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Prédica: João 11.1,3,17-27
Autor: Breno Dietrich
Data Litúrgica: 16º Domingo após Trindade
Data da Pregação: 29/09/1977
Proclamar Libertação – Volume: II


I – Contexto

O capítulo 11 é uma unidade. O certo seria tomar todo o capítulo como texto de prédica. Martin Lutero o fez duas vezes. Mas ele mesmo disse: es ist viel drin, das auf ein predigt nicht sagen lesst. Por isso precisamos delimitar o texto. Na delimitação do texto já estamos constituindo o seu escopo, a sua mensagem.

O texto em questão é um resumo do capítulo 11. Na prédica não podemos, no entanto, perder o sentido do capítulo todo. Uma meditação sobre o capítulo todo é importante na preparação da prédica. O cerne do texto está nos versículos 25-26.

II – Exegese e comentários

v. l – O tis é indefinido e poderia ser traduzido como um certo Lázaro; o autor do texto queria simplesmente dizer que alguém estava doente. Este alguém, porém, prestes a morrer, era fiel a Jesus. Disto concluímos que também o discípulo, o membro mais fiel da Igreja pode entrar numa situação semelhante. Isto mostra que a fé, a fidelidade a Cristo não é uma garantia automática para o nosso viver. A fé nos dá, isto sim, uma nova visão da vida e não, a priori, segurança física e material. Este exemplo poderia ser exemplificado um pouco mais na prédica.

v. 3 – As irmãs de Lázaro notificam Jesus da situação em casa. Esta notificação é um chamado: Jesus, vem depressa! As duas irmãs apelam ao amor que Jesus tem por Lázaro e não vice-versa. Aqui pode surgir um perigo para a interpretação do texto. O amor de Jesus é universal (Jo 3.16). Jesus ama a todos. Ele não tem preferências. Todos devem ser salvos e chegar ao pleno conhecimento da verdade. O amor de Cristo dirige-se ao indivíduo sem distinção.

Na prédica deve transparecer claramente a pergunta que muitos cristãos fazem quando sofrem os golpes da vida: por quê? O pregador não pode silenciar sobre este aspecto. O pregador não pode dizer: isto é falta de fé. Uma tal resposta seria fuga. A doença e a morte de Lázaro têm uma finalidade. A doença e a morte de Lázaro querem levar a Jesus, ao escopo do texto.

v. 17 – Jesus não atendeu o chamado das duas irmãs. A doença levou Lázaro a morte. Jesus estava perto de Betânia, meia hora a pé. Jesus deixou Lázaro morrer. Lázaro foi sepultado. Estava já quatro dias na sepultura e cheirava mal. No quarto dia não havia mais esperança. Três dias após a morte havia ainda uma leve esperança de retornar à vida, conforme compreensão judaica. Agora é tarde demais.

v. 19 – Muitos vieram consolar Marta e Maria. Aqui temos a história dos consoladores baratos. Esse consolo de nada adianta, pois não muda a situação. Aqui o pregador pode alertar os consoladores tradicionais para que o seu consolo não seja vazio. Acentuar o aspecto da solidariedade humana (Gl 6.2).

v.20 – Jesus vem! A vinda de Jesus faz com que a história não termine com o sofrimento. O chamado das irmãs não garantiu a vinda de Jesus. Até mesmo a fé não prende Jesus a nós. Jesus vem por si, na hora que lhe convém. Conclusão: não é a fé que faz vir Jesus; mas a vinda de Jesus renova e desperta a fé. A verdade de Cristo é verdade para a fé; a verdade de Cristo constitui o conteúdo da fé. A verdade não é uma decorrência da fé separada de Cristo. Cristo é o autor e o conteúdo da fé.

Na prédica não há lugar para explorar a diferença entre Marta e Maria. Uma vai ao encontro de Jesus e a outra fica sentada dentro de casa. Isto não é decisivo em nosso texto. Decisiva é a palavra e a ação de Jesus.

v.21 – Neste versículo Marta praticamente acusou Jesus: onde estiveste quando mais precisávamos de ti? Marta manifesta uma fé bastante crítica e agressiva. Marta não estava enclausurada no seu por quê e disposta a sucumbir. Marta não estava presa na sua lamentação. Ela não estava acomodada e conformada. A sua fé estava em polvorosa. Ela não expressa nenhum pedido diretamente.

v.22 – Aqui a criticidade de Marta diminui um pouco. Marta ameniza a situação. Ela faz um pedido muito vago. Ela não se explica. Mas se algo acontecer então ela o atribui ao poder da oração e não diretamente a Jesus. Ela está decepcionada com Jesus.

vv. 23~24 – Jesus diz que Lázaro ressuscitara, Marta, por sua vez, traz à tona os seus conhecimentos sobre a ressurreição. Nisto ela crê. O que Jesus diz não encerra aparentemente nenhuma novidade. Os outros consoladores já haviam dito o mesmo. Os mestres da religião já o haviam ensinado.

