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Prédica: Isaías 52.13-53.12
Autor: Baldur van Kaick
Data Litúrgica: Sexta-feira Santa
Data da Pregação: 04/04/1980
Proclamar Libertação – Volume: V


I – O texto

52.13: Eis que o meu servo será bem sucedido,
será exaltado e elevado, será mui sublime.

14: Assim como (antes) muitos se horrorizaram à vista dele,
– tão desfigurada e desumana era a sua aparência,
seu aspecto não era mais como de homens – ,

15: assim (agora) muitas nações ficarão pasmadas à vista dele, reis se calarão,
pois o que nunca lhes fora dito vêem
e o que nunca ouviram percebem.

53.1: Quem creu em nossa pregação?
A quem foi revelado o braço de Javé?

2: Ele cresceu como um rebento perante Ele
e como uma raiz de terra árida.
Ele não tinha aparência nem formosura
de modo que reparássemos nele;
não havia semblante que cobiçássemos.

3: Desprezado e abandonado por homens,
um homem de dores, humilhado por enfermidades.
Como alguém diante de quem se cobre o rosto,
desprezado – não fazíamos caso dele.

4: As nossas enfermidades, porém, – ele as carregou, e as nossas dores – ele as tomou sobre si. Mas nós o considerávamos um marcado, alguém ferido e humilhado por Deus.

5: Mas ele fora trespassado por causa de nossos pecados, moído por causa de nossa culpa.
Castigo, que nos trouxe a salvação, estava sobre ele, e recebemos cura através de seus vergões.

6: Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas, cada um de nós seguindo o seu caminho.

Mas Javé fez recair sobre ele a culpa de todos nós.

7: Maltratado, padeceu em humildade,
e não abriu a sua boca,
como um cordeiro que é conduzido ao matadouro,
como uma ovelha perante os seus tosquiadores
– ela cala e não abre a boca.

8: De prisão e juízo foi arrebatado,
e quem se importa com sua estirpe?
Pois foi cortado da terra dos viventes,
atingido de morte por causa de nossos pecados.

9: Sua sepultura lhe foi dada ao lado de malfeitores,
e seu túmulo junto a perversos,
posto que nunca cometeu injustiça
e dolo algum se encontrou em sua boca.

10: Mas Javé achou prazer em seu esmagado,
curou aquele que deu sua vida em oferta pela culpa.

Ele verá posteridade, prolongará os seus dias,

e o que a Javé agradar, acontecerá através dele.

11a: Após sua vida penosa ele verá luz, se satisfará…

l1b:Como justo meu servo prevalecerá frente a muitos, pois ele levou os seus pecados.

12: Por isso lhe darei parte entre os grandes, e com os poderosos dividirá a presa.

Pois ele derramou a sua vida na morte e permitiu que fosse contado entre os transgressores.
Mas ele carregou os pecados de muitos e intercedeu pelos malfeitores.


II – Considerações exegéticas

A perícope escolhida para a Sexta-feira Santa contém o quarto hino do Servo Sofredor. A estrutura do texto é a seguinte: no centro está o relato de um grupo sobre o Servo (53.1-11a); antes e depois, como moldura, estão revelações de Javé acerca do Servo (52.13-15;53.11b-12).

Vejamos as palavras de Javé que precedem o relato do grupo.

Deus revela que o seu servo será bem sucedido (52.13-15).

A tradução de Almeida (o meu servo procederá com prudência) é possível, mas a versão será bem sucedido (cf. Js 1.8) combina melhor com o conteúdo do hino. O v.13b explica em que consiste o sucesso do Servo: ele será exaltado! Ao espanto diante do sofrimento desumano do Servo (v.14) corresponde a admiração diante de sua exaltação (v.15). A exaltação do Servo é um acontecimento sem par (v.15b) e percebido com pasmo nas distâncias (nações) e alturas (reis) da humanidade (Westermann, p.209).

O sofrimento e a salvação do Servo: um relato grupal (53.1-11a).

Quem faz uso da palavra agora é um grupo de pessoas que assistiu à transformação do Servo Sofredor, mencionada em 52.14-15. O relato deste grupo tem duas partes.

