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Prédica: 2 Coríntios 3.3-9
Autor: Leonídio Gaede
Data Litúrgica: 20° Domingo após Trindade
Data da Pregação: 04/11/1984
Proclamar Libertação – Volume: IX

I — Texto da Bíblia

Parece que o texto tem bem mais do que uma ideia dentro de si. Isto é sinal de assunto quente. Quando uma pessoa, extremamente motivada com uma discussão, relata um assunto, este nunca apresenta a frieza de uma exposição estruturada na lógica do desenvolvimento gradativo. É como a fervura da água: as bolhas estouram na medida que vêm à superfície. Quem escreve é o apóstolo Paulo, e ele tem muito a dizer. Está ai o seu envolvimento nas discussões apaixonadas de um certo grupo. Pelo que se nota, as discussões decorrem, peto menos em grande parte, da novidade que a vida cristã apresenta em relação á vida anterior ou fora do cristianismo:

— Entregar a mensagem cristã não é como outros negócios (2 Co 2.17). Isto é novidade!

— A proclamação da mensagem de Cristo não carece de requerimentos ou deliberações institucionalizados (v.1). Isto é novidade!

— Os relacionamentos e as liberdades são tratadas com carne e não com pedra (v.3). Isto é novidade!

— Promoção humana não existe (v.5). Isto é novidade!

— O papel aceita tudo, mas o estômago não. A nova lei não está escrita (v.6). Isto é novidade!

— Um mundo decaído só se segura com lei (esta é a glória da lei escrita na pedra ou no papel – v.7), isto é, o mundo decaído ainda 6 sustentado por legalizações. Mas a mensagem cristã não se destina ao remendo de calça velha e nem é vinho para pipa podre (Mi 9.16 -17). A mensagem cristã é o ministério da justiça (v.9). (Esta é a glória do ministério do Espírito. Isto sim que é novidado!)

1. Pistas

Este texto da Bíblia levanta lebres que correm nas pistas do velho e do novo. Para chegar mais longe temos que seguir estas pistas:

— Velho: Praxes fora da comunidade cristã.
     Novo: Praxes dentro da comunidade cristã.

— Velho: Legalidade judaica.
     Novo: Vida cristã.

— Velho: Pedra.
     Novo: Carne.

— Velho: lei.
     Novo: Evangelho.

— Velho: Letra.
      Novo: Espírito.

2. Riscos

Quando nos encontramos com este texto da Bíblia podemos correr o risco de relacionar o novo com o Novo Testamento e o velho com o Antigo Testamento. É bom que haja cuidado com o falar de nova e velha alianças. Pois o velho e o novo”, a pedra e a carne, a Lei e o Evangelho, a letra e o Espírito são coisas da Bíblia, do início ao fim dela. (Veja, por exemplo, Jr 31.33). A questão no texto de Paulo é que uma coisa é a mensagem cristã e outra coisa são os exemplos tirados da comunidade cristã ou de fora dela.

II — Texto da vida

A Bíblia é Palavra de Deus. E Palavra de Deus não é só a Bíblia. Deus escreve na Bíblia e na vida da gente também. Há um texto em questão e, quanto a ele, já nos referimos à Bíblia. Queremos agora nos referir à vida.

Vivemos hoje numa situação que poderíamos chamar de vida dos espaços ocupados. Hoje já é difícil achar um lugar ainda não ocupado: a cabeça, o coração, o apartamento, o terreno baldio, o hospital, as áreas dos índios, a pequena propriedade, os terreiros de Umbanda e a periferia das cidades estão muito ocupados. Poucos são os lugares que ainda não estão ocupados: o estômago, o latifúndio improdutivo e os bancos de igreja.

O que significa isso?

— Ocupação é sinal de universalidade;
— falta de ocupação é sinal de parcialidade;
— muita ocupação é imobilidade;
— pouca ocupação pode ser mobilização;
— universalidade e imobilidade são sinais de dominação capitalista plena;
— parcialidade e mobilização são sinais de luta.

O que é velho e o que é novo na vida do povo (no sentido do texto da Bíblia)? Esta pergunta nos indica a pista do descobrimento da ação ou da ausência da ação evangélica de nossa comunidade. No contexto atual é velho e é novo:

— Velho: Sindicatos pelegos. Novo: Sindicatos autênticos.
— Velho: igreja de domingos (quatro paredes). Novo: Igreja de semana (na vida e no mundo).
— Velho: Repressão policial. Novo: Vitórias populares.
— Velho: Abertura política.
Novo: Aumento regular do desmascaramento da farsa dominante.

