Proclamar Libertação – Volume 37
Prédica: 2 Reis 2.9-18
Leituras: Mateus 28.16-20 e Apocalipse 1.4-8
Autor: Pedro Kalmbach
Data Litúrgica: Ascensão do Senhor
Data da Pregação: 12/05/2013
Conforme 2 Reis 2.13, Eliseu pegou a capa que Elias deixou cair e foi para as bandas do rio Jordão. Com essa capa Eliseu podia separar as águas do Jordão, e com ela os filhos dos profetas sabiam que o espírito de Elias repousava sobre Eliseu. A capa de Elias, recolhida por Eliseu, era o sinal da presença de Javé em meio a seu povo por intermédio do profeta, o sinal de que Javé não abandona o seu povo com a partida do profeta Elias. Os outros textos – Mateus 28.16-20 e Apocalipse 1.4-8 – também falam da presença de Deus em meio aos seus. Segundo Mateus 28, antes de Jesus partir, ele promete sua presença até o fim do mu que em meio às dificuldades da vida, no confronto com as potências totalitárias, os cristãos de todos os tempos sabem que podem fundamentar sua fé e certeza em Deus, que é o único Senhor, em seu Filho que nos ama e que nos salvou, e em seu Espírito.
Em primeiro lugar, os profetas surgem no norte como autênticos defensores do Javismo. Dessa maneira aparece Elias (o ciclo de Elias encontra-se em 1 Reis 17 até 2 Reis 2) como o grande defensor do Javismo diante da infiltração cananeia, que aconteceu por intermédio de Jezabel, esposa do rei Acabe, e da mesma presença cananeia que data desde a época de Salomão. Por causa da idolatria, Elias anunciou uma grande seca (1Rs 17); enfrentou os profetas de Baal, o deus cananeu (1Rs 18.20-46); fugiu perseguido por Jezabel (1Rs 19). Elias opôs-se aos reis e à monarquia em geral por sua tendência a ser sacralizada e por substituir Javé.
O ciclo de Eliseu pode ser encontrado em 2 Reis 2-13. Sua atuação profética coincidiu com os últimos anos do reinado de Acabe e prolongou-se até os primeiros anos do governo de Joás. Eliseu viveu no século IX a.C. (850-800 a.C.) e era oriundo do território de Issacar ou de Rúben (Transjordânia). Seu ministério começou quando foi ungido por Elias, que lhe jogou a sua capa em cima, o que simboliza a transmissão de poderes (de uma dupla dose de espírito). Aparentemente, Eliseu atuou como profeta no vale do rio Jordão, Samaria, Damasco e Transjordânia. A narrativa fala de diversos milagres feitos por Eliseu, que mostravam o poder de Javé: o azeite da viúva (4.1-7), a ressurreição do filho da sunamita (4.8-37), a sopa envenenada (4.38-41) etc. Esses relatos querem mostrar que Deus é quem guia a história e que seus profetas são seus porta-vozes e assinalam o caminho, o rumo espiritual, social e político que deve seguir o povo. À diferença de Elias, Eliseu contou com o favor da casa real e da simpatia do rei quando Joás estava no trono.
O texto narra a transição do ministério profético de Elias ao ministério de Eliseu.
V. 9-15 – Antes de partir, Elias oferece a Eliseu a possibilidade de realizar um pedido, e Eliseu pede que lhe deixe uma dupla porção de seu espírito. Esse pedido corresponde à tradição judaica segundo a qual o filho mais velho tinha o direito de ter uma dupla porção da herança paterna. Com esse pedido Eliseu mostra que deseja ser o sucessor de Elias. Havendo partido Elias, Eliseu tomou sua capa e utilizou-a para dividir as águas do rio Jordão. Ao ver isso, os filhos dos profetas souberam que o espírito de Elias repousava sobre Eliseu. Eliseu permaneceu com essa capa. O fogo (2.11) é um elemento que também está presente em outras manifestações de Deus: Êxodo 3.1-6 (a sarça ardente, o chamamento de Moisés); Êxodo 19.16-18 – na ocasião do pacto do Sinai. Ao ver Elias partir num carro de fogo, Eliseu exclamou: “Pai meu! Pai meu! Carro de Israel e sua cavalaria!” (2.12). Ao usar essa expressão, referindo-se a Elias, Eliseu assinala que o homem decisivo para o povo de Israel era Elias, cujo poder dado por Deus era maior do que o poder do rei e sua cavalaria. Eliseu dirige-se a Elias, chamando-o de “pai”, que indica que se sente ligado e dependente de Elias.
V. 16-18 – Os filhos dos profetas insistem em buscar Elias, mas não o encontram, pois ele já não é mais deste mundo. Seu destino é um mistério. Malaquias (3.22s) anuncia seu regresso. Jesus explica que, na pessoa de João Batista, Elias já veio (Mt 11.7-13; Mt 17.1-13; Mc 9.2-13). Existe uma continuidade histórica entre esse relato da transição do ministério profético (2 Rs 2.1-18) com a recordação dos líderes anteriores Moisés e Josué. Jericó é a cidade a que chegam os hebreus guiados por Josué depois de passar o rio Jordão e depois de haver celebrado a Páscoa em Gilgal (Js 2.6). Elias, assim como Josué (Js 3), divide em dois o rio Jordão para cruzá-lo em seco com Eliseu, mas o faz em sentido inverso: da Cisjordânia até a Transjordânia. Também Eliseu o faz no seu regresso.