O tema da primeira parte (vv.2-9) é o sofrimento do Servo O v.1 a mostra que o assombro (52.15) também toma conta daqueles que ouvem o anúncio da exaltação do Servo Sofredor.

O sofrimento acompanhou o Servo desde a infância. Como a um rebento que cresce em terra árida falta seiva para se desenvolver, ao Servo já na mocidade faltaram forças para crescer. Ele não tinha formosura. Formosura faz parte da bênção de Deus (Wester-mann, p.211). Cf. 1 Sm 16,18 – Davi era formoso. Nada indicava portanto que o Servo era uma pessoa abençoada.

O v.3 menciona os primeiros golpes sofridos pelo Servo. Enfermidades é linguagem dos salmos; não é possível tirar conclusões deste termo quanto a uma doença específica do Servo (lepra, por exemplo, como querem alguns). O versículo lembra ainda a consequência dos primeiros golpes sofridos pelo Servo: ele era desprezado por todos.

No v.4 o relato do grupo se transforma em confissão. O grupo interpreta os sofrimentos do Servo da mesma maneira que os amigos de Jó interpretaram os golpes sofridos: como humilhação da parte de Deus (v.4b). Mas o grupo compreendeu posteriormente que a causa dos sofrimentos do Servo era outra: ele estava carregando as nossas enfermidades (v.4a). O v.5 mostra, além disso, que o Servo assumiu culpa e castigo alheios.

O fruto do sofrimento vicário é a cura (v.5b), que engloba o perdão e a libertação de castigo e sofrimentos.

A confissão deste grupo fala, portanto, de um sofrimento vicário do Servo, que – conforme os vv.2-3 – era pessoa insignificante e desprezada.

A confissão não relata como o grupo chegou a esta descoberta, mas o v.6 dá a entender que ocorreu uma transformação com os membros do grupo. De repente eles compreenderam que eram eles os desgarrados, e não o Servo (v.4b), e que era a culpa deles que o Servo estava carregando, e que através do seu sofrimento vicário eles tinham paz (v.5b).

Os vv.7-9 retomam o relato dos vv.2-3. Pela primeira vez ouvimos que o Servo também sofreu violência física (v.7a). O v.8a aponta para uma ação judicial contra o Servo. Ninguém o defendeu nesta situação.

O sofrimento do Servo é, pois, sofrimento causado por enfermidades (vv.3-5) e por perseguição.

O sofrimento culmina com a morte (v.8b) e o sepultamento do Servo (v.9a). Ele foi sepultado junto a malfeitores. Até o fim, o desprezo por ele foi total. Também a morte do Servo é interpretada como morte vicária (v.8b).

O tema da segunda parte do relato grupal(vv. 10-11 b) é a salvação do Servo.

Javé sempre tinha estado com o Servo (seu esmagado, v.10a). As expressões achou prazer e curou falam do agir de Javé; depois de morto, Javé revigorou o seu Servo. Como ocorreu a exaltação, no entanto, é acontecimento indescritível. Ele verá posteridade, prolongará os seus dias e ele verá luz, se satisfará apontam para a nova vida recebida pelo Servo através do agir de Javé: é vida plena, vida abundante, vida feliz. A parte final do v.11a não é mais reconstruível.

Conclusão das revelações de Javé acerca de seu Servo (vv.11b-12).

A tradução do v.11b é controvertida. Westermann sugere traduzir como justo meu Servo prevalecerá frente a muitos. O versículo exprime, então a reabilitação do Servo, sua honra é restabelecida (Westermann, p.216).

Agora o Servo recebe o que antes lhe fora negado: bens em abundância (v.12a). O v.12b sublinha mais uma vez em que consiste a obra do Servo: ele atraiu sobre si os pecados de muitos e o castigo merecido pelos pecados. Sofrimento e morte do Servo são sofrimento e morte vicários.

A intercessão mencionada é mais do que petição: o Servo assumiu o lugar dos malfeitores e sofreu em lugar deles o castigo que mereciam.