Quando nos encontramos com este texto da vida, corremos o risco de nos fecharmos diante da dificuldade que temos de relacionar o reino da luz com o reino secular, isto é, a nossa teologia com a luta real da população em geral.

III — Prédica

O apóstolo Paulo, no texto da Bíblia, dá as tintas de como a comunidade cristã vive diante do que é velho (veja: praxes fora e dentro da comunidade cristã). Querendo ver a ação do Espírito e não da lei, a prédica na comunidade cristã de hoje deve seguir este assunto:

— Qual a diferença entre a nossa organização comunitária e outras sociedades e outros clubes? Fazemos negócios com a mensagem de Cristo? Ou na comunidade estamos livres de fazer comércio?

— Existe promoção humana com o cumprimento das legalidades que instituímos na nossa comunidade? Geralmente se destacam o fazedor e o cumpridor de leis. E isto acontece em qualquer organização. Qual o específico da nossa comunidade?

– O que rege o relacionamento dentro da comunidade, a pedra ou a carne? Como se dá a reconciliação? A comunidade é o lugar onde é permitido sofrer quedas na vida ou é o lugar dos que não caem mais?

– Os Dez Mandamentos são mandamentos ou liberdades? Eles defendem o povo da ameaça que representa o avanço do capitalismo, através da dominação total do banco, da cooperativa, de grandes empresas em gerai e de fazendeiros que se adonam sabiamente de propriedades alheias? Ou os Dez mandamentos punem só o ladrão de galinhas?

– As decisões e os avanços da comunidade, da diretoria, do pastor, são letra? Isto é: dá para pegar, olhar, interpretar, manusear e manipular? Ou são Espírito? Isto é: opção?

– Que participação a comunidade tem no velho de hoje? Quer dizer: em que grau há participação nos sindicatos pelegos, na igreja de domingo, na repressão policial e na abertura política? Que participação a comunidade tem no novo de hoje? Quer dizer: em que grau há participação nos sindicatos autênticos, na igreja de semana, nas vitórias populares, no aumento regular do desmascaramento da farsa dominante?

IV — Subsídios litúrgicos

1 Confissão de pecados: Senhor Deus, Pai Celeste. A tua comunidade vem mancando através da História e não consegue seguir a Cristo. Vivemos de ano a ano e não mudamos a vida do mundo. Copiamos sempre as leis e o modo de vida que foram criados para fazer comércio e para dominar. Nesta hora de confissão só sabemos dizer: Tem piedade de nós, Senhor!

2. Oração de coleta: Senhor do mundo, aceita a celebração deste culto como sendo um sinal da procura de todos os cristãos que na nossa terra que¬rem substituir a Lei pelo Evangelho, a letra peto Espírito, a metralhadora pelo arado e o quartel pela escola (Jr 31.33; Is 2.4). Mostra-nos com a tua Palavra a nossa participação na busca do teu Reino. Amém.

3. Assuntos para a oração final: Agradecimento pela resistência contra o despotismo e a falta de escrúpulos do progresso; pela existência do homem rude que age com o coração e não maquina o mal (Sl 36.4): pela firmeza do espírito diante da dominação mecânica; intercessão por quem sofre sem entender de onde vem o sofrimento; por quem tem dificuldades de se enquadrar no sistema de vida moderno: por quem opta por ser semente de renovação na nossa terra; por quem. na comunidade, tenta viver peio Evangelho: pedido de que a Igreja não siga o modelo de vida proposto peio reino secular, mas que jogue no reino secular a semente da comunhão; de que sejam inutilizadas na vida da comunidade as leis que foram copiadas de sociedades ou clubes: de que no País não sejam mais aprovadas leis por decurso de prazo.


V — Bibliografia

– BETTO, Frei. Batismo de Sangue. 3a ed. Rio de Janeiro, 1982
– BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e Submissão. 2a ed. S.Paulo, 1980,
– BRANDT, Hermann. Espiritualidade. São Leopoldo, 1978.
– BRANDT, Hermann. O Risco do Espírito. São Leopoldo, 1977.
– LUTERO, Martim. Da Autoridade Secular. São Leopoldo, 1979.
– TOR¬RES, Camilo. Cristianismo e Revolução. São Paulo, 1981.

Leia na Bíblia: SI 36.4; Jr 31.33; Is 32.7; Pv 24.2; Êx 13.9, Dt 33.2; SI 37.31; SI 40.8; Is 8.16; Is 10.1; Jo 7.19 – 24; Jó 32.8.