Isto acontece ainda hoje: nós ficamos presos na nossa fé, nos nossos conhecimentos e conceitos e não deixamos as palavras de Jesus valer para o nosso viver diário. Assim temos a tendência de solidificar a nossa fé cada vez mais, Por isso somos muitas vezes como Lázaro: nossa fé tem cheiro de mofo, de podridão. O pregador precisa insistir no redescobrimento e na renovação da fé.

vv. 25-26 Trata-se aqui do cerne, do alvo do texto e do capítulo todo. Essa colocação de Jesus rompe com todos os conceitos e regula fidei. Os ego eimi são expressões cristológicas e sob este ângulo precisam ser interpretadas. Tudo está concentrado em Jesus, Ele mesmo e a fé, ele é a vida, ele é a ressurreição. Dádiva e doador são inseparáveis.

Com estas palavras dos vv.25-26 Jesus derruba todas as fórmulas e conceitos de Deus; Jesus derruba os deuses e princípios humanos. O pregador deve ver onde na sua comunidade estão estes deuses e princípios enraizados e como eles se manifestam e impedem uma vida de comunhão. Esses deuses e princípios devem ser contrastados com o ego eimi dos vv.25-26. A essas alturas podem ser explorados os aspectos da doença, morte, poderes escravizantes, tendências absolutistas que influenciam e prejudicam a communio sanctorum. Cristo precisa ser proclamado como Senhor.

Este Senhor não dá apenas contentamento e satisfação das necessidades; ele não afasta apenas as preocupações do homem; ele não atende apenas vontades, desejos e aspirações humanas. Jesus vai muito além das necessidades, anseios e dor dos homens. Cristo torna as suas dádivas reais.

O homem sempre sonha encontrar a vida, mesmo diante da realidade da morte. Mas somente em Jesus há verdadeira vida. Quem crê e aceita isto, este é libertado do poder da morte. Onde a fé começa a cair, a desmoronar, ali Cristo cria uma nova fé. A verdadeira vida já é concedida agora. Vida verdadeira acontece ali onde irrompe o mundo de Deus. Este mundo de Deus já está em andamento, em formação, através de Cristo, que faz novas todas as cousas.

Os vv.25-26 não podem ser divididos como se se referissem à vida antes e após a morte terrena. O que chamamos de vida, ganha, em Cristo, já agora, um significado totalmente novo.

v.27 – Marta é colocada diante da pergunta: crês isto? Jesus não pergunta se isto se enquadra ou não nos seus esquemas de pensamento, conhecimento e fé. Marta é convidada e desafiada a romper os limites de sua fé. A resposta de Marta é uma autêntica manifestação da fé renovada, pois ela não discorre sobre a vida, nem sobre si mesma, mas aponta diretamente para o tu, para a fonte da fé, para Jesus: tu és o Cristo…

A pergunta pela fé – crês isto – sempre de novo precisa ser feita. Na colocação desta pergunta não pode ser ignorado o contexto no qual vive o crente. Sempre de novo precisamos também arriscar uma resposta. A resposta, porém, deve ser contextual e vivencial, não podendo ser uma mera repetição ou cópia da resposta de Marta. Precisamos evitar, a todo o custo, respostas pré-fabricadas.

Muitas vezes a realidade da doença e da morte aparenta ser mais forte do que a promessa da ressurreição e da nova vida em Cristo. A doença e a morte tendem a encobrir a fé. Por isso muitas vezes não podemos esperar outra resposta do que esta: ajuda-me na minha falta de fé. A prédica precisa trazer este aspecto; também a fé fraca e vacilante é desafiada e motivada para uma renovação.

III – Sugestões para a prédica

Na elaboração da prédica podemos seguir a ordem dos versículos. Na explanação, versículo por versículo, chegaremos ao alvo, ao escopo do texto. Podemos acentuar os seguintes aspectos:

– as irmãs comunicam a Jesus o estado de Lázaro;
– as irmãs esperam que Jesus atenda ao chamado;
– o amor de Cristo é universal;
– Jesus estava perto de Betânia (em Jerusalém);
– Lázaro, na ausência (abandono?) de Jesus, morre;
– quando Jesus chega, Lázaro está sepultado há quatro dias;
– é tarde demais;
– a casa das duas irmãs estava cheia de gente: consoladores ;
– decepção de Marta; Jesus falhou;
– Marta estava presa à presença física de Jesus; não conseguia, crer sem ver e sentir Jesus por perto;
– Jesus não é pronto-socorro nem quebra-galho;
– Marta crê no poder da oração;
– Marta não entende a profundidade das palavras de Jesus: teu irmão vai ressuscitar; sua fé é limitada e está presa aos conceitos e conhecimentos ministrados pela religião judaica ;
– Jesus desmascara a tradição religiosa;
corrige, renova e aprofunda a fé de Marta; se manifesta como Cristo, o filho de Deus (25-26);
– Jesus rompe com os princípios e dogmas religiosos;
– Jesus nossa vida presente e futura se decide em Cristo,,
– a ressurreição futura já está presente: hic et munc!
– para o crente, a morte não é um desastre;
– Cristo liberta do pecado e da morte;
– para ressuscitar precisamos antes morrer;
– a ressurreição é um processo que se realiza tanto a curto como a longo prazo;
– precisamos passar pelo processo de renovação como Marta;
– crês isto?