III – Considerações homiléticas

Duas observações, uma a respeito do estilo da perícope, outra a respeito da pessoa do Servo, são importantes para a pregação a partir deste texto.

1. O estilo da perícope

Trata-se de estilo narrativo (53.2-3,7-9), de confissão (53.4-6) e de revelação (53.13-15; 53.1lb-12). A parte em estilo narrativo descreve o sofrimento do Servo. Ela mostra que todo o sofrimento é ambíguo, aberto a todo tipo de interpretação (cf. Josuttis, p.122ss). O próprio grupo pensou que o Servo estava sofrendo merecidamente (53.4b). A parte em estilo de confissão mostra que aqui aconteceram sofrimento e morte vicários. Mas o caráter confessional desta parte também mostra que o que temos aqui é uma afirmação de fé. Que o sofrimento deste Servo seja vicário, é uma afirmação de fé; não é visível nem comprovável. A parte em estilo de revelação deixa claro que esta confissão é fruto do falar de Deus. Porque Deus revela o que aconteceu na vida e morte do Servo, por isso há confissão, por isso nasce a fé.

2. Quem é o Servo?

A respeito do Servo existe consenso entre os exegetas: o texto não permite identificá-lo com nenhuma pessoa histórica do tempo do profeta. Como nenhum outro texto do AT, este texto está aberto para o futuro – para Jesus Cristo. Foi assim que a primeira cristandade também o interpretou (cf. At 8.28ss). Os primeiros cristãos inclusive fizeram uso dessas palavras para exprimir o significado salvífico da obra de Cristo. O texto aponta, pois, para Jesus Cristo e quer interpretar sua vida e morte.

A partir destas duas observações, a pregação poderá desenvolver os seguintes tópicos:

1. O sofrimento pode ser interpretado de diversas maneiras. Também o grupo que fala do Servo, nesta visão do profeta, interpretou seu sofrimento à sua maneira. O sofrimento é ambíguo. Por que alguém sofre? (Por que sofrem as crianças carentes? -também o Servo foi uma criança carente!).

2. O grupo que aqui relata, de repente entendeu que o sofrimento deste Servo tinha um sentido. O seu sofrimento era sofrimento vicário. Viram que aqui um estava carregando a culpa de muitos. Os primeiros cristãos viram, neste Servo, Jesus Cristo. Este texto ajudou-lhes a compreender a vida e morte de Jesus. Um (Cristo) carregou a culpa de todos (nossa).

3. Quando alguém começa a compreender o que aconteceu na vida e morte de Jesus Cristo, acontece um milagre. Começar a entender o significado desta vida (de Jesus Cristo), é dom de Deus.

Interceder pelo outro, assumir a causa do outro é também o paradigma de todo o serviço do cristão. Não é possível ouvir f alar da vida e morte vicária de Cristo, e viver deste acontecimento, sem começar a viver pelo outro e assumir a causa do outro. Cf. o que fez, em 1977, o sargento Hollenbach, saltando, no jardim zoológico de Brasília, numa jaula de ariranhas, salvando um menino e morrendo em consequência dos ferimentos. O que ele fez mostra o que é serviço cristão em todos os tempos.

IV – Bibliografia

– GERSTENBERGER, E. S. / SCHRAGE, W. Por que sofrer? O sofrimento na perspectiva bíblica. São Leopoldo, 1979.
– JOSUTTIS, M. O Sentido da Doença. Resignação ou Protesto? In: Prática do Evangelho entre Política e Religião. São Leopoldo, 1979.
– KRUSCHE, P. / BAEUMLER, Chr. Meditação sobre Isaías 52.13-53.12. In: Predigtstudien. Ano 1973/74. Stuttgart, 1973.
– RAD, G. von. Teologia do Antigo Testamento. Vol. 2. São Paulo. 1974.
– RUHTENBERG, R. Meditação sobre Isaías 52.13-53.12. In: Die Passionstexte. Stuttgart. 1967.
– WESTERMANN. C. Das Buch Jesaja Kap. 40-66. In: Das Alte Testament Deutsch. Vol. 19. Göttingen, 1966.