

4. Imagens para a prédica

Uma significativa ilustração para a mensagem do dia pode ser a explicação da origem do termo muito comumente empregado em nosso meio, ou seja, o que significa e de onde vem a afirmação “santo do pau oco”. Em determinadas situações, é comum ouvir a expressão “santo do pau oco”. Geralmente, ouvimos essa expressão quando se quer apontar para uma pessoa que age de uma forma, mas na aparência se apresenta de outra. Essa expressão surgiu em Minas Gerais nos tempos em que lá se produzia muito ouro. Houve uma época em que cada dono de mina levava o ouro para Portugal sem nenhum controle por parte do governo imperial. Em determinado momento, foi baixada uma lei que proibia isso. Tal como se faz hoje, encontrou-se uma forma de fazer o contrabando do ouro. A saída encontrada foi esculpir estátuas de santos em madeira, as quais eram vazias por dentro. Esse vazio era então preenchido com certa quantidade de ouro. Ou seja, utilizava-se a imagem de um santo para uma mentira, para algo falso e ilegal.

Em torno dessa imagem pode ser construída a pregação, desenvolvendo o seu conteúdo em torno do significado de ser santo/santificado. Essa construção deve ser desenvolvida na perspectiva do que iremos alcançar por meio do seguimento aos ensinamentos de Jesus, finalizando que a santificação, o andar na verdade e na justiça, irá coroar-nos com a vida eterna, tema maior a ser lembrado no Dia de Finados. Para tanto, é importante perpassar a pregação com o versículo que diz: “Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus, mediante Jesus, trará, em sua companhia, os que dormem” (v. 14).

 

5. Subsídios litúrgicos

Acolhida:

Chegamos da vida, do cotidiano. Nesse cotidiano, festejamos, trabalhamos, temos alegrias e tristezas. Nesse cotidiano, sofremos e perdemos pessoas queridas. Com as alegrias e as dores da vida diária, reunimo-nos para o culto deste Dia de Finados. Por isso saúdo-vos com as palavras do profeta Isaías, que nos diz: “Fortalecei as mãos frouxas e firmai os joelhos vacilantes. Dizei aos desalentados de coração: Sede fortes, não temais. Eis o vosso Deus… ele vem e vos salvará” (Is 35.3-4).

Confissão de pecados:

Nosso Deus e Pai, em tua presença confessamos nossos pecados. Perdão, Senhor, pelas vezes em que duvidamos de teu amor por nós e pelas vezes em que não damos a devida atenção aos teus ensinamentos. Na tua presença, Senhor, confessamos que, às vezes, nos omitimos diante de situações que exigem nossa ação e intervenção. Perdoa-nos pelas vezes em que nos afastamos de ti e insistimos em caminhar conforme os nossos desejos. Deus Eterno, perdoa-nos pelas vezes em que nos tornamos vazios e distantes dos desejos que tens para conosco. Concede-nos o teu perdão por todas as vezes que pecamos por meio de gestos, palavras e omissões. Renova-nos por meio de teu Santo Espírito, para que possamos caminhar na direção de teu Reino, renovados e confiantes. Por isso cantamos…

Absolvição:

Jesus Cristo nos diz: “Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei”. Com essas palavras anuncio-vos o perdão de vossos pecados, a renovação de vossas vidas. Amém!

Oração do dia:

Misericordioso Deus! Somos-te gratos e te louvamos por mais um dia de vida. Obrigado pela noite de descanso com a tua bênção. Obrigado por este dia em que podemos nos congregar aqui nesta comunidade como tua comunidade, para lembrar nossos irmãos e irmãs que nos antecederam na morte. Embora estejamos tristes, agradecemos porque, ao longo de mais um ano, o teu consolo preencheu o vazio deixado por nossos entes queridos aqui sepultados. Inspira-nos, Senhor, por meio do Espírito Santo Consolador, para viver na prática aquilo que cremos em palavras e que assim este momento seja uma oportunidade de testemunhar publicamente a nossa fé na ressurreição e reforçar a esperança para além dessa vida marcada pela morte. Nossas palavras não são suficientes para tal finalidade. Por isso, permite agora que silenciemos para ouvir a tua palavra, pois somente de ti e de tua palavra vem o único e verdadeiro consolo. Que ela encontre solo fértil para frutificar. Que por intermédio de nós essa tua palavra espalhe a fé de que todas as formas de morte não conseguem subsistir diante de teu poder que consola e gera vida nova. Por Jesus Cristo, que vive e reina de eternidade a eternidade. Amém.

 

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Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).