O texto narra a transição do ministério profético de Elias ao ministério de Eliseu, recordando que já nos tempos do antigo povo de Deus eram necessárias trocas de geração nos líderes. Josué sucede a Moisés, Davi sucede a Saul, Salomão a seu pai Davi, Eliseu – como vimos – a Elias; logo seguem outros profetas como Amós, Oseias, Isaías, Jeremias etc. Assim o próprio Jesus previu desde cedo que não iria estar para sempre e buscou no início de seu ministério colaboradores a seu lado. Diversas passagens do Novo Testamento assinalam que ele recomendou aos seus seguirem com sua missão de anunciar e fazer presente o reino de Deus (Mt 28.16-20 e paralelos; At 1.6-11). Para o desempenho da tarefa encomendada, Eliseu recebe uma dupla porção do Espírito de Elias, os discípulos recebem a promessa de que o Senhor estará com eles até o fim do mundo (Mt 28.20).
Creio que é importante levar em conta que o texto de Isaías 56.1,6-8 trata diretamente do problema da exclusão/discriminação do eunuco e do estrangeiro. Se falássemos hoje sobre grupos e pessoas excluídas das celebrações e demais atividades em nossas comunidades, suspeito que a lista seria extensa. Cada um e cada comunidade poderia fazer um exercício de sinceridade. Quais são as pessoas e os grupos excluídos hoje em nossa sociedade? Eles estão integrados na vida da comunidade cristã? Vale, por exemplo, tão somente analisar a situação das pessoas com deficiência. Seguramente haveria pessoas excluídas por sua condição social, por sua origem étnica e cultural, por sua orientação sexual, por sofrer alguma deficiência (deficiência física, psíquica etc.), por sua idade, por sua ideologia etc.
É interessante assinalar que o v. 1, que fala sobre a necessidade de praticar a justiça e guardar o direito, introduz a nova legislação, que rompe com as tradicionais, de exclusão. A salvação do Senhor está perto, e a comunidade deve preparar-se para isso em seu aspecto ético e social. Dessa preparação faz parte a prática inclusiva/integradora. O profeta assinala que a palavra de Deus exorta todas as pessoas que querem participar de seu povo a praticar a justiça (v. 1), para impedir a mão de fazer o mal (v. 2). Esses preceitos valem para todos igualmente.
Para nosso contexto social e econômico, no qual o consumismo passou a ser o que rege as relações humanas e determina as decisões e a atuação de milhões de pessoas e de muitos governos, no qual segue aumentando a miséria econômico-social-cultural-educativa, as palavras do profeta são um lúcido chamado de atenção de que Deus espera de seu povo uma vida que se empenha pela justiça, pelo direito. Os critérios de inclusão, que deveriam ser característicos das pessoas que desejam ser seu povo (as pessoas cristãs), não têm que ver com a condição social, cultural, étnica, de gênero, pelo poder do consumo, mas exclusivamente com buscar o direito, praticar a justiça e evitar fazer o mal. Aqui valem as perguntas: Quais são as situações em que estão ausentes a justiça e a prática do bem hoje no contexto em que se encontra nossa comunidade? Em que medida nossa comunidade empenha-se em trabalhar pela justiça e pela prática do bem –justamente ali onde faltam? Em que medida nossas comunidades são espaços nos quais se estimulam as pessoas que se dizem cristãs a buscar a justiça e o bem?
Dois temas ou assuntos podem resultar a partir do texto: a inclusão /integração e a prática da justiça e do bem. Proponho trabalhar o primeiro deles. Poderia resultar interessante trabalhar o tema nos diferentes grupos da comunidade (jovens, mulheres, catequese, confirmandos) uma ou duas semanas antes do culto. Quais pessoas são excluídas, sofrem discriminação na sociedade e especificamente na comunidade? Os resultados, as observações, as produções dos grupos seguramente serão uma importante contribuição para o culto e para a pregação (por exemplo: quadros, fotos e cartazes de pessoas excluídas da sociedade, da comunidade, dos cultos; uma situação de exclusão dramatizada por jovens/mulheres/ crianças ou outro grupo). A pergunta é como se posiciona a comunidade diante da realidade de exclusão na sociedade e diante da exclusão existente no seio da própria comunidade, por exemplo no culto (a exclusão “indireta” do culto comunitário – existente em muitos lugares – das crianças, dos jovens; exclusão direta de pessoas com deficiência). Quais são os desafios que a palavra de Deus traz e que ações e mudanças concretas podem ser feitas?
Creio em ti
Creio em ti porque tu me criaste,
porque apesar de minhas imperfeições me queres
tal como fui, tal como sou.
Creio em ti porque te encarnaste, vieste até nós
para mostrar que cada pessoa, sem importar sua condição,
sem importar sua cor, sem importar seu idioma,
sem importar suas limitações, sem importar suas imperfeições,
é importante para ti.
Creio em ti porque me queres,
porque queres aquele que está ao meu lado,
ao que está abandonado,
porque queres aquele que outros rechaçam,
e sempre de novo nos animas a seguir-te, me animas a seguir-te.
Creio em ti porque esse é o milagre,
incrível, mas certo;
porque somente Deus pode amar-nos e amar-me assim,
porque somente ele pode perdoar-nos e perdoar-me,
como somos, como sou; como fomos, como fui.
Creio em ti porque por teu amor cheguei ao amor de outras pessoas,
porque por teu amor cheguei a amar a quem eu não queria,
a quem eu rechaçava.
Creio em ti.
Amém